quinta-feira, 24 de abril de 2014

Mercúrio - Em nome do ouro

Às margens do rio e da lei, o garimpo de ouro flerta historicamente com a clandestinidade. Em iniciativa pioneira, Amazonas estabelece normas estaduais para regulamentar o ofício. A decisão, entretanto, incita questionamentos, sobretudo quanto ao uso do mercúrio.

  Henrique Kugler


A recente alta no preço do ouro parece motivar no Brasil uma renovada sede mineradora. As leis que regem a atividade no país são várias, mas não têm dado conta de proteger garimpeiros, meio ambiente e sociedade. (foto: Dieter Hawlan/ iStockphoto)


A saga do garimpeiro já foi enredo de contos, cobiça e violência. De conflitos de terra a pecados ambientais, histórias de garimpagem têm quase sempre um coadjuvante em comum: o mercúrio – um dos metais pesados mais tóxicos para a saúde humana.

Para o cientista, é um elemento químico de 86 prótons. Mas, para o garimpeiro, é mais do que isso: é o líquido prateado responsável pela alquimia da sobrevivência. Explica-se: como agulhas em um palheiro, os minúsculos fragmentos de ouro ficam aleatoriamente espalhados pelo cascalho arenoso que o minerador retira do subsolo ou do leito dos rios. A esse material bruto é adicionado mercúrio. Líquido à temperatura ambiente – é o único metal conhecido com tal propriedade –, ele agrega os pequeníssimos grãos dourados e forma uma liga metálica. Essa mistura é então aquecida; o mercúrio evapora; e assim o ouro puro chega às mãos do minerador. Tecnologia deveras rudimentar.

Mas, onipresente na mineração artesanal de ouro, o mercúrio tem preocupado a comunidade científica desde fins da década de 1960, quando se intensificaram os estudos sobre a toxicologia desse metal. “Danos irreversíveis ao sistema nervoso, inclusive o comprometimento de áreas do cerebelo associadas a funções motoras, auditivas e visuais, são alguns dos males que o mercúrio costuma causar em seres humanos”, diz o biólogo Wanderley Bastos, da Universidade Federal de Rondônia (Unir). “Uma vez lançado no ecossistema, o mercúrio foge totalmente de nosso controle; e ainda não temos tecnologias para frear os processos biogeoquímicos de sua disseminação.”
  
O mercúrio é um dos metais pesados mais tóxicos para a saúde humana. No garimpo do ouro, ele é usado para agregar os grãos dourados que ficam espalhados pelo cascalho arenoso retirado do subsolo ou do leito dos rios. (foto: Flickr/ p.Gordon – CC BY 2.0)
Garimpo revisitado

A relação entre mercúrio e garimpo é tema clássico para polêmicas ambientais. E a última delas – que reavivou um debate adormecido – veio à tona em maio de 2012, quando a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) publicou uma resolução que causou celeuma entre cientistas e legisladores.

Trata-se da Resolução 11/2012. Na contramão da história, o documento regulamenta o uso de mercúrio no garimpo artesanal – quando o mundo todo se movimenta para banir ou impor restrições severas no emprego desse perigoso elemento químico.

Delicado impasse. Pois há na iniciativa da SDS uma boa intenção – pôr ordem na casa e disciplinar o garimpo no estado. Pelos rincões da Amazônia, afinal, a lavra do ouro é uma labuta que historicamente flerta com a clandestinidade. Há gerações o valioso metal dourado é via de sobrevivência para famílias que habitam as remotas paragens da planície amazônica. Mesmo assim, os estados da região jamais se engajaram na tarefa de legislar sobre a atividade. “O garimpo, portanto, acontece há décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”, contextualiza o procurador da República Leonardo Macedo, do Ministério Público Federal (MPF).
Macedo: “O garimpo, portanto, acontece há décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”

Eis que entra em cena a Resolução 11/2012. Com ela, o Amazonas tornou-se o primeiro estado do país a rezar uma legislação específica sobre garimpo. Nada mal, em princípio. Mas o texto desagradou a muitos. A comunidade científica não tardou a se manifestar; a sociedade civil fez-se ouvir; e o próprio MPF não deixou barato.


Lei manca

“Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”, lê-se na carta aberta assinada pelo físico Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia (Musa), em Manaus (AM), e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. “Desejamos alertá-lo, senhor governador, que o mercúrio é um metal extremamente tóxico, fato que não é mencionado na resolução.”

O documento foi acusado de ser permissivo – além de sugerir procedimentos de segurança pouco específicos e de duvidosa eficácia. Em linhas gerais, ele afirma que as regiões de garimpo devem ser previamente sujeitas a estudos de impacto ambiental; a origem do mercúrio deve ser comprovada; as áreas de lavra devem ser monitoradas por técnicos do estado; os rejeitos do mercúrio devem ser encaminhados à sede municipal, onde serão devidamente acondicionados; e o garimpeiro deve, obrigatoriamente, usar um equipamento chamado retorta (ou cadinho).
Candotti: “Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”

É um aparato metálico assemelhado a um forno, que aquece o amálgama e separa o ouro de forma segura, pois, sendo um sistema fechado, evita que o vapor de mercúrio seja emitido à atmosfera ou inalado pelo trabalhador. A retorta permite ainda reaproveitar o mercúrio que seria despejado no solo ou nas águas.

À primeira vista, a resolução soa bem razoável. Mas o preocupante não é o que o texto diz; e sim o que ele não diz. “Pois estão ausentes os mecanismos adequados de controle ambiental”, critica Macedo. Um exemplo: “Apesar de obrigar o garimpeiro a utilizar retorta, o texto ignora o processo de certificação necessário para garantir a eficiência do equipamento”, alerta o procurador.

Além disso, a resolução não proíbe o garimpo em áreas já degradadas ou em territórios onde a presença de mercúrio é naturalmente alta (ver ‘Natural ou antrópico’). “Diante das críticas, o estado do Amazonas abriu-se para o diálogo”, conta o procurador. Semestre agitado para os amazonenses: foram organizados debates, encontros e palestras para discutir o polêmico texto. “Assim conseguimos alterar a Resolução 11/2012 e substituí-la pela Resolução 14/2012”, atualmente em vigor.
Natural ou antrópico
Nos solos e rios amazônicos, que parcela do mercúrio é oriunda de atividades antrópicas e que parcela advém de condições naturais? Questão em aberto. Por suas características físicas, nossa floresta equatorial estoca quantidades naturalmente elevadas do metal – quatro vezes mais do que solos de regiões temperadas, segundo Wanderley Bastos, mesmo em áreas distantes de garimpo ou indústria. Erupções vulcânicas várias, ao longo da história geológica, emitiram mercúrio à atmosfera. Esse material foi se depositando nos solos. E a floresta amazônica, se intacta, estoca enorme quantidade mercurial. Se destruída, porém, o mercúrio ali armazenado é fatalmente carreado aos cursos d’água. “Uma vez no sistema aquático, não mais importa se ele é de origem antrópica ou natural”, diz Bastos. Nos rios ele passará da forma inorgânica para a forma orgânica, contaminando a cadeia alimentar. Sabe-se que, nos últimos 150 anos, a quantidade de mercúrio na atmosfera aumentou em mais de 300%, devido sobretudo às atividades industriais relacionadas à produção de carvão mineral.

Menos pior

O novo texto proíbe garimpo em regiões com altas concentrações de matéria orgânica – caso das áreas banhadas pelo rio Negro, por exemplo. Pois ambientes assim favorecem a reação que transforma o mercúrio metálico (Hg) em metilmercúrio (CH3Hg+) – a forma química mais tóxica do elemento. Uma vez transformado, o mercúrio é rapidamente absorvido pelos organismos vivos e incorporado à cadeia alimentar. “Acumula-se nos tecidos dos peixes e, cedo ou tarde, chega ao homem”, explica Bastos.

O novo texto prevê rigoroso controle do comércio de mercúrio metálico. E exige a certificação das retortas pelo Instituto de Pesos e Medidas (Ipem). Mas há aí um singelo entrave: “Não adianta o garimpeiro simplesmente ter a retorta, ainda que certificada; ele precisa usá-la”, enfatiza Macedo. “Em visitas a regiões de garimpo no Amazonas, averiguamos que várias balsas tinham, sim, esse equipamento. Mas estavam novos, isto é, jamais tinham sido utilizados.”
Forsberg: “A resolução é relativamente boa. Minha dúvida: sua implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”

Se os pessimistas estiverem certos, a Resolução 14/2012 tem tudo para ser uma lei para amazonense ver. Exatamente por isso ela passará por um período de testes. “Serão três anos de avaliação”, prevê Macedo. “Se, ao longo desse período, o MPF entender que danos irreversíveis continuam sendo causados aos ecossistemas, nada impede que trabalhemos para impugnar a resolução.”

Por outro lado, se o novo texto funcionar a contento – o que requer otimismo panglossiano – ele será um marco histórico para o garimpo amazônico. “Pois será a primeira vez que o Brasil logrará êxito na regulamentação de uma atividade historicamente exercida à margem da lei”, diz Macedo, com ceticismo no tom de voz.

“A resolução é relativamente boa”, comenta o ecólogo Bruce Forsberg, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que participou das discussões e da reelaboração do texto. “Minha dúvida: sua implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”


Garimpo na lei?
Enquanto cientistas e legisladores duelam, os afeiçoados pelos aspectos burocráticos do imbróglio certamente se interessarão pelo cenário jurídico em que se insere o debate. Além da legislação estadual recentemente aprovada no Amazonas, o Brasil tem, engavetado, um eclético cardápio de leis sobre garimpo e mineração. Eis as três principais:

Decreto 97.507/1989
Portaria 435/1989, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)

Resolução 237/1997, do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) São documentos de abrangência federal que estabelecem diretrizes gerais sobre o trabalho da garimpagem. “Mas a legislação federal é ‘genérica’ e requer regulamentações específicas em âmbito estadual”, explica o procurador da República Leonardo Macedo. Segundo o Decreto 97.507/1989, “é vedado o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, exceto em atividade licenciada pelo órgão ambiental competente”. Em outras palavras, usar mercúrio é proibido – a não ser que o estado defina suas próprias regras. Daí a importância da nova resolução do Amazonas: ela traz especificidades e detalhamentos para complementar o conjunto de leis federais em vigor.

Dados aterradores

Enquanto leis e burocracias duelam, muitas regiões da Amazônia já apresentam quadros preocupantes de contaminação por mercúrio. Ao longo do rio Madeira, que passa por Porto Velho (RO) e deságua no rio Amazonas, a presença desse metal pesado no organismo dos ribeirinhos vem sendo monitorada há décadas.

Os habitantes de São Sebastião do Tapuru (AM) têm em média 62 mg/g de metilmercúrio no organismo – quando o limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de apenas 7 mg/g. De municípios ao longo do curso das mesmas águas não vieram melhores notícias. Em Três Casas (AM), são 33,07 mg/g; Vista Nova (AM), 25,69 mg/g; Carará (AM), 18,13 mg/g; Santa Rosa (RO), 13,99 mg/g; Santo Antônio do Pau Queimado (RO), 14,69 mg/g; e por aí vai.

“A média de concentração mercurial nas populações isoladas do rio Madeira é de 15 partes por milhão, isto é, o dobro do valor considerado normal pela OMS”, preocupa-se Bastos.


Veja os dados completos no mapa interativo
‘Contaminação por mercúrio’


Mercúrio e saúde

Existem duas maneiras de se medir a quantidade de mercúrio no organismo humano. Se o vapor do metal é inalado, sua presença será detectada na urina. Mas, se ingerido a partir de peixes ou demais alimentos contaminados, será aferido em amostras de fio de cabelo.

“São quadros toxicológicos diferentes”, detalha Bastos. O mercúrio inorgânico – isto é, o vapor do metal inalado durante a queima do amálgama para separar o ouro – provoca danos aos rins e ao sistema respiratório. “Apesar de garimpeiros ainda sofrerem desses problemas, eles já foram muito mais comuns nas décadas passadas”, lembra o pesquisador da Unir.
“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de peixe”

Hoje, pesquisadores preocupam-se especialmente com a forma orgânica, o metilmercúrio, que praticamente não é excretada. É um processo lento e cumulativo: o elemento permanece no organismo pelo resto da vida. “Por isso a contaminação por mercúrio é um grave problema de saúde pública há mais de 50 anos”, escreve a bióloga Sandra Hacon, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Retardo mental, paralisia cerebral, surdez, cegueira e disartria em indivíduos expostos ainda no útero materno; e danos sensoriais e motores graves em indivíduos expostos na idade adulta” são alguns exemplos de males elencados pela bióloga da Fiocruz.

“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de peixe”, diz Bastos. No Brasil, a média nacional é de 60 a 90 g diárias. Mas cálculos da equipe da Unir constataram que, em algumas regiões amazônicas, o consumo de pescados per capita chega a 406 g ao dia. “Desconheço alguma população no mundo que apresente uma média tão elevada”, surpreende-se o pesquisador. 
 
O mercúrio ingerido a partir de peixes, consumidos em grande quantidade pelas comunidades amazônicas, permanece no organismo pelo resto da vida, podendo acarretar danos sensoriais e motores graves em indivíduos expostos. (Angela Peres, Secom-Acre/ Flickr – CC BY 2.0)

“Mas há aqui uma interrogação”, comenta Bastos. “Mesmo sendo o mercúrio um elemento neurotóxico, algumas populações não apresentam os efeitos clássicos da toxicologia mercurial”. Pesquisadores acreditam que outros componentes da dieta dos ribeirinhos possam atenuar os danos esperados. “Uma hipótese é que o selênio, presente na castanha-do-pará e frutas locais, evite quadros de contaminação por mercúrio”, arrisca o biólogo da Unir, lembrando que essa é ainda uma questão em aberto.


Mapa da mina

No Brasil, a produção industrial de ouro – a extração em minas de grande porte – concentra-se nos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia. Mas, ao falarmos da extração artesanal, a geografia é outra. Mato Grosso, Pará e Rondônia são os principais estados onde se concentra o garimpo de ouro. Destaque para as bacias dos rios Tapajós e Madeira.

Importante: nas grandes indústrias, a obtenção do ouro não utiliza mercúrio. Mas sim cianeto. Esse composto químico – formado por ligações entre átomos de carbono e nitrogênio – é diluído em uma solução aquosa, que, despejada sobre o minério bruto, provoca reações químicas capazes de diluir os fragmentos de ouro. O metal é então incorporado à solução líquida, e, em seguida, separado por um processo eletrolítico.

Há quem cogite o uso de cianeto – como alternativa ao mercúrio – também no garimpo artesanal. Substituição questionável. “É um processo bastante complexo que, além de exigir cálculos apurados, requer muitos cuidados; e o cianeto também é altamente tóxico”, comenta o cientista político Armin Mathis, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que há tempos dedica-se ao estudo das relações sociais no garimpo. Cenário que nos remete a uma legítima dúvida: quantas pessoas, atualmente, trabalham no garimpo de ouro?

“Não existem dados oficiais sobre o número de pessoas ligadas à mineração de ouro”, informou o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “E os números extraoficiais são bastante divergentes.” O que se sabe é que existem, hoje, 853 registros de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) – documento que permite a extração de ouro em garimpo. E, no momento, o DNPM analisa mais de 16 mil pedidos de permissões desse tipo – solicitadas por empresas ou indivíduos desejosos de tentar a sorte, ou a sobrevivência, na lavra do ouro. 
 
Queima do ouro. De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral, não existem dados oficiais sobre o número de pessoas ligadas à mineração de ouro no Brasil. Pesquisador da UFPA estima que haja atualmente cerca de 20 mil pessoas trabalhando diretamente no garimpo. (foto: Marieke Heemskerk)

“Imagino que existam, hoje, algo em torno de 20 a 30 mil pessoas trabalhando diretamente com o garimpo”, estima Mathis. Sejam quais forem os números, é certo que estão aumentando. A recente e assombrosa alta no preço do ouro parece motivar uma sede mineradora sem precedentes na última década.


Alternativas

“Sou favorável à não utilização de mercúrio em qualquer processo, seja industrial ou artesanal”, defende Wanderley Bastos. “Quanto menos emissões de mercúrio, menos riscos para o ecossistema e os seres humanos.” Para alguns, entretanto, não há alternativas para substituir esse metal. Será? “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil implementação”, comenta o procurador Leonardo Macedo.
Macedo: “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil implementação”

“Existem técnicas gravimétricas”, lembra Bastos. São métodos que permitem ao garimpeiro separar o ouro do sedimento em uma espécie de mesa vibratória, que ao vibrar separa o cascalho, que é leve, do ouro, mais pesado. Impasse: essas mesas funcionam melhor em terrenos estáveis, e não nas balsas usadas para dragar o leito dos rios.

Apesar disso, há casos de sucesso. Em Humaitá (AM), a Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) já usa essa tecnologia em algumas balsas. “Os riscos ambientais são minimizados por se tratar de uma separação mecânica, e não química”, diz Geomário Leitão, gerente da cooperativa. “O governo poderia estimular estudos nessa direção”, sugere o biólogo da Unir. Mas, mesmo assim, problemas como erosão podem continuar.


Mercado e conspiração

A Organização das Nações Unidas (ONU) vem coordenando esforços para reduzir ou até restringir as vendas de mercúrio metálico no mundo. “Mas esses esforços vêm sendo frustrados, em parte, por um lobby bastante forte dos países em desenvolvimento; e o Brasil é um dos que lideram essa pressão”, alfineta Bruce Forsberg, do Inpa. “Mas, como sou gringo, não posso opinar muito”, brinca ele, que é estadunidense.

Forsberg diz que os maiores interessados em restringir uso e produção de mercúrio são os próprios Estados Unidos – que têm um belo estoque desse metal, estratégico para fins militares. “Se as minas de mercúrio ainda em operação, na China, na Rússia e na Espanha, encerrarem suas atividades, será um ótimo negócio para os norte-americanos, que terão domínio sobre esse mercado”, matuta o ecólogo do Inpa. Seriam, pois, os debates sobre mercúrio uma conspiratória estratégia geopolítica? “Depende do quão desconfiado você é”, ri Forsberg.

No território da diplomacia, entretanto, otimistas veem promissoras notícias. “O Brasil vem participando da preparação de um instrumento global juridicamente vinculante sobre mercúrio”, disse Letícia Reis de Carvalho, diretora do Departamento de Qualidade Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em janeiro passado, representantes de 140 países se reuniram em Genebra (Suíça) para finalizar um documento que orientará políticas internacionais acerca da utilização de mercúrio em garimpo. Estamos falando da Convenção de Minamata – que entrará em vigor em outubro deste ano –, da qual o Brasil será provável signatário.
Carvalho: O governo acredita que formalizar a atividade, diminuir drasticamente a emissão e buscar alternativas propiciará resultados contra o uso indiscriminado do mercúrio no garimpo

A convenção fala em “taxas de redução”. Carvalho destaca alguns itens: o texto recomenda ações para eliminar processos de amalgamação de minério e queima a céu aberto; prevê formalização da atividade garimpeira e adoção de estratégias para reduzir a exposição ao mercúrio; e, é claro, incentiva estudos sobre alternativas aos métodos tradicionais da lavra garimpeira.

“Controlar o uso do mercúrio no garimpo artesanal de ouro é um desafio para o Brasil”, afirma Carvalho. “O governo acredita que formalizar a atividade, diminuir drasticamente a emissão e buscar alternativas propiciará resultados contra o uso indiscriminado desse metal no garimpo.” Mas, um momento... O que dizem, afinal, os próprios garimpeiros? “Algum dia o senhor imagina trabalhar sem mercúrio?”, perguntou Leonardo Macedo a um deles. “Não”, respondeu o velho homem. “Sou garimpeiro há 30 anos, e tanto meu pai quanto meu avô sempre usaram mercúrio. Foi sempre assim”

Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ
Sugestões de leitura


S. Hacon e outros. Um panorama dos estudos sobre contaminação por mercúrio na Amazônia legal no período de 1990 a 2005. Geochimica Brasiliensis, v. 23, n° 1, 2009.
V. Moriyama. ‘Vila da ressaca: os restos de um sonho dourado’, O Eco, 14/03/2013.
Revista Ciência Hoje

Colmatagem (Filling of a lake)


Colmatagem é o processo acumulação  de sedimentos ou de preenchimento de áreas, realizados por agentes naturais ou pela ação antrópica.  Nos arroios, esse processo pode ocasionar a diminuição da sua área, interrupção deste, ou até a sua extinção.

Notícias Geografia Hoje


 Cultivar em campos terraceados na China é menos arriscado com seguro.
 
Milhões de chineses fazem seguro climático
Agricultores a compram apólices contra quebras de safras resultantes de mudanças climáticas


  Coco Liu e ClimateWire


Semanas antes do início da colheita no verão passado na China, os arrozais de Li Ping foram atingidos por condições meteorológicas extremas. Temperaturas de35°C literalmente assaram a aldeia de Longtan, no norte do país, durante mais de um mês, amarelando folhas e prejudicando a produção de grãos. Como resultado, a produção de arroz de Li sofreu uma quebra de 20% em comparação com anos normais.

Ainda assim, Li não teve dificuldades em levantar fundos para seu próximo plantio, como aconteceu depois de perdas de colheitas anteriores. Em vez disso, o lavrador, de 51 anos, esperou em casa até o dinheiro chegar.

“Faço seguro da minha produção de arroz desde 2009”, contou Li. “A compensação que recebi não cobriu as perdas totais, mas ela eliminou parte da pressão financeira que sofreria”.

Li Ping é um de centenas de milhões de agricultores chineses que agora utilizam o seguro como uma ferramenta para se proteger contra os riscos decorrentes das mudanças climáticas. A China é o segundo maior mercado mundial de seguro agrícola, atrás apenas dos Estados Unidos em termos de receitas de prêmios, e está lutando para estender o uso de seguros relacionados ao clima para outros setores.

As mudanças climáticas já deixaram muitas cicatrizes na sociedade chinesa. Dados da primeira estratégia nacional de adaptação às variações do clima, divulgados em 2013, mostram que eventos climáticos extremos mataram, em média, mais de 2.000 pessoas por ano desde a década de 90 e custam mais de 200 bilhões de yuans (US$ 32 bilhões) em danos econômicos diretos por ano à economia da China.

Embora o país já tenha injetado bilhões de dólares na prevenção desses danos, desastres naturais cada vez mais frequentes e intensos, provavelmente ligados às mudanças climáticas, estão forçando a nação a gastar mais.

De acordo com um estudo de 2013 do Climate Group, uma organização não governamental com sede em Londres, a China precisará de pelo menos US$ 24 bilhões por ano para ações de adaptação até 2020. Comparativamente, o orçamento nacional estimado com base em seus gastos atuais é de apenas US$ 13,5 bilhões.

Explorando forças do mercado

Para diminuir esse déficit, o governo chinês propôs expandir as finanças climáticas através das forças do mercado. Os serviços de seguro estão entre as soluções sugeridas.

Nos últimos anos, os formuladores de políticas do país já persuadiram centenas de milhões de agricultores chineses a comprar apólices de seguro agrícola. Em 2013, a iniciativa gerou uma capacidade de cobrir perdas no valor de 1,4 trilhões de yuans (US$ 225 bilhões). Os riscos climáticos são conhecidos como o maior perigo para perdas na agricultura.

“Embora o governo subsidie a aquisição de seguros, pelo menos 20% dos prêmios ainda vêm dos bolsos dos agricultores”, salientou Tuo Guozhu, um perito em seguros da Universidade Capital de Economia e Negócios, em Pequim.

“Em comparação com o auxílio dado pelo governo, portanto, o seguro climático pode reduzir o ônus financeiro nacional. E ele também pode ser usado de forma mais eficiente”, acrescentou.

Para gastar menos em compensações, as seguradoras estão empenhadas em proteger os agricultores de mudanças climáticas adversas ensinando-lhes como lidar com os padrões erráticos do clima. Elas também tentam mitigar os riscos climáticos pagando, por exemplo, por serviços artificiais de supressão de granizo.

Para as indústrias, que ainda precisam ganhar o apoio do governo enquanto já experimentam a ameaça do aquecimento global, a importância do seguro climático parece ser mais óbvia.

Em 2012, a Companhia Hidrelétrica Guangdong Meiyan Ltda., do sul da China, por exemplo, comprou uma apólice de seguro de precipitação que lhe permite exigir uma compensação de até 80 milhões de yuans (US$ 12,9 milhões) se um índice de precipitação anormalmente baixo impedir a produção (output) de suas cinco usinas hidrelétricas.

Embora uma solução desse tipo seja inédita na China, “chegamos relativamente rápido a um acordo com a Meiyan”, declarou Stuart Brown, diretor de soluções corporativas da Swiss Reinsurance Company Ltd., conhecida como Swiss Re, que formou uma parceria com uma empresa local para prestar o serviço.

“A equipe gerencial da Meiyan tem boa compreensão da solução”, observou Brown. “Eles fizeram seus próprios cálculos e descobriram que a empresa teria recebido um pagamento de seguro de mais de 17 milhões de yuans (US$ 2,7 milhões) se a apólice de seguro já estivesse em vigor em 2011”.

Escalada ascendente para um novo produto

O seguro que a geradora de energia hidrelétrica tinha obtido anteriormente podia protegê-la de danos causados por deslizamentos de terra e outros desastres naturais violentos, mas não podia ajudar em casos de perdas econômicas associadas a perigos lentamente crescentes, como um declínio de chuvas. Em 2011, as secas evaporaram quase 30% das receitas de produção de energia da empresa e esses tipos de perdas deverão aumentar acentuadamente no futuro à medida que as mudanças climáticas se tornarem mais extremas.

Outras companhias de energia também estão começando a considerar um seguro climático. No final de 2013, o desenvolvedor de um parque eólico da província de Hebei, no norte da China, assinou um contrato com a Swiss Re para se proteger contra a volatilidade do vento.

Atualmente, a empresa está trabalhando com seguradoras chinesas para desenvolver uma opção de seguro de temperatura para empresas de aquecimento distritais (urbanas), cujos lucros estão sendo impactados frequentemente por preços fixos de aquecimento e custos crescentes devido a invernos mais frios.

Embora a demanda de seguros climáticos seja forte na China, a reação negativa a esses serviços talvez seja ainda mais forte. De acordo com Brown, da Swiss Re, “muitos administradores seniores estão cientes de seus riscos meteorológicos; mas poucos fizeram uma análise quantitativa dessa exposição e de seu impacto na operação”.

Além disso, o planejamento orçamentário ao estilo chinês é outro desafio. Como explicou Brown, alguns administradores simplesmente não têm o orçamento para se proteger do clima, mesmo que estejam convencidos de que ele seria importante. “Isso é especialmente verdadeiro para algumas empresas estatais que separam estritamente a gestão de rendas e gastos. O prêmio de seguro, por exemplo, considerado como despesa, é difícil de ser aprovado mesmo que tenha a vantagem de resultar em um fluxo de caixa quando ele é mais necessário”, criticou.

Também existe a questão de quem envolver na adaptação às mudanças climáticas. Liu Xinli, professor associado do Departamento de Gestão de Riscos e Seguros da Universidade Peking, na capital chinesa, observou que a recuperação de desastres é tradicionalmente considerada uma tarefa do governo; portanto, o papel das seguradoras é amplamente ignorado — mas, aparentemente, não será mais.

Vários experimentos em andamento

Em uma coletiva de imprensa realizada em março em Pequim, Xiang Junbo, presidente da Comissão Reguladora de Seguros da China, disse a jornalistas que o governo pretende alavancar os serviços de seguros na luta contra catástrofes naturais. Para os formuladores de políticas chineses, a pressão está aumentando para que façam isso porque as indenizações pagas pelas seguradoras atualmente ajudam muitos países a cobrir de 30% a 40% de suas perdas decorrentes de desastres, enquanto essa contribuição na China é inferior a 1%.

Com isso em mente, a cidade de Shenzhen, no sul da China, recentemente lançou o primeiro plano piloto do país para seguros contra desastres, visando tufões, inundações costeiras e outras ameaças vindas do mar. O governo municipal de Shenzhen já comprou o serviço de seguro para cada um de seus cidadãos. Além disso, os habitantes da cidade também são incentivados a fazer um seguro de vida e de propriedade contra desastres naturais.

Também existem planos para reformular os termos do seguro, facilitando que empresas e cidadãos lidem com o aumento dos danos relacionados ao clima. Na província de Anhui, por exemplo, propensa ao estresse por calor, onde os rizicultores costumavam esperar meses até que as seguradoras completassem suas avaliações de danos, foi introduzido um chamado serviço de seguro de índice de temperatura em 2009. Ele permite que o processo de compensação comece imediatamente, assim que as temperaturas do ar ultrapassem um determinado limite.

Especialistas afirmam que essas inovações têm tido êxito na fase piloto, mas como ampliá-las é uma questão problemática. Embora os produtores de tangerinas da província de Jiangxi, na região central da China, aprovem de bom grado um serviço de seguro recém-desenvolvido, que vincula as taxas de compensação diretamente a baixas temperaturas, poucos deles têm condições de arcar com os prêmios das apólices. Autoridades locais forneceram apoio financeiro a alguns produtores, mas consideram um desafio subsidiar um número maior.

E os sortudos que têm acesso aos subsídios do governo também têm seus próprios problemas. O rizicultor Li Ping, por exemplo, se queixou de que, com sua atual apólice, ele só consegue recuperar metade do custo de sua produção de arroz quando desastres naturais ocorrem com maior frequência. Embora ter um seguro climático seja bom, observou Li, aumentar a taxa de compensação por meio de subsídios do governo poderia torná-lo ainda melhor.
Scientific American Brasil

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Unasul - O sonho da integração

 
  Claudio Egler / Foto: Carlos Juliano Barros

CARLOS JULIANO BARROS


“Geoeconomista”. É assim que o carioca Claudio Antonio Gonçalves Egler, 62 anos, nascido e criado no tradicional bairro carioca de São Cristóvão, se define. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Egler concluiu a graduação e o mestrado em geografia nessa mesma instituição, mas fez seu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em seguida, partiu para uma temporada de um ano em Buenos Aires, na Argentina, onde fez seu pós-doutorado.
Egler recebeu a reportagem de Problemas Brasileiros em seu apartamento, a poucas quadras da famosa praia de Copacabana, na zona sul da capital fluminense. Amante do mar, da fotografia e de ícones do jazz norte-americano, como Miles Davis e John Coltrane, que embalam seus exercícios físicos das horas vagas, ele conta que dedicou boa parte de sua vida acadêmica a pesquisas sobre a integração da América do Sul e a questões energéticas, assuntos desta entrevista exclusiva. “A América do Sul é um continente ainda em construção”, ele sentencia, fazendo referência a uma de suas principais influências, o falecido economista paraibano Celso Furtado.

Problemas Brasileiros – O senhor é um estudioso do continente sul-americano principalmente no tocante à questão energética. Como o senhor avalia a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), entidade que está com cinco anos de vida?
Claudio Egler – A Unasul é um marco político para a América do Sul. Ela é diferente do Mercosul e da Comunidade Andina, que têm um caráter mais econômico. De certo modo, a Unasul procurou organizar as relações entre esses dois blocos econômicos. A proposta da entidade tem alguns aspectos bem positivos. Por exemplo, ela substitui a OEA (Organização dos Estados Americanos) como foro de negociação, de tomada de posição no que diz respeito à América do Sul.

PB – Então, a Unasul confere maior autonomia política à América do Sul?
Egler – Ela é parte da construção dessa autonomia política. Não vou dizer que ela já exista completamente. Porém, alguns exemplos mostram que a Unasul vem desempenhando um papel importante. É o caso da suspensão do Paraguai do Mercosul, por conta da destituição do ex-presidente Fernando Lugo. A Unasul adotou uma posição de crítica à forma como foi feito o afastamento de Lugo. Mais recentemente, a Unasul se manifestou sobre o caso de Evo Morales, presidente da Bolívia, que vinha de Moscou e cujo avião foi impedido de descer na França. A Unasul funciona como um porta-voz político dos países da América do Sul. E, evidentemente, quem tem poder de mobilizar e exercer liderança na Unasul é o Brasil. A Unasul é parte da construção de um projeto em que o Brasil tem papel de destaque na integração sul-americana.

PB – A Unasul prevê o fortalecimento dos laços entre os países da América do Sul por meio de obras grandiosas como gasodutos, rodovias, hidrelétricas. Qual deveria ser a prioridade no continente em termos de infraestrutura?
Egler – A integração física é um aspecto bastante importante. Ela tem efeitos que vão além da mera circulação de pessoas e mercadorias. Também aproxima estruturas econômicas e facilita a coordenação produtiva. Na América do Sul, temos um atraso histórico no desenvolvimento desse tipo de infraes­trutura. No passado, todos os esforços tinham como objetivo dificultar ao máximo a circulação de mercadorias entre os países. Agora, o esforço está no sentido contrário, embora ainda existam outras dificuldades. Vamos citar o caso do gasoduto Brasil-Bolívia. Enquanto a relação dólar estava favorável ao real, era melhor importar gás da Bolívia. Mas, agora, com a súbita elevação da cotação da moeda americana, passa a ser oneroso. Um dos principais problemas é que não existe um marco regulatório capaz de dar estabilidade a essas relações. Resolver esse gargalo talvez seja uma missão importante que a Unasul ainda venha a desempenhar.

PB – Quais são os principais desafios para a integração da América do Sul?
Egler – Basicamente, são dois: um marco regulatório e um sistema financeiro capaz de alavancar grandes empreendimentos. Atualmente, o principal órgão financiador da infraestrutura da América do Sul é o brasileiro Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele financiou estrada na Bolívia e hidrelétrica no Equador. O BNDES está se transformando em um banco de fomento em escala sul-americana. Ainda não está claro, entretanto, quem vai desempenhar esse papel [de financiamento]. É fundamental que haja algum mecanismo financeiro mais robusto para fazer isso. Na questão da energia, a integração está avançando porque há uma necessidade de complementaridade entre os países. O Brasil sabe muito bem que a compra do gás da Bolívia é fundamental para o funcionamento da economia daquele país. Cerca de 75% do gás da Bolívia vem para o Brasil. E isso significa quase 80% das exportações bolivianas.

PB – Com o aumento da cotação do dólar, essa relação comercial com a Bolívia sofre algum abalo?
Egler – Sofre um abalo. Mas há outros problemas. No Brasil, fizemos uma opção de estímulo ao transporte individual. Faz parte da política incentivar o consumo para ativar a economia e gerar empregos. Mas qual é o efeito? Isso significou o aumento das importações de gasolina porque nossa estrutura de refino [de petróleo] não tem condições de atender a demanda. Além disso, toda a logística das exportações brasileiras funciona em cima de caminhão. Não houve grandes investimentos para transferir parte dessa logística para a ferrovia ou para a hidrovia. Isso sobrecarrega o transporte rodoviário e aumenta o consumo de diesel. Hoje, estamos importando gasolina e diesel e dificultando as coisas para os lados da Petrobras. Então, o problema não é só o gás da Bolívia. Temos que estabelecer prioridades na tomada de decisões que afetam a economia e cujos resultados precisam ser avaliados a longo prazo. Recentemente, a Petrobras resolveu que voltará a investir no país de Evo Morales. Isso vai estimular o intercâmbio entre os dois países, com um efeito maior a longo prazo. Esse processo de integração é inexorável. As economias tendem a buscar acordos que facilitem a circulação de mercadorias e de capitais. Nesse sentido, a proposta dos Estados Unidos de uma grande zona de livre comércio no Pacífico tem efeitos muito poderosos, inclusive na América do Sul, particularmente no Peru e no Chile, que já estão se integrando a essa iniciativa.

PB – A chamada Aliança do Pacífico [bloco composto por Chile, Colômbia, Peru e México para livre comércio entre os países envolvidos e acordos bilaterais] pode dificultar a consolidação da Unasul e da integração da América do Sul?
Egler – São forças que não contribuem para o envolvimento das nações sul-americanas. Vamos usar a ideia do [economista] Celso Furtado: a América do Sul é um continente ainda em construção. O desafio da integração é grande e envolve capacidade técnica e de inovação.

PB – Quando assumiu a presidência do Paraguai, um dos principais pleitos do ex-presidente Fernando Lugo era a revisão do acordo feito com o Brasil a respeito do preço da energia elétrica gerada pela usina de Itaipu. O presidente da Bolívia, Evo Morales, também renegociou o preço do gás natural exportado para cá. Qual é sua avaliação sobre a relação que o Brasil construiu com seus vizinhos para o abastecimento de energia do país?
Egler – Sou daqueles que creem que [as negociações] são decisões acertadas. Já outros dizem que é frágil a posição do Brasil no que diz respeito à sua política externa. O fato é que muitos desses acordos foram feitos em situações muito desfavoráveis para os países vizinhos, em momentos políticos delicados. Se o Brasil quer assumir o papel de liderança na América do Sul, precisa rever alguns desses acordos. No caso de Itaipu, por exemplo, haverá uma nova discussão porque o Paraguai construiu uma nova linha de alta tensão para abastecer a região próxima a Assunção [capital federal], onde se concentra a maior parte da população do país. Isso vai baratear a oferta de energia dentro do Paraguai e pode fazer até com que empresas brasileiras procurem se instalar lá. A energia elétrica no Brasil tem um custo muito alto. Ela já foi subsidiada para grandes consumidores, mas hoje em dia está cada vez mais cara. E isso não é um atrativo. Tanto é assim que uma das políticas recentes do governo foi tentar reduzir o custo da energia. Mas ainda existe a necessidade de grandes investimentos no setor. Nesse aspecto, poderíamos até explorar recursos que estão nos nossos vizinhos, inclusive poupando alguns dos impactos provocados pela construção de grandes hidrelétricas, sobretudo na Amazônia.

PB – Por que a energia elétrica no Brasil é tão cara?
Egler – Uma das principais explicações é que o país não tem uma estrutura de financiamento montada para bancar novos investimentos. Energia tem um custo financeiro alto porque requer investimentos pesados que só podem ser amortizados a longo prazo. No Brasil, existe uma diferença fundamental entre o preço da energia de instalações mais antigas, que são mais baratas porque já estão amortizadas, e das novas, que estão sendo construídas agora, cujo prazo de amortização é grande. É necessário que, na área financeira, se desenvolvam mecanismos que facilitem investimentos de longo prazo. Além disso, há longas distâncias a serem percorridas entre as áreas geradoras e os centros consumidores. O Brasil é um país continental e isso implica custos adicionais. Sem falar no desperdício, nas perdas ao longo da transmissão. Agora é que estamos começando a trabalhar com malhas inteligentes, que não são operadas da maneira tradicional. A possibilidade de construir sistemas inteligentes de distribuição de energia pode melhorar bastante esse quadro.

PB – A América do Sul possui vastas reservas de petróleo, localizadas sobretudo na Venezuela, no Brasil, na Colômbia e no Equador. Estima-se que o volume descoberto para exploração tenha quadruplicado nas últimas quatro décadas. Já a Argentina tem grandes reservas do gás de xisto, nova febre mundial. Como a América do Sul pode aproveitar esse potencial?
Egler – Os exemplos mencionados: Colômbia e Equador ainda operam da maneira tradicional, explorando as chamadas fontes convencionais de petróleo. A Venezuela afirma ter reservas maiores do que a Arábia Saudita, o Brasil está apostando pesado no pré-sal, e a Argentina tem o gás de xisto em Vaca Muerta, na Patagônia – têm um desafio em comum pela frente. Trata-se de fontes não convencionais e isso requer uma tecnologia avançada, com riscos ambientais desconhecidos. Aqui no Brasil ainda não sabemos ao certo como será explorar petróleo a 300 quilômetros da costa, com poços a sete mil metros de profundidade, e, ainda por cima, tendo de encarar as dificuldades relativas à perfuração da camada de sal espessa.

PB – No caso do gás de xisto, os questionamentos ambientais são ainda mais preocupantes.
Egler – Pelo que se sabe até o momento, no caso de Vaca Muerta, não será necessário fazer o que se faz nos Estados Unidos, que é perfurar [a rocha] na vertical e depois, horizontalmente, injetar água com produtos químicos para fraturar a rocha e retirar o gás. Isso faz com que o metano corra por vários lugares, e ele pode inclusive entrar em lençóis freáticos. Os problemas do gás de xisto são muito controversos. Alguns países proibiram, outros estão apostando pesado. Pelo que se conhece hoje, as maiores reservas de gás de xisto estão nos Estados Unidos, na China e na Argentina. Estados Unidos e China vão investir maciçamente. Na Argentina, quem vai explorar o gás é a americana Chevron, que detém a tecnologia. Para os argentinos, isso pode ter um custo alto, mas eles precisam do gás. A maior parte da matriz energética argentina, mais de 50%, é baseada no gás (eles utilizam esse combustível há muito mais tempo do que o Brasil). O primeiro gasoduto dos nossos vizinhos data dos anos 1940 e há muitos deles cortando toda a Argentina, da Patagônia ao norte do país. A saída do gás de xisto é custosa, é arriscada, mas é uma decisão política.

PB – E qual é o desafio da Venezuela no campo do petróleo?
Egler – O que faz da Venezuela a detentora das maiores reservas mundiais é o petróleo ultrapesado da bacia do rio Orinoco. Mas ele é parafínico, ou seja, a dificuldade para extraí-lo é imensa: é como uma artéria com colesterol. Depois, vem o problema do refino. O petróleo pesado não dá todas as frações [subprodutos] rendidas pelo petróleo leve. É necessário desenvolver tecnologia para isso. E o custo para explorar esse petróleo não é trivial.

PB – O senhor afirma em seus artigos que os países da América do Sul, depois de fazerem um “ajuste passivo à globalização” a partir da década de 1980, através da privatização das empresas de energia, mudaram completamente a orientação com o advento do século 21. Agora, os governos nacionais parecem querer usar os recursos obtidos principalmente com o petróleo para saldar o grave passivo social do subcontinente. Como se deu essa mudança de paradigma?
Egler – Houve uma mudança na orientação política desses países. E isso afetou principalmente o setor energético. A rea­lidade é que os lucros com os minerais sempre tiveram um peso muito grande na América do Sul. Porém, independente das orientações dos governos militares no Chile, ninguém privatizou o cobre porque boa parte das rendas do país e inclusive boa parte do financiamento das mudanças na agricultura chilena se fizeram às custas deste metal.

PB – O cobre no Chile ainda é controlado pelo Estado?
Egler – Sim e tem supervisão das forças armadas. Ele é estratégico. Quer ver outro assunto que vai entrar em discussão num futuro próximo? O lítio. A Bolívia tem as maiores reservas de lítio do mundo, que é matéria-prima para bateria de celulares e de outros aparelhos eletrônicos. O resto está no norte da Argentina, onde há reservas grandes também. Isso vai ser objeto de muita discussão, de como essas rendas serão apropriadas.

PB – Críticos afirmam que o Mercosul naufragou, que os países do bloco têm preferido negociar acordos comerciais com nações de outros continentes. Essa análise procede?
Egler – Os países da América do Sul estão cada vez mais dependentes das vendas ao mercado externo. Cada um está procurando uma maneira diferente de encontrar divisas. A busca por moeda forte faz com que as trocas internas no continente não tenham muito sentido. Os países do continente sul-americano se transformaram em grandes vendedores de commodities para a China. O Brasil exporta minério de ferro, carnes e outros produtos para lá e tenta fazer os vizinhos latinos comprarem seus manufaturados. Onde isso está funcionando? No setor automotivo, por exemplo, mediante os acordos firmados entre Brasil e Argentina. Nós compramos carros montados lá com peças feitas por indústrias brasileiras e vice-versa. Esse arranjo pode até vir a funcionar por um tempo. Mas isso é novo, está sendo construído agora. Antes não era assim. E há outros problemas para resolver. Um que está na mesa agora é o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, emperrado por causa da crise na Europa. E também por conta de um protecionismo muito forte deles, principalmente para produtos agrícolas.

PB – Qual é a saída para a América do Sul?
Egler – Em primeiro lugar, é possível pensar em um mercado doméstico de manufaturados de abrangência sul-americana. O Mercosul talvez seja o principal instrumento para isso, porque já tem uma estrutura montada. Por outro lado, a integração produtiva ainda é muito incipiente e teria que ser estimulada por novos mecanismos financeiros. Por enquanto, os financiamentos do BNDES ainda são muito tímidos. Nos últimos anos, a economia brasileira se manteve com quase pleno emprego graças ao estímulo ao consumo interno. Se houver condições de ampliar esse consumo para uma escala um pouco mais ampla, em termos sul-americanos, vamos acabar fortalecendo a economia e gerando empregos.
Revista Problemas Brasileiros

terça-feira, 22 de abril de 2014

Notícias Geografia Hoje


“Mudança climática não é ficção científica”


“As mudanças climáticas aumentarão a frequência e a intensidade do de dias quentes e secos, aumentando o risco de incêndios, prejudicando a qualidade do ar especialmente nas grandes cidades”, diz o coordenador Geral do Observatório do Clima, André Ferretti

Por Juliana Guarexick, da Envolverde
 

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou anteontem (31) o segundo volume do 5º relatório, que avalia a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais diante da mudança climática, assim como as possibilidades de adaptação à elas.

O documento “Mudanças Climáticas 2014: Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, elaborado por 309 autores, 436 colaboradores e 66 revisores técnicos de 70 países é mais um alerta pra que a humanidade reaja. A natureza dá evidências claras de que as mudanças climáticas podem causar impactos graves e irreversíveis.

Desmatamento, aumento das temperaturas, segurança alimentar e hídrica e saúde humana são alguns dos pontos abordados pelo relatório. Em entrevista exclusiva à Envolverde, o coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário e o coordenador Geral do Observatório do Clima, André Ferretti, faz uma análise sobre o documento e aponta caminhos que podem ser tomados para evitar as consequências negativas das mudanças climáticas. Confira:

Envolverde: Entre as principais vertentes levantadas pelo relatório qual você destacaria?

André Ferretti: A adaptação com base em ecossistemas é um tema muito relevante para países como o Brasil, que tem extensas áreas naturais e são muito dependentes dos recursos naturais e do bom funcionamento dos ecossistemas naturais para as atividades agropecuárias e de subsistência, bem como para a produção de energia.

Precisamos conservar, por exemplo, os mananciais que abastecem as populações urbanas, a indústria e também as atividades agropecuárias – responsáveis por 70% da demanda de água e que geram boa parte do PIB.

É preciso ainda manter e ampliar as áreas verdes nas zonas urbanas:
Para melhorar o microclima, reduzindo assim o calor e o número de grandes tempestades;
Ajudar na infiltração de água – nas grandes tempestades temos problemas sérios com inundações;
Absorver o carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis;
Melhorar a qualidade do ar; e tantos outros serviços essenciais.

A manutenção e a restauração de mangues são de essencial importância para a estabilidade dos estuários contra a elevação do nível do mar, onde estão localizados nossos maiores portos, como o de Santos e de Paranaguá, e a maior parte da nossa população, mantendo assim a produtividade marinha, e o meio de vida de inúmeras famílias.

A criação e implementação de Unidades de Conservação também são de grande importância para evitar emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e a manutenção dos serviços ecossistêmicos que aumentarão a resiliência aos impactos das mudanças climáticas, além de serem importantes para disciplinar o uso da terra em determinadas regiões, evitando usos indevidos em áreas de risco e mais sujeitas a desastres naturais.

Foi reduzida a ameaça de ‘savanização’ da Amazônia pelo aumento da temperatura entre 2ºC e 4ºC até 2100. Este dado é positivo no seu ponto de vista?

Muito positivo. A floresta parece hoje ser mais resistente às agressões da humanidade do que imaginávamos antes. Apesar de ter sido identificado um aumento no desmatamento da Amazônia no último ano, a diminuição do risco de savanização deve ser comemorada por todos nós. Porém, o risco ainda existe, e temos que lutar duramente contra a destruição das áreas naturais nesse bioma e nos demais. O desmatamento na Amazônia, inclusive, interfere em um serviço ecossistêmico essencial para a região sul e sudeste da América do Sul: as chuvas, incluindo as áreas de maior produtividade agropecuária do Brasil e do continente (Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia).

O texto afirma que há fortes evidências de uma redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, o que aumentaria disputas pelo uso de bacias hidrográficas. Qual a relação que isto representa com a disputa entre São Paulo e Rio de Janeiro pelo uso da água do Rio Paraíba do Sul para abastecer o Sistema Cantareira? É possível estabelecer comparações?

Isso ilustra muito bem o problema que estamos vivendo agora com a disputa pela água da Bacia do Paraíba do Sul pelos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde estão localizadas nossas maiores metrópoles. Porém, não podemos afirmar que essa estiagem atípica que estamos vivendo agora tenha sido causada pelas mudanças climáticas. O que se pode afirmar é que eventos climáticos extremos como esses serão sim mais intensos e frequentes, o que exige ação imediata visando a proteção e recuperação dos mananciais que abastecem hoje essas regiões metropolitanas, e que vão abastecê-las no futuro. A demanda por água é crescente nessas regiões, tanto para abastecimento público quanto para geração de energia. Boa parte das principais Usinas Hidrelétricas do país está nos estados do Sul e Sudeste. Precisamos de água para gerar energia e abastecer as casas e indústrias. Isso requer investimentos e tem que entrar na conta para poder gerar os recursos necessários para a proteção e recuperação desses mananciais.

Outro destaque é a evidência de que a população pobre, principalmente de países tropicais, como o Brasil, será a mais afetada por situações de seca e inundação, com risco de insegurança alimentar. Quais medidas os governos poderiam tomar para ao menos minimizar estes impactos?

O país precisa urgentemente de um robusto Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas. Com ele identificaremos e mapearemos as maiores vulnerabilidades do país, e definiremos as melhores estratégias para nos adaptarmos ao novo cenário, diminuindo os impactos sociais, econômicos e ambientais. Precisamos retirar a população das áreas de risco, exatamente o oposto do que foi feito com a flexibilização da legislação ambiental e descaracterização do Código Florestal, nesse primeiro mandato da Presidente Dilma. As comunidades mais pobres são as que sofrerão mais com a destruição das áreas naturais e os impactos aos serviços ecossistêmicos. Não apenas suas casas ou plantações, mas o modo de vida dessas pessoas está sendo e será cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas.

Desde 2007 tem um Projeto de Lei no Congresso Nacional sobre a Política Nacional de Serviços Ambientais (PL 792/2007). É um tema essencial para quem vive na e da terra, e garante a conservação desses serviços que são essenciais para toda a sociedade. É preciso mais agilidade, vontade política, e também a coragem de lutar por um patrimônio inestimável dos brasileiros e que está sendo dilapidado para o benefício de poucos e para o prejuízo de toda a população.

O relatório também alerta sobre possíveis danos à produção de alimentos. Como estes dados refletem no caso brasileiro e o que pode ser feito para reduzir as consequências negativas?

Esse é outro ponto intimamente ligado com o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas e com a Política Nacional de Serviços Ambientais que precisamos instituir. O Brasil tem um papel muito relevante na produção global de alimentos, e um potencial enorme para ocupar uma posição ainda mais estratégica. Mas isso precisa ser feito com planejamento e responsabilidade, mantendo e restaurando os serviços ambientais essenciais para a produção agropecuária e para a qualidade de vida de toda a população.

É preciso conhecer as áreas e as culturas agrícolas mais vulneráveis, e investir em pesquisa e adaptação. Isso tem que ser um projeto de país, gerando novos empregos, novos negócios, e oportunidades que serão essenciais para a economia e a sociedade do futuro. Agropecuária e serviços ecossistêmicos andam de mãos dadas e vão beneficiar toda a sociedade com esse casamento.

O aumento das temperaturas piorará a qualidade do ar. Qual é a influência que esta estimativa tem nas cidades, visto que até 2030 dois terços da população global viverá em grandes centros urbanos?

As mudanças climáticas aumentarão a frequência e a intensidade do de dias quentes e secos, aumentando o risco de incêndios, prejudicando a qualidade do ar especialmente nas grandes cidades. Nessas áreas, inclusive, fenômeno da inversão térmica – que dificulta a dispersão de poluentes gerados em grandes centros urbanos no inverno – deverá ser mais recorrente.

Nas grandes cidades, e até nas pequenas e médias, há a formação de ilhas de calor, agravando a sensação e o desconforto devido à elevação da temperatura e à redução da umidade relativa do ar, aumentando a frequência e intensidade de grandes tempestades em áreas urbanas, e agravando as ondas de calor (canículas) com consequências sobre o aumento da mortalidade de idosos e doentes que apresentem redução em sua capacidade de termorregulação corpórea e de percepção da necessidade corpórea de hidratação (idosos e pacientes com doenças mentais ou de mobilidade). Mais informações aqui.

Qual é a sua visão geral sobre o relatório? O que a humanidade aprende com esta avaliação?

A grande importância desse relatório é mostrar os impactos que já estamos sofrendo. O problema não é ficção científica. Precisamos conhecer muito bem os nossos pontos fracos (vulnerabilidades), para estabelecer e implementar rapidamente as estratégias mais adequadas para reduzir os custos sociais, econômicos e ambientais.

O relatório “Mudanças Climáticas 2014: Impactos, adaptação e vulnerabilidade”, divulgado ontem, 31, fala sobre os impactos que já estão sendo sentidos, e as previsões do que virá até o final desse século (2100). Como nos quatro anteriores, lançados nas últimas duas décadas, este documento aponta que as populações mais podres são as mais vulneráveis às mudanças climáticas, principalmente as que habitam e dependem dos recursos das áreas costeiras – que sofrerão com o aumento do nível dos oceanos – ou as que vivem e dependem de atividades agropecuárias e extrativistas nas regiões semiáridas – que sofrerão com altas temperaturas e secas, ou ainda as que vivem em regiões vulneráveis a enchentes e deslizamentos devido a maior intensidade e concentração das chuvas. Esses impactos também prejudicam diretamente os ecossistemas, as plantas e os animais, afetados pela mudança do clima e também pela ação humana decorrente dessas mudanças de clima (migrações humanas para áreas menos impactadas gerando desmatamentos, poluição, caça etc.).

Esses e outros problemas têm sido vistos no Brasil e no mundo com cada vez mais frequência e intensidade. Agora mesmo tivemos um verão atípico no sul e sudeste, com pouquíssima chuva no período do ano que mais chove na região, e excesso de chuva em parte da região norte. Nos últimos anos o Brasil sofreu com enchentes e deslizamentos em regiões serranas do sul e sudeste, e até mesmo no nordeste que geralmente sofre com falta de água, e secas em regiões que tradicionalmente não vivem esse problema, como na Amazônia e no sul.

Algo a acrescentar?

As mudanças climáticas são um dos maiores problemas da humanidade. Ela afeta a todos, em qualquer lugar do planeta, independe do quanto cada cidadão, comunidade ou nação, contribui para o problema. A solução precisa ser conjunta, e pode gerar novas oportunidades, tecnologias, empregos, e negócios. Precisamos agir o quanto antes fizermos isso menor será o custo, e maior será o potencial de benefícios advindos de uma sociedade descarbonizada e mais sustentável.

O primeiro volume, que avalia os aspectos científicos do sistema climático e de mudança do clima, foi lançado em setembro de 2013. Já o terceiro e último volume, que avalia as opções que permitiriam limitar as emissões de GEE, será lançado ainda em 2014. (Envolverde)

* André Ferretti é coordenador Geral do Observatório do Clima, rede brasileira de articulação sobre as mudanças climáticas, e coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário.
Revista FÓRUM

Notícias Geografia Hoje


Uma em cada oito mortes no mundo é causada por poluição


Órgão de saúde da ONU diz que a poluição aérea é “o maior risco ambiental à saúde”

Por Ítalo Piva

Um relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde na terça-feira revela que a poluição do ar causou 7 milhões de mortes em 2012, uma em cada oito no planeta. Os dados demonstram um aumento de 100% neste tipo de morte desde a última pesquisa em 2008, com 90% delas ocorrendo em países em desenvolvimento, sendo as regiões do Pacífico do Oeste (que inclui o leste da Ásia e as ilhas Pacíficas) e Sudeste Asiático sendo as mais afetadas.

O órgão de saúde da ONU afirma no relatório que a poluição aérea agora é “o maior risco ambiental à saúde”, causando mortes por doenças cardiovasculares (60% dos casos), câncer do pulmão e obstruções respiratórias crônicas. A diretora do departamento de saúde pública da OMS, Maria Neira, disse na rede norte-americana CNN que “poucos fatores têm um maior impacto na saúde global do que a poluição do ar: as evidências indicam a necessidade de um esforço conjunto para limpar o ar que todos respiramos”.

Em outubro do ano passado, a organização classificou a poluição aérea oficialmente como um fator cancerígeno, colocando-a lado a lado com asbestos, tabaco, e raios ultravioleta como uma das principais causas de câncer.

Em grande parte, essa poluição é criada por emissões industriais e de motores a diesel e gasolina, porém, muito dela vem da queima de carvão e madeira para cozinhas domésticas. A OMS estima que cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo ainda usam métodos tradicionais como estes para cozinhar. Na Índia, por exemplo, calcula-se que 63% da população cozinha desta maneira.

O chefe do Grupo de Pesquisas Ambientais do King´s College de Londres, Frank Kelly, afirmou no jornal The Washington Post que é tarefa dos governos diminuir os níveis de poluição por meio de legislações, pela remoção de usinas elétricas e fábricas das grandes cidades, e providenciando alternativas baratas para fogões de carvão e madeira. As pessoas também podem diminuir os riscos a si próprias evitando dirigir na hora do rush e trafegando por ruas menos movimentadas, segundo Kelly.
Revista FÓRUM

domingo, 20 de abril de 2014

Petróleo - Contaminação cotidiana


Oleoduto em Prudhoe Bay, no Alasca, EUA
Imperceptível aos olhos do mundo, ocorre a sorrateira, no entanto devastadora, poluição causada por petróleo
Provavelmente todos escutaram falar do catastrófico vazamento de petróleo no Golfo do México. Mas o que se esquece facilmente diante de suas gigantescas proporções é que, diariamente, ocorrem contaminações muito menores ao redor do mundo. Por exemplo, no delta do Rio Níger, na África Ocidental, onde, nos últimos 50 anos, cerca de 1,5 milhão de toneladas de petróleo escorreram de dutos esburacados, destruições causadas por sabotagem e descuidos durante roubo, diretamente para a natureza. Foi assim, por exemplo, na Bacia Amazônica, junto ao Equador: ali, o gigante petrolífero Texaco é acusado de, nas últimas três décadas, ter contaminado gigantescas áreas da floresta tropical, donas de bilhões de litros de águas residuais, com 60.000 toneladas de óleo pesado. Ou ainda na Rússia, cuja imensa rede de oleodutos revelou, só em 2005, perto de 22.000 pontos de vazamento!
De acordo com estimativas cautelosas, essas instalações antiquadas e decadentes deixam escapar na tundra e na taiga, anualmente, entre 100.000 e 300.000 toneladas de petróleo bruto. E cientistas do Conselho Nacional de Pesquisas americano afirmam: a cada 12 meses, os oceanos do planeta são poluídos com 1,3 milhão de toneladas de petróleo, das quais 600.000 brotam, espontaneamente, de fontes naturais no leito marinho.
Nos casos do Mar do Norte e do Mar Báltico, o grupo ambientalista Greenpeace estima um acréscimo de poluição da ordem de 20.000 toneladas/ano. Mas o consumidor final também tem sua fatia de culpa: só nos Estados Unidos pingam, anualmente, cerca de 48.000 toneladas de petróleo e derivados; eles escoam por pequenos vazamentos em veículos e tanques de armazenamento.


Revista GEO

Samis - UM POVO APÁTRIDA


Entre dois mundos

Marja-Kari Omma vive na Suécia, uma rica e moderna nação industrializada, e pertence a um arcaico povo nômade: os samis ou lapões. Ela deve viver como seus antepassados ou romper com as tradições? Uma equipe de reportagem a acompanhou durante cinco anos, frequentemente assaltados por dúvidas

Elin Berge (Fotos) e Camilla Andersson (Texto)

UM POVO APÁTRIDA

20.000 Samis Vivem na Suécia; outros 50.000 se espalham pela Noruega, Finlândia e pela Península de Kola, na Rússia. Achados arqueológicos provam que os samis, ou lapões, são descendentes de um povo nômade que chegou há mais de 10.000 anos na atual região de Sápmi, ou Lapônia.

Os habitantes ancestrais do norte da Escandinávia, sábmes, como se autodenominam, ou saamis ou samis, defendem seus direitos desde a década de 1950, expressão de uma nova consciência e autoconfiança. Dizem que até há 100 anos atrás, seu idioma nem possuía um correspondente para o termo "guerra", pois os samis permaneceram durante muito tempo na defensiva. Inclusive quando o seu destino começou a espelhar o dos índios da América do Norte. Nesse meio tempo, já foi instaurado um Parlamento sami, o sametinget, em Kiruna. Nas escolas, leciona-se no idioma sami e esta minoria étnica dispõe de jornais e canais de televisão, além de uma bandeira e hino próprios. Mas para o cotidiano desse povo, essas pequenas conquistas ainda são bastante insignificantes.

Como sempre, nos territórios atravessados por suas renas eles são apenas tolerados. E não raro acabam simplesmente desalojados. Os samis estão envolvidos em uma luta pelos seus direitos, mas até hoje não conseguiram fazer valer sua voz ativa. A Administração Federal se recusa, terminantemente, a ratificar a convenção que garantiria o direito de autodeterminação a esta população ancestral.
Inconformada com a situação, Marja-Kari Omma observa: "Tudo o que o governo nacional teria de dizer aos seus cidadãos é: vocês sabem que aqui também vivem samis. E isso é algo que vocês simplesmente precisam aceitar".


Reportagem completa aqui
Revista GEO - Edição 20 - 2010

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Notícias Geografia Hoje


Seca histórica agrava disputa por água no oeste dos EUA
Após três anos de poucas chuvas, os Estados vão a Justiça para garantir o controle sobre os recursos hídricos do país




A seca de proporções históricas que vem castigando o oeste americano há três anos tem exacerbado um problema comum na região: os conflitos pelo controle da água.
AP
O controle sobre as águas do Rio Grande estão sendo disputadas entre Texas, Novo México e Colorado


Nos últimos meses, uma série de batalhas jurídicas vem chamando a atenção para a intensidade do problema. O Texas está processando o Novo México e o Colorado pelo uso das águas do Rio Grande, que passa pelos três Estados, em um caso que chegou à Suprema Corte (maior instância da Justiça dos EUA).

Em disputa semelhante, o Kansas acusa o Colorado e o Nebraska de desviar indevidamente as águas do Republican River. Nos Estados, dentro e fora dos tribunais, a briga pela água vem colocando município contra município, fazendeiros contra moradores urbanos, cidades contra ambientalistas.

"Sempre houve escassez de água no oeste americano, e sempre houve disputas. O que se vê agora, com esta seca, é o aumento da intensidade dessas disputas", disse à BBC Brasil o advogado Stuart Somach, especialista em recursos naturais e direitos de uso da água.

Somach cita como exemplo a ação movida pelo Texas contra os Estados vizinhos.

"Essa disputa vinha se arrastando há pelo menos 10 anos, mas foi a seca que motivou a ação judicial", afirma Somach, que representa o Estado do Texas no processo.

Califórnia

Na Califórnia, Estado mais castigado pela seca, o governador Jerry Brown pediu que os habitantes reduzam o uso da água em 20%, e alguma cidades já adotam o racionamento. Muitos moradores afirmam terem deixado de lavar os carros, molhar os jardins e até mesmo reduzido o número de banhos.

A crise vem gerando disputas curiosas no Estado. Produtores de maconha medicinal são acusados de colocar em risco a população de determinadas espécies de peixe, que habitam rios dos quais é retirado o grande volume de água usado nessas plantações.

No Vale Central, onde estão algumas das principais áreas agrícolas da Califórnia, fazendeiros que tentam cavar novos poços enfrentam a oposição de pescadores e ambientalistas, temerosos de que a ação reduza ainda mais os níveis das águas.

Proibidos de usar águas de rios e riachos em determinadas regiões, agricultores que não têm dinheiro para pagar pela irrigação de suas lavouras estão reduzindo a área plantada, e criadores de gado vêm se desfazendo de parte dos rebanhos, já que não têm como cultivar o pasto necessário para alimentar os animais.

Calcula-se que as dificuldades causadas pela seca no setor agropecuário irão resultar em um rombo de bilhões de dólares na economia da Califórnia, alta de preços para os consumidores e aumento na taxa de desemprego.

Incerteza

Os problemas se repetem em todo o oeste americano. No Texas, o Estado está impedindo que produtores de arroz usem determinadas reservas de água para irrigar as lavouras, com medo de que isso coloque em risco o abastecimento de cidades grandes, como Austin.

Ambientalistas e ativistas de Nevada e Utah tentam impedir na Justiça o envio para Las Vegas de água de um aquífero na divisa entre os dois Estados.

"A seca tem agravado todos esses conflitos antigos entre usuários de água", disse Heather Cooley, diretora do programa de agua do Pacific Institute, um dos principais institutos de pesquisa sobre o tema do mundo, com sede na Califórnia.

"E é bom lembrar que ainda estamos em março (início da primavera no Hemisfério Norte). A intensidade e a magnitude da seca continuam incertas, ainda não sabemos quanto tempo vai durar ou quanta água estará disponível neste ano", afirma.

Cooley observa que a região ainda está no que seria sua estação chuvosa. "Tivemos um pouco de chuva em fevereiro, mas os níveis continuam muito ruins, entre os piores da história da Califórnia", diz.

Leis

Alguns criticam as leis que regulam os direitos sobre água na região, datadas do século 19, durante a corrida do ouro na Califórnia.

Com variações dependendo de Estado para Estado, os direitos sobre as águas costumam ser concedidos a quem primeiro os reivindicou. É possível vender esses direitos, o que sustenta um mercado de água muito dinâmico em Estados como Califórnia ou Colorado.

Somach costuma rebater as críticas sobre a legislação. "Por ser um sistema nascido da seca e da escassez de água, ele é muito eficaz nessas situações", afirma.

"Na minha opinião, mudanças nessas regras desestabilizariam todo o sistema de direitos sobre a água, o que teria impacto negativo na economia e na base social desses Estados", diz o advogado.

Sem previsão de chuvas fortes o suficiente para acabar com a seca, a expectativa é de que os conflitos se tornem ainda mais frequentes nos próximos meses.

"À medida que o verão se aproxima e as pessoas que não conseguem água sofrem prejuízos econômicos, vamos ver um maior número de ações judiciais", prevê Somach.

"Já que não é possível fabricar água, serão ações por danos. Os prejudicados vão tentar substituir com dólares a água que não têm."
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Dados de sonda da Nasa indicam possível oceano na superfície gelada de Enceladus, com condições para o surgimento de vida



Cientistas acreditam haver fortes indícios de que haja um "oceano" de água sob a superfície de uma das luas de Saturno, Enceladus.

Impressionante: Sonda capta imagens de furacão em Saturno Reprodução
Descoberta reforçaria tesde de que lua poderia conter fatores para surgimento de vida

Este pequeno mundo vinha intrigando astrônomos desde que jatos de um material gelado foram vistos esguichando no espaço a partir de uma região no polo sul de Enceladus. Agora, medições sofisticadas usando a sonda Cassini, da Nasa, em seu voo sobre a lua permitiram que pesquisadores detectassem o sinal gravitacional de água.

"As medidas que fizemos são consistentes com a existência de uma larga reserva de água mais ou menos do tamanho (em termos de volume) ao lago Superior (situado entre os Estados Unidos e o Canadá e considerado o maior lago de água fresca do mundo em volume)", afirma o professor Luciano Iess, que comanda a equipe de pesquisadores da Universidade Sapienza, de Roma.

As descobertas do cientista e de sua equipe deverão reforçar a visão de que a lua de 500 quilômetros de diâmetro seria um dos melhores lugares além da Terra para buscar a existência de vida microbial. Os dados coletados pela Cassini sugerem que o volume de líquido encontrado estaria situado 40 quilômetros debaixo da superfície da camada de gelo de Enceladus.

Oceano sub-glacial

A crença de que a lua de Saturno contaria com um oceano subglacial vem crescendo desde que a Cassini detectou a existência de uma atmosfera difusa na lua, em 2005.

Observações subsequentes associaram a fonte dessa atmosfera a jatos de vapor de água ricos em minerais sendo emanados da superfície da lua, apelidada de "listras de tigre", devido à sua aparência listrada, semelhante à de um grande felino.

A órbita de Enceladus em volta de Saturno é excêntrica, não circular. A gravidade do gigantesco planeta deveria, portanto, espremer e esticar a pequena lua, quando ela realiza essa trajetória, aquecendo pedaços de suas camadas de gelo e derretendo-os.

O professor Iess e seus colegas identificaram variações no campo gravitacional da lua. No polo sul do satélite, eles encontraram uma variação bem grande na distribuição de massa da lua, o que, segundo eles, poderia ser explicado pela presença de um elevado volume de água.

"O que vemos é consistente com a existência de um bolsão de água de 8 a 10 quilômetros de profundidade e esse bolsão pode se estender para latitudes de cerca de 50 graus ao sul do polo", explica Iess.

Geração de vida

Existem fortes indícios para se suspeitar da existência de oceanos subglaciais em uma série de luas no nosso sistema solar.

O maior satélite de Saturno, Titã, provavelmente conta com um desses. Assim como algumas das luas de Júpiter, como Europa, Ganimedes e Calisto. E talvez até mesmo a mais distante lua de Triton, que orbita em torno de Netuno.

De todas estas, Enceladus e Europa são as que despertam mais interesse porque é mais provável que sua água esteja em contato com rocha. Isso poderia resultar em reações químicas capazes de dar início à vida.

De acordo com o professor Andrew Coates, do Laboratório de Ciências Espaciais UCL-Mullard, da Grã-Bretanha, "Enceladus ocupa o topo da lista em termos de locais que poderiam abrigar vida".

"Ela conta com várias coisas que você precisa para ter vida. Existe certamente a presença de calor, há água líquida nesse oceano, há elementos orgânicos e reações químicas ocorrendo. A única questão é se houve tempo suficiente para a vida se desenvolver.
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domingo, 13 de abril de 2014

Notícias Geografia Hoje

Baixo crescimento, um 'novo normal' para a América Latina?

Pablo Uchoa
Da BBC Brasil em Washington



A desaceleração chinesa diminuiu o crescimento latino-americano

Sem as receitas abundantes das exportações de commodities, e com seu principal mercado para esses produtos – a China – desacelerando, a América Latina tem neste ano um crescimento projetado de 2,3% por cento.

A previsão magra, divulgada pelo Banco Mundial durante a sua reunião anual de primavera em Washington, contrasta com as taxas de crescimento entre 5% e 6% registradas nos anos anteriores à crise econômica.

No ano passado, a expansão latino-americana foi de apenas 2,4%.

Passados "os anos do grande boom das commodities" – palavras do economista-chefe do Banco Mundial para a região, Augusto de la Torre – "parece que a América Latina está estancando".

"Será essa desaceleração apenas a parte mais baixa do ciclo econômico, ou entramos, como dizem os analistas de Wall Street, em um novo parâmetro de normalidade, um novo normal?", questiona De la Torre.

Em outras palavras, terá a região entrado em um estado de equilíbrio em que o equilíbrio significa baixo crescimento econômico?

"O fato de já estarmos há dois anos estancados com uma taxa de crescimento inferior ao 2,5% sugere que a região tem dificuldade de gerar crescimento endógeno; que nosso crescimento só se produz quando há ventos favoráveis soprando do exterior", expõe o economista.

"O problema da América Latina é como encontrar o caminho endógeno (interno) sem depender de fatores favoráveis externos."
Desafios e respostas

As previsões de crescimento para o continente em 2014 variam entre retração de 1% na Venezuela e expansão de quase 7% para o Panamá, nos cálculos do Banco Mundial.

Entretanto, mesmo os países mais dinâmicos da região estão sendo afetados por fatores que fogem ao seu controle – situação diferente, por exemplo, de países do Sudeste Asiático que foram afetados pelos mesmos fatores, mas retomaram seu crescimento neste ano.

No relatório do Banco Mundial apresentado na quarta-feira, o Brasil recebe uma projeção de crescimento (2%) menor que a média regional e que das principais economias da região, como México (3%), Chile (3,5%), Colômbia (3,5%) e Peru (5,5%).

Três fatores explicam essas projeções: o esfriamento da economia chinesa, de 11% em anos anteriores para em torno de 7,5% neste ano; as receitas menores geradas com a venda de commodities a preços mais baixos; e, cada vez mais, o início da normalização financeira no mundo industrializado, que deve implicar em uma reorganização na distribuição de capitais entre nações ricas e emergentes.

Estes fatores também explicam por que a América Latina teve superavit em conta corrente entre 2003 e 2007 (acima de 1,5% do PIB regional em 2006) e desde então passou a registrar deficit (que aumentaram até se aproximar de 2% da economia regional em 2012).

Porém, o Banco Mundial aponta uma grande diferença na maneira como hoje a região financia os seus desequilíbrios externos.

Os fluxos de investimentos externos diretos, menos voláteis e com interesses de mais longo prazo, e as remessas de latino-americanos no exterior são hoje mais importantes que as carteiras financeiras e de crédito bancário, apontou o relatório.

Enquanto os capitais voláteis subiram e desceram ao sabor dos ciclos econômicos, a entrada de IEDs (investimento externos diretos) acumulou quase 2% do PIB latino-americano na última década, enquanto as remessas equivaleram a 1,4% do PIB.

O Brasil deve crescer 2%, menos que a média regional; Peru tem melhor resultado, 5,5%

"Esse movimento faz parte de uma reestruturação mais profunda, na qual a região se desendividou e se converteu em credor líquido do resto do mundo", acrescentou De la Torre.

"Em parte devido a isso, acreditamos que a turbulência financeira internacional não vá causar os tipos de crises domésticas vistos no passado."
Questão de progresso social

Para o economista do Banco Mundial, a questão do crescimento é mais de progresso social.

Sem o crescimento, questiona De la Torre, "você pode gerar empregos o suficiente? Pode gerar o mesmo progresso social? Pode continuar a mover a sua população para a classe média? Pode elevar os padrões de vida da população?"

O economista crê que o continente já está vivendo uma "pressão saudável" para prover serviços básicos de qualidade a uma população que entrou aos milhões na classe média. O temor é que, sem crescimento, estas conquistas sejam não perdidas, mas esbarrem em um "freiaço".

E que, diante das dificuldades, os políticos latino-americanos apelem para soluções populistas e insustentáveis que, no fim das contas, apenas aumentariam as vulnerabilidades dos países diante do cenário externo.

Que a América Latina esteja ou não entrando em uma fase "normal" de baixo crescimento, De la Torre acredita que políticas públicas para corrigir desequilíbrios macroeconômicos podem mudar essa realidade.

O exemplo mais citado é o México, que aprovou uma série de reformas econômicas que, segundo os analistas, devem elevar o crescimento mexicano de pouco mais de 1% no ano passado para 3% este ano. Estas medidas ainda precisam ser regulamentadas e implementadas, e portanto são de "gestação lenta", diz De la Torre.

O economista observou que a Argentina é um país com um capital humano desenvolvido e recursos naturais abundantes. Já os países do Pacífico latino-americano se juntam em uma aliança comercial que não apenas os integrará melhor à economia mundial, como também proporcionará maior integração intrarregional.

Para o Brasil, "as perspectivas de longo prazo são muito favoráveis", diz De la Torre. "É um país com enorme riqueza, uma economia maior da região, mercados internos amplíssimos, oportunidades de investimentos imensas. Com algum consenso sobre reformas estruturais, eu sou muito otimista com o crescimento de longo prazo do Brasil."

A agenda de reformas é conhecida dos brasileiros: melhorar a infraestrutura e a qualidade do ensino. No campo macroeconômico, "a principal reforma do Brasil é recompor a mescla entre política fiscal e monetária". Isto ajudaria o país a enfrentar o seu "desafio de curto prazo", segundo De la Torre: o baixo crescimento combinado com inflação.

"O Brasil precisa de uma política fiscal mais ajustada. Isso requer uma visita cuidadosa a todo o processo de finanças públicas, dos gastos e receitas. Uma racionalização dos gastos e receitas", diz.

À medida que a posição fiscal pare de alimentar a inflação, cria-se um ambiente mais favorável a uma política monetária "mais relaxada" para permitir o crescimento, argumenta De la Torre.

"Mudar a mescla de políticas fiscal e monetária é um processo político difícil, mas do ponto de vista puramente técnico seria conveniente ao Brasil rebalancear as políticas na direção de uma política fiscal mais ajustada que permita uma política monetária mais frouxa", avalia.
BBC Brasil

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Ucrânia prepara retaliação militar a ataques de grupos pró-Rússia no leste do país

Exército será usado para conter ataques a edifícios do governo ucraniano no leste do país

O presidente ucraniano interinom Oleksandr Turchynov, anunciou uma grande "operação militar anti-terror" será lançada depois que edifícios do governo foram tomados por grupos pró-Rússia em diversas cidades no leste do país nos últimos dias.

Em um discurso em cadeia nacional, Turchynov disse que não permitirá que a Rússia repita a situação da Crimeia, república autônoma que foi anexada pela Federação Russa no mês passado, se repita.

"O agressor continua a incitar a desordem no leste do país", disse Turchynov.

Ele ainda afirmou que não punirá os membros de grupos pró-Rússia que entregarem suas armas até a manhã de segunda-feira.

Hoje mais cedo, o secretáro-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, já havia expressado preocupação com a crise nesta região da Ucrânia e traçou paralelos entre os novos ataques e o ocorrido na Crimeia.

Ele disse que "o ressurgimento de homens com armas russas e um uniforme idêntico sem insígnias,que foram usados por tropas russas durante a tomada ilegal da península, é algo grave".
Envolvimento russo

Ataques são muito similares ao que ocorreu na península da Crimeia

Uma fonte da BBC na Otan afirmou que o órgão acredita que forças russas estiveram envolvidas nas invasões de edifícios do governo.

"O aviso de Rasmussen é claro e direto ao ponto", diz Johnathan Marcus, correspondente diplomático da BBC.

"O medo é que o governo russo esteja usando a falta de clareza nestes atos para ganhar tempo. Ao mesmo tempo, ameaça que qualquer resposta da Ucrânia só tornará a situação pior."
Coordenado e profissional

A embaixadora americana na ONU, Sarah Power, também disse acreditar no "envolvimento de Moscou" nestes recentes ataques.

"É algo coordenado e profissional. Não há nada de amador nisso", disse Power em entrevista à ABC News.

O Kremlin negou sua participação.

O leste da Ucrânia tem uma grande população de origem russa e vive uma série de protestos desde que o então presidente Viktor Yanukovych foi deposto, em fevereiro.
BBC Brasil

Notícias Geografia Hoje


IPCC cobra mais rapidez na adoção de combustíveis limpos
Painel de cientistas e delegados governamentais adverte que um 'nível sem precedentes de cooperação internacional' será necessário para conter efeitos das mudanças climáticas

Andrei Netto - Enviado Especial/O Estado de S. Paulo

BERLIM - Cientistas e representantes políticos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas exortaram líderes mundiais a acelerarem a adoção de combustíveis limpos, sob pena de ser impossível limitar os efeitos nocivos do aquecimento global. A mensagem foi transmitida no relatório divulgado ontem, em Berlim, que adverte: nunca se emitiu tanto dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa na atmosfera como no Século 21.


O documento foi aprovado após seis dias de intensos debates sobre as formas de mitigar, ou seja, de reduzir o impacto das mudanças climáticas. Segundo o texto, produzido a partir da síntese elaborada por 235 autores de 58 países, o nível de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera continuou a crescer entre 1970 e 2010, a despeito de todos os alertas feitos pela comunidade científica. E o problema se acelera: entre 1970 e 2000, o crescimento médio das emissões foi de 1,3% por ano, enquanto entre 2000 e 2010 saltou para 2,2% por ano.

O IPCC afirma que "cerca da metade das emissões antropogênicas (feitas pela ação humana) de CO2 entre 1750 e 2010 aconteceram nos últimos 40 anos". "Precisamos de um nível de cooperação internacional sem precedentes", advertiu Rajendra Pachauri, coordenador do IPCC. "Um trem de alta velocidade de mitigação teria de deixar a estação muito em breve e todo o mundo teria de estar a bordo", ilustrou o indiano.

Vilões. Os vilões do aquecimento global, ainda segundo o texto, são os sistemas de produção de energia, com 47% das emissões, a indústria, com 30%, o transporte, com 11%, e a construção civil, com 3%. "O crescimento econômico e populacional continuam a ser os mais importantes favores de aumento das emissões de CO2 a partir da queima de combustíveis fósseis", diz o o relatório. Com isso, sem que ações para reduzir as emissões sejam tomadas, a temperatura da Terra em 2010 será entre 3,7ºC e 4,8ºC maior do que em relação aos níveis pré-Revolução Industrial.

Para evitar esse cenário catastrófico, o IPCC traçou projeções para conter as emissões de CO2 de forma a limitar o aumento médio da temperatura a 2ºC até 2100. "Os cenários", dizem os experts, "incluem cortes substanciais de emissões gases de efeito estufa até o meio do século e mudanças de larga escala em sistemas de energia e uso da terra". Para tanto, o IPCC defende a substituição em massa de combustíveis fósseis – como o carvão ou os derivados de petróleo – por energia nuclear, bioenergias, reflorestamento e redução do desmatamento.

Brasil. Nesse ponto o relatório – embora não cite países – é crucial para os interesses brasileiros: "Bioenergias podem desempenhar um papel crítico para a mitigação", diz o texto. O documento não traz uma menção explícita aos biocombustíveis, mas cita a cana-de-açúcar como um das alternativas concretas: "Evidências sugerem que opções com emissões de baixo ciclo de vida (como a cana-de-açúcar, árvores com crescimento rápido e uso sustentável dos resíduos de biomassa, algumas já disponíveis) podem reduzir emissões".

Embora não mencione o etanol, o relatório do IPCC deixa implícito que a tecnologia brasileira faz parte das alternativas elogiadas. "Para o IPCC, esse continua sendo um assunto sensível, porque cada país está interessado em ver suas próprias tecnologias mencionadas no relatório. Mas teremos um anexo muito extenso sobre bioenergias, e você verá que os diferentes combustíveis alternativos estão mencionados lá", disse ao Estado Ottmar Edenhofer, um dos coordenadores responsáveis pelo relatório do IPCC, que ressaltou o papel de fontes energéticas alternativas aos combustíveis fósseis. "Sem negar seus efeitos adversos, bioenergias desempenham um papel muito importante, porque é muito complicado 'descarbonizar' a economia, em especial os transportes."

O relatório enfatiza ainda a necessidade de uso de técnicas polêmicas, como a captura e o sequestro de CO2 (CCS), e a produção de bioenergia associado ao CCS (BECCS), como forma de reduzir a concentração de gases nocivos.

Antes mesmo de ser divulgado, o relatório do IPCC já recebia críticas por não ser preciso sobre o impacto das medidas de mitigação na economia mundial. Questionado sobre o tema, Edenhofer, não evocou números. "É muito complicado explicar custos econômicos da mitigação", afirmou o autor. "Não estamos dizendo que será um almoço grátis, mas políticas de clima poderiam ser um almoço barato".
Jornal O Estado de S. Paulo

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