quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sudão do Sul redesenha o mapa da África

Mariana Timóteo da Costa (mariana.timoteo@oglobo.com.br)

Mbikoyesu Moses Poulnino lembra com alegria da infância em Yambio, no Sul do Sudão. Nascido em 1986, primeiro de outros sete irmãos, os pais eram camponeses, "pobres, claro, mas a gente vivia brincando". A segunda guerra civil no país africano já havia começado, mas a violência entre os islâmicos do Norte e os rebeldes do Sul - tribais e cristãos em sua maioria - só eclodiu em Yambio no início dos anos 90, conta Mbikoyesu, por telefone. A família de católicos fugiu em 1993. Primeiro para a República Democrática do Congo, depois para Uganda. Foi em campos de refugiados das Nações Unidas que Mbikoyesu tomou apreço pelos estudos. Em 2005, o Norte e o Sul do Sudão assinam um acordo de paz; três anos depois, Mbikoyesu volta sozinho a Juba, a capital do Sul sudanês. E hoje, 9 de julho de 2011, cursando o primeiro ano de Engenharia na única universidade pública local, Mbikoyesu comemora o nascimento de um novo país, o Sudão do Sul.

- Vou cantar, dançar e pular. Estamos animados com a possibilidade de sermos livres. Temos consciência dos problemas pela frente, mas meu sonho é trabalhar na construção de meu país e ter condições de trazer meus pais e irmãos de volta para cá - conta o estudante.
Dois mil mortos e 270 mil refugiados na fronteira

Salva Kiir - ex-líder do movimento rebelde SPLA (Exército Popular de Libertação do Sudão) - toma posse hoje como presidente do Sudão do Sul, após a separação com o Norte ter sido aprovada num referendo, em janeiro último, por 99,8% da população (a convocação da votação fez parte do acordo de 2005). Kirr e seu Gabinete enfrentam uma série de desafios, como conta, também de Juba, Zechariah Manyok Biar, secretário-executivo do Ministério do Interior de Kiir.

- A principal dificuldade é a relação com Omar al-Bashir - confessa Biar. - Ele vem fazendo muita coisa para impedir o nascimento de nosso país. Os motivos são vários: dinheiro do petróleo, concentração do poder. O ditador não quer ter como vizinho um país democrático como será o nosso - diz o integrante do novo governo, lembrando que Kiir prometeu convocar eleições até 2015.

Bashir é o ditador do Sudão, único líder em exercício no mundo, ao lado do líbio Muamar Kadafi, a ter ordem de prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes de guerra em Darfur, no oeste do país. Desde a aprovação da independência do Sul, o governo de Cartum sob seu comando é acusado pelos sul-sudaneses de perseguir líderes tribais e a população civil na fronteira. A região é volátil - há vários conflitos étnicos e separatistas. Nos anos de guerra civil, os habitantes da região foram vítimas de violência tanto por parte das tropas do Norte quanto do SPLA.

A nova onda de violência, segundo a ONU, já provocou mais de 2 mil mortes e 270 mil deslocados de janeiro para cá. Ontem, o Conselho de Segurança aprovou o envio de sete mil soldados e 900 policiais para "ajudar a manter a paz e a segurança" no Sudão do Sul. Outros 4,2 mil soldados etíopes estão em Abyei - a região considerada a mais problemática de todas, rica em petróleo e "palco de uma grave crise humanitária", segundo Raphael Gorgeu, chefe de missão de Médico Sem Fronteiras. O status de Abyei ainda não foi definido, e MSF alerta que a população carece de comida, medicamentos.

- Tem gente dormindo embaixo de árvores porque sua casa foi invadida e eles ficam com medo de retornar. A maioria dos fugitivos ruma ao Sul - relata.
Pelo acordo de 2005, os habitantes de Abyei deveriam votar se pertenceriam ao Norte ou ao Sul. A violência impediu a realização de um referendo e eles estão numa espécie de limbo. Além disso, há outros conflitos em regiões como Kordofan do Sul e Nuba, que pertencem ao Norte mas querem conseguir alguma autonomia.
- O Bashir teme, com a independência do Sul, a eclosão de outros movimentos separatistas e tenta manter sua influência. A violência é preocupante, e a comunidade internacional tenta evitar uma nova Darfur - explica Phillip Clark, da School of Oriental and African Studies (Soas), de Londres.


Outro temor de Bashir é a economia. Produtor de 500 mil barris de petróleo por dia, o Sudão perde a partir de hoje 75% de sua produção para o Sul, já que a maioria dos poços fica ali. Pelo acordo de paz, os dois dividiriam os lucros da exploração, já que o Norte é o detentor de tecnologia e o Sul, de recursos. O maior cliente é a China. Integrantes do Sul já prometeram rever acordos, inclusive com empresas estrangeiras.

- Não descartamos, se Bashir não se portar bem, pedir ajuda à China. Ou construir oleodutos passando por outros países. Bashir precisa ter a consciência de que precisa mais da gente do que nós dele - opina Zechariah Biar que, assim como o novo presidente Salva Kiir, é cristão e ex-soldado do SPLA.

Tendai Marima, colunista da al-Jazeera e autora de um artigo sobre o assunto que vem circulando com força na internet, acha que outro grande desafio será o novo governo do Sudão do Sul se comportar como força política, e não como um grupo rebelde, afinal, o SPLA esteve, nos últimos anos, "envolvidíssimo com movimentos separatistas e usando violência contra civis também". O consenso da comunidade internacional é que os dois lados precisam se entender. Em jogo, a estabilidade do Norte e Leste da África.
- Outro consenso é que esses conflitos separatistas precisam ser abafados, porque a criação de um terceiro ou um quarto país é completamente inviável - salienta Clark.

Delegações internacionais e ditador comparecem à festa
O estudante Mbikoyesu hoje vai dançar nas ruas de Juba. Kiir estará lá, assim como delegações internacionais e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Bashir também prometeu participar da festa pela criação do mais novo país do mundo. O blogueiro sul-sudanês John Akec acha que os dois lados, por enquanto, optam pelo pragmatismo, já que uma nova guerra não faria bem a ninguém. Mas espera que o Sul consiga ser livre e que "o vírus da liberdade se espalhe para o Norte e Bashir caia". Compara a independência de seu país a um casamento.
- Só que geralmente você se casa e aproveita um pouco a vida a dois antes de ter um filho. No nosso caso, o filho nasceu logo depois do casamento. E está dando um trabalho danado.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/07/08/sudao-do-sul-redesenha-mapa-da-africa-924870615.asp#ixzz1RsuuKw9g

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