segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A Transamazônica pode salvar Belo Monte

Paulo Afonso da Mata Machado

O projeto da Usina de Belo Monte prevê uma potência instalada de 11.233 MW, mas sua potência média de geração de energia (potência firme) será de apenas 4.418 MW, uma diferença de mais de 6.600 MW (60% da potência de geração máxima prevista). A título de comparação, a Itaipu Binacional tem 69% de eficiência. As seis maiores usinas já instaladas no Brasil têm percentual médio de geração de energia de 70%, sendo a média nacional de 55%. Por outro lado, a área a ser desmatada será de 516 km² (0,046 km2/MW, bem menor que a média nacional por potência instalada, que é de 0,49 km2/MW).

Originalmente, a diferença entre a potência instalada e a potência firme era muito menor, mas previa-se o alagamento de uma área muito maior – 1.225 km², incluindo reservas indígenas –, além de redução significativa da vazão na Volta Grande do Xingu. Com a modificação no projeto, não mais serão alagadas áreas indígenas e foi garantida a vazão mínima de 700 m3/s na Volta Grande do Xingu, o suficiente para manter as atividades de pesca e de navegação nesse trecho do rio.

Um aumento de alguns pontos percentuais na eficiência de Belo Monte poderá aumentar muito a média de geração de energia no país e, evitando o alagamento de novas áreas de floresta, poderá dispensar a construção de outras hidrelétricas na Região Norte, particularmente na bacia do Rio Tapajós, considerada a região atual de maior potencial aurífero do mundoi. Esse aumento poderá ser feito apenas aproveitando o enorme potencial hídrico da região, que detém 70% de toda a água doce do país, incluindo o maior aquífero do mundo – o Alter do Chão.

Existe mais de uma solução para o aumento na eficiência de produção de energia em Belo Monte. Focaremos apenas uma delas: a transformação de um trecho da Transamazônica em hidrovia.

A Transamazônica

A BR-230, conhecida vulgarmente como Transamazônica (ver Fig. 1), jamais foi concluída. Por ter o lençol freático muito próximo à superfície, a estrada permanece alagada no período de chuvas. É por isso que há tantos buracos que tornam o trânsito impraticável durante os meses de chuva mais intensa. Cogita-se de asfaltá-la, sabendo-se de antemão que haverá necessidade de recuperação anual após o período chuvoso, recuperação essa que poderá ser dificultada devido à grande distância da maior parte da estrada em relação aos centros urbanos.

Fig. 1 – Traçado da Transamazônica

Melhor que asfaltar o trecho de 557 km entre Altamira (próximo de onde se localizará o reservatório da Usina Belo Monte) e Jacareacanga, todo ele em planície, será transformá-lo numa hidrovia. Estima-se que o custo total de uma rodovia chega a ser cinquenta vezes o custo de uma hidrovia. Além disso, comparativamente à rodovia, a hidrovia é um modelo menos poluente, além de assegurar o transporte de produtos com mais baixo custo. Em Jacareacanga, a nova hidrovia estará ligada à hidrovia Tapajós-Teles Pires (ver Fig. 2), permitindo o transporte de embarcações entre Santarém e Altamira.

Fig. 2 – Hidrovia Tapajós-Teles Pires e BR-230 (Transamazônica)

Para isso, a Transamazônica deverá ter seu leito escavado a uma profundidade mínima de 1,8 m. Muito antes de se completar a escavação do leito da hidrovia, será atingido o lençol freático, que se encarregará de fornecer parte da água à hidrovia. O restante será fornecido de forma controlada pelo Rio Tapajós, de modo que o nível de água da hidrovia seja mantido constante.

Além de propiciar transporte mais barato e mais ágil, essa hidrovia fornecerá a água que Belo Monte vai necessitar para aumentar sua potência firme. A adução de água da hidrovia para o reservatório de Belo Monte será feita sempre que este estiver com volume abaixo de sua capacidade plena.

Quando as chuvas inundarem a hidrovia, o volume excedente será descartado no Rio Xingu, a jusante de sua confluência com o Rio Iriri e a montante do reservatório da usina, aumentando a garantia de funcionamento do reservatório com capacidade plena.

A transformação de um trecho de 557 km de estrada em hidrovia permitirá um tráfico ágil e mais barato durante todo o ano em uma área muito desenvolvida no Estado do Pará, além de aumentar substancialmente a eficiência da Usina Belo Monte, sem novos desmatamentos, tornando desnecessária a construção de hidrelétricas previstas para a região, cujos impactos sociais e ambientais são inevitáveis.

Como se trata de uma proposta nova, alguns questionamentos devem ser considerados.

1) Quem se responsabilizará pela dragagem da hidrovia?

Tal como acontece nas rodovias, o transporte na hidrovia deverá pagar pedágio. A empresa que vencer a concorrência e vier a arrecadar os valores do pedágio ficará responsável pela dragagem da hidrovia, que será feita pelo menos uma vez a cada ano, após o fim das chuvas.

2) Como será feito o cruzamento com os rios da região?

Se o nível de água do rio estiver abaixo do fundo da hidrovia, esta passará sobre o rio por meio de uma ponte como ocorre no Rio Elba, na Alemanha. Na outra hipótese, as águas do rio e da hidrovia se misturarão e continuarão seus trajetos, devendo o projetista ter em mente que a vazão da hidrovia a jusante da confluência não deve ficar diminuída por transferência de vazão para o rio, nem aumentada excessivamente devido à água proveniente do rio.

3) Como será feito o bota-fora para escavação do leito da Transamazônica?

Deverão ser priorizadas as áreas desmatadas às margens da BR-230, com ênfase naquelas que estejam em processo de erosão mais acentuado.

4) Será possível transformar toda a rodovia em hidrovia?

Toda a rodovia, não, visto que parte dela está integrada à rede viária dos estados do Nordeste. No entanto, deve-se ter em mente que a vocação de transporte na Região Norte é, principalmente, por via hídrica e não por rodovia.

* Paulo Afonso da Mata Machado – Analista do Banco Central do Brasil – Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG – Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University
Revista EcoDebate

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