quinta-feira, 27 de abril de 2017

O coração em chamas da África

Por Peter Gwin Fotos de Marcus Bleasdale

A República Centro-Africana é um dos países mais cheios de riquezas naturais do continente. Então, por que faliu?


foto: licumbiphotos.com.br

Um bairro da capital Bangui ainda fumega, em 2014, depois que milícias lideradas por cristãos atacaram rebeldes muçulmanos que depuseram o governo. Antes, as fés coexistiam em paz, mas, nos últimos quatro anos, o caos impera em grande parte do país.

Para chegar à casa do singular artista das borboletas, é preciso vencer um labirinto de casas de tijolo de barro perto do largo e pardacento Rio Oubangui. Quatro anos atrás, grupos rebeldes muçulmanos e milícias cristãs engalfinharam-se nessa área pelo controle de Bangui, a capital da República Centro-Africana. Hoje, o local fervilha com crianças esganiçadas jogando futebol e ambulantes tagarelas vendendo amendoim e ovos, abacate e manga, mel silvestre e pimenta em grão. Mas a violência ainda assola a cidade, e os moradores permanecem alertas para sons de tiros e helicópteros militares.

Philippe Andé vive alheio a isso tudo. Careca e franzino, ele se debruça sobre uma mesa coberta de asas de borboleta – uma constelação de cores eletrizantes, formas espetaculares e padrões exóticos. A República Centro-Africana é lar de 597 espécies identificadas, e não raro um passante se vê em meio a uma nuvem silenciosa dessas criaturas, como se entrasse numa revoada de confetes. Andé, que é agricultor, captura-as nas suas plantações e às vezes contrata meninos para coletá-las nos morros e nas margens do rio.

Com pinça, lâmina de barbear e cola vulcanizante, ele dispõe as asas finas como tecido para formar cenas radiantes da vida centro-africana, cada uma delas um vitral em miniatura. Um homem pesca um peixe verde sarapintado em um rio turquesa. Mulheres de vestidos laranja com bebês adormecidos presos às costas moem mandioca para fazer farinha. Um menino sobe numa árvore para apanhar cocos. E há campos cobertos de algodão, retratos de elefantes, gorilas, papagaios, antílopes, e até mesmo um diamante lapidado, a mais famosa exportação do país.

Essa é a República Centro-Africana que Andé escolhe ver quando fecha os olhos: o tempo anterior a 2013, ano em que a Seleka – uma aliança de grupos de maioria muçulmana – saqueou, estuprou, matou e incendiou, derrubou o governo corrupto dominado por cristãos e deflagrou uma guerra civil brutal, ainda fumegante, que matou milhares de pessoas, desalojou quase 1 milhão e provocou escassez de alimentos.

Para ser franco, as encantadoras imagens de Andé representam algumas das impressões idealizadas que eu também tenho da República Centro-Africana. O país chamou a minha atenção quando o vi realçado em um mapa conservacionista: uma ilha verde, do tamanho da França, contendo parte do que resta da natureza primeva da África. Descobri que vastos trechos das suas florestas permanecem desabitados e são férteis em vida selvagem. Sob essa exuberância, jaz uma profusão de recursos, entre eles diamantes, ouro, urânio e, possivelmente, petróleo. Parece razoável que um país tão esparsamente povoado – apenas 5 milhões de habitantes, em comparação com os 65 milhões da França – viesse a prosperar. Mas está fracassando. Por quê? Essa questão me perseguiu durante os três anos em que fiz várias reportagens sobre o que os moradores chamam de “a Crise”, a sua expressão para designar a guerra e o caos resultante......http://www.nationalgeographicbrasil.com

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