segunda-feira, 5 de março de 2012

Registros magnéticos do passado

Uma nova técnica de datação arqueológica pode ajudar a desvendar detalhes sobre a vida no Brasil colonial. Medições das variações do campo magnético da Terra permitem determinar a idade de objetos de argila coletados em cidades históricas.
Bruna Ventura


Amostras de tijolos recolhidas no interior de uma casa no Pelourinho, na Bahia. A análise do material usando a datação arqueomagnética permitiu determinar que ela foi construída entre 1670 e 1720 (foto: Gelvam Hartmann).


A datação de artefatos é uma das principais ferramentas dos arqueólogos para entender como eram os costumes de povos antigos. Uma das principais técnicas usadas para isso é medir a concentração de carbono 14 do objeto que se quer datar – a comparação com a quantidade desse isótopo na atmosfera permite determinar com razoável precisão a idade do artefato.

Agora, arqueólogos brasileiros estão começando a usar um outro método, pouco adotado em nosso país até então: a chamada datação arqueomagnética. Essa técnica determina a idade de um objeto a partir das variações do campo magnético da Terra registradas em materiais arqueológicos feitos de argila, como tijolos, telhas e cerâmicas.

A nova técnica vem sendo testada pelo geofísico Gelvam Hartmann, aluno de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), para datar objetos encontrados em cidades históricas do Nordeste e do Sudeste e produzidos desde o descobrimento do país, em 1500. Ao apontar a idade desses artefatos, a técnica ajuda a elucidar detalhes sobre a vida no Brasil colonial.

O registro do campo magnético da Terra fica gravado nos minerais presentes na argila no momento em que ela esfriaHartmann explica que esses materiais foram submetidos a altas temperaturas no momento de sua confecção e, quando esfriaram, conservaram em seus minerais magnéticos os registros do campo magnético da Terra daquela época.

“A informação ficou gravada nos minerais presentes na argila no momento em que ela esfriou”, conta o geofísico. “Podemos ler os registros simulando esse processo em laboratório, com a reprodução da história térmica dos materiais.”

Para entender a técnica, basta imaginar que a Terra se comporta como um ímã gigante, devido à existência de um grande volume de ferro no estado líquido em suas camadas internas, mais precisamente em seu núcleo externo. As posições dos pólos magnéticos do planeta não são constantes e mostram variações observáveis a cada ano, como a inclinação, a declinação e a intensidade do campo magnético.

“Tendo essas variações como parâmetro, comparamos dados geomagnéticos do material arqueológico de idade desconhecida com uma curva de referência do campo geomagnético para uma determinada região da Terra”, explica Hartmann.


Operários recolhem tijolos da fundação da casa em Salvador usada para testes com a datação arqueomagnética (foto: Gelvam Hartmann).Escrito nos tijolos


A datação arqueomagnética já é utilizada na Europa, mas é nova no Brasil. Nos testes conduzidos por Hartmann, ela mostrou ser mais precisa que a datação realizada com isótopos de carbono 14 para materiais do período histórico dos últimos 500 anos.

A datação arqueomagnética é mais precisa que o carbono 14 para determinar a idade de artefatos do Brasil colonial“Uma vez conhecidas as variações para uma determinada região do planeta, elas podem ser utilizadas para fins de datação de materiais arqueológicos de idades desconhecidas nessas regiões”, afirma o geofísico.

A utilização do método permitiu descobrir a idade de uma casa do Pelourinho, na Bahia: “Usamos pequenas amostras de tijolos retirados da fundação da casa.


O forno paleomagnético permite simular com precisão o campo magnético da Terra e a temperatura presentes no momento em que foram confeccionados os objetos de argila que se pretende datar (foto: Gelvam Hartmann).Com um forno paleomagnético, simulamos com precisão o campo magnético e a temperatura presentes no momento em que esses materiais foram confeccionados e descobrimos que a construção da casa aconteceu entre 1670 e 1720”, afirma o geofísico.

Testes também foram conduzidos nas cidades de Anchieta (ES), Rio de Janeiro e Niterói (RJ), Iperó, Piracicaba e Botucatu (SP). O pesquisador pretende ampliar o uso da técnica, aplicando-a a objetos coletados em cidades da região Sul do país.
Bruna Ventura
Revista Ciência Hoje

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