segunda-feira, 7 de março de 2011

O mercado mundial de tabaco e sua organização espacial


Rogério Leandro Lima da Silveira
Universidade de Santa Cruz do Sul
rlls@unisc.br

Mizael Dornelles
Universidade de Santa Cruz do Sul
geomiza@yahoo.com.br

A globalização da economia e a crescente articulação entre a produção agrícola e o conjunto das atividades econômicas têm contribuído para que a dinâmica de desenvolvimento da agricultura passasse a ter o seu funcionamento e sua modernização cada vez mais orientados e regulados pelas relações de produção e distribuição globalizadas, em detrimento, especialmente, nos países da periferia, da produção agrícola para a subsistência e melhoria da qualidade de vida da população rural.

De modo geral, a produção agrícola passou crescentemente a atender à demanda dos mercados internos urbano-industriais e, principalmente, às novas oportunidades postas pelo mercado externo, através da exportação de matéria-prima em estado bruto ou apresentando algum tipo de beneficiamento ou transformação industrial.

Simultaneamente, a globalização da economia tem possibilitado novos condicionantes e características ao desenvolvimento do processo de agroindustrialização da produção agrícola. O final da Guerra Fria representou a retomada da expansão da economia de mercado na escala internacional, acompanhada pela constituição formal ou não de novos blocos comerciais de países, o avanço e a modernização espetaculares dos meios de transporte e de novas tecnologias de comunicação, e o redirecionamento de crescentes volumes de novos investimentos diretos externos em busca de ganhos de escala e de reduções de custos em nível global (Jank e Nassar, 2001).

Nesse novo período, também é preciso considerar os reflexos do desenvolvimento e da difusão de importantes inovações, nas áreas da biotecnologia vegetal, microeletrônica e tecnologia da informação, do aumento do grau de concentração de capital nos mercados do setor agropecuário, da ampliação da desregulamentação dos mercados nacionais, da crise fiscal e da desarticulação do aparato de regulação estatal (Mazzali, 2000).

Além disso, as condições de maior rapidez e flexibilidade, através das quais as áreas rurais, distintamente das urbanas, conseguem se desfazer das estruturas materiais e capitais constantes preexistentes no território, garante-lhes a possibilidade de receber com menor resistência e com maior maleabilidade os acréscimos de ciência, de tecnologia e de informação (Santos, 1996 e Silveira, 1999).

Todavia, pensamos como Bonanno (1999, p.32), quando analisa criticamente a transição do Fordismo para o Pós-fordismo, de que a globalização econômica não pode ser compreendida como um sistema totalmente globalizado e homogêneo onde a dimensão territorial, seja irrelevante, mas sim de que se apresenta, sobretudo, como “um sistema de mobilidade global e de ações globais que opera em reação às condições que se manifestam nos territórios locais e regionais”. Nessa perspectiva Bonanno assinala que a configuração de circuitos globais de produção agrícola nada mais é do que a reorganização da produção com base na valorização das ofertas locais ou regionais de incentivos e de fatores de produção que sejam atrativos para a acumulação de capital das corporações multinacionais (Bonanno, 1999).

Assim a implementação seletiva e a difusão desigual de uma agricultura científica e globalizada no território, em consonância com a lógica competitiva do mercado global e com a racionalidade e as estratégias das corporações multinacionais que controlam o setor, são acompanhadas de uma crescente modernização do processo produtivo, visando o aumento da produção e da produtividade, com recorrentes mudanças na sua dinâmica de relações sociais e econômicas e na sua organização espacial (Santos, 2000 e Elias, 2003).

Nesse contexto e diante desses novos condicionantes, tem-se a promoção de mudanças no funcionamento do mercado mundial de tabaco em folha, bem como no padrão de organização espacial e nas estratégias competitivas das grandes empresas multinacionais que controlam hegemonicamente a cadeia de produção do tabaco.

Quadro 1.
Tabaco em folha: produção, consumo e estoques
mundiais, em toneladas, 1990 a 2008

Ano

Produção

Consumo

Estoques

1990

6.264.012

6.340.388

6.397.740

1991

6.140.454

6.262.410

5.942.813

1992

7.330.718

6.777.016

7.313.470

1993

7.325.157

6.958.079

7.688.324

1994

5.608.479

6.840.967

6.528.411

1995

5.570.410

6.305.600

5.762.100

1996

6.598.839

6.288.825

5.879.230

1997

7.761.980

6.210.117

6.750.478

1998

6.824.952

6.277.936

6.721.152

1999

7.301.898

6.420.555

6.213.558

2000

6.129.606

6.134.730

7.191.020

2001

5.581.001

6.433.790

7.362.260

2002

5.753.323

6.594.090

7.188.960

2003

5.761.848

6.631.050

6.673.090

2004

5.765.155

6.310.000

5.252.000

2008*

6.306.020

6.002.220

5.056.760

Fonte: USDA (2009) e *AFUBRA (2010). Org. Rogério Silveira.

Como podemos observar acima, no Quadro 1, nos últimos dezoito anos, sobretudo durante a década de noventa, o mercado mundial de tabaco em folha vem apresentando, simultaneamente, momentos de oscilação na produção, entre 5,5 e 7,7 milhões de toneladas, e de relativa estabilização nos níveis de demanda consumo de tabaco em folha, em torno de 6,3 milhões de toneladas, o que contribuiu para que o nível dos estoques internacionais de tabaco também oscilasse significativamente.

No período entre 2001 e 2004 tem-se uma relativa estabilização dos níveis da produção de tabaco, em torno de 5,7 milhões de toneladas e do consumo em cerca de 6,4 milhões, o que resultou numa progressiva redução dos estoques mundiais de tabaco em folha, e a respectiva valorização do preço do tabaco no mercado internacional. Fato que contribuiu para que em 2008, tivéssemos a retomada do crescimento da produção mundial com o acréscimo de quase um milhão de toneladas.

A geografia do consumo do tabaco

Inicialmente é preciso registrar que o tabaco é historicamente consumido no mundo sob várias formas de produtos, cuja demanda guarda estreita vinculação não apenas com a condição de renda dos indivíduos consumidores, mas também, com as práticas culturais e simbólicas, e com os costumes cotidianos próprios dos diferentes grupos sociais presentes nas distintas regiões e lugares do mundo.

A forma de uso e de consumo do tabaco em folha mais comum e difundida no mundo sem dúvida que é a do cigarro, principalmente o fabricado industrialmente, e secundariamente o confeccionado artesanalmente. Em seguida, embora com menor difusão espacial, tem-se o uso do charuto, com variações regionais quanto ao tamanho, tipo de tabaco, tipo de corte das pontas, etc. Há ainda, em algumas regiões e países, o consumo do tabaco sob outras formas de uso como o tabaco para cachimbo e o tabaco de mascar, muito comuns, principalmente, no Sudeste Asiático.

Nesse período, o desempenho da demanda de tabaco no mercado mundial foi influenciado por uma combinação de diversos fatores, envolvendo desde eventos naturais – períodos prolongados de seca ou de chuvas nas áreas de produção –, eventos políticos e econômicos, como o surgimento de barreiras fiscais, subsídios e mudanças na política cambial pelos governos dos países exportadores e importadores, e principalmente eventos político-culturais, como a ampliação da campanha mundial de combate ao tabagismo.

Para Buainain e Souza Filho (2009), de modo geral, nessas últimas duas décadas, a evolução do consumo mundial de tabaco vem sendo intensamente condicionada por variáveis como:

  • as normas e dispositivos legais governamentais de responsabilização das empresas fabricantes de produtos do tabaco em razão dos efeitos advindos do tabagismo contrários à saúde pública;
  • o crescimento da tributação sobre o consumo do tabaco, notadamente de cigarros;
  • as normas e dispositivos legais de restrição à produção, à comercialização e à publicidade e propaganda de produtos do tabaco; e
  • a diminuição da aceitação social do tabagismo.

Entretanto, é preciso considerar que as dinâmicas de evolução do consumo e da produção de tabaco em folha não tem sido as mesmas entre os países que tradicionalmente participam desse mercado, sobretudo entre países centrais, periféricos e semiperiféricos[3].

Os dados secundários levantados pela Food and Agriculture Organization (FAO), referentes à evolução do consumo e da produção do tabaco no mundo entre 1970 e 2000, possibilitam verificar o modo distinto como cada grupo de países tem participado do mercado mundial de tabaco, bem como permitem identificar as principais tendências mundiais quanto à dinâmica recente desse mercado (FAO, 2003).

Quanto ao consumo, a Figura 1 evidencia que entre 1970 e 1990 tivemos o aumento da demanda de produtos elaborados a partir do tabaco em folha, notadamente cigarros, o que levou a uma elevação do consumo mundial do tabaco em folha na ordem de 2% ao ano, ampliando o consumo de 4,2 milhões para 6,5 milhões de toneladas (FAO, 2003).

Figura 1. Consumo mundial de tabaco em folha - 1970 a 2000.
Fonte: FAO, 2003. Org. Rogério Silveira.

É preciso considerar ainda que esse aumento do consumo de tabaco nos países semiperiféricos deve-se, em grande parte, ao intenso crescimento do consumo de tabaco na China, que passou de 0,7 milhões de toneladas em 1970 para 2,6 milhões de toneladas em 2000.

A gradativa diminuição do consumo de tabaco no conjunto dos países centrais tem ocorrido pela combinação de fatores como: a diminuição no ritmo de crescimento da população; uma maior conscientização da sociedade em relação aos efeitos nocivos do cigarro à saúde; a intensificação das campanhas governamentais contra o tabagismo; e, o aumento de impostos sobre a fabricação e comercialização de cigarros. Tal redução no consumo, nesse grupo de países centrais, não tem sido homogênea. Enquanto nos Estados Unidos e no Canadá ela foi em média de 1,3% ao ano, entre 1970 e 2000, no conjunto da Europa, a redução no consumo iniciou basicamente após 1990, quando a taxa de consumo caiu 2,9% ao ano (FAO, 2003).

Já em países como Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Espanha o consumo se mantém elevado tornando esses países importantes mercados para o tabaco. No Leste europeu, após a queda do muro de Berlim e com o avanço da economia capitalista, tem havido um progressivo aumento no consumo de cigarros. (FAO, 2003). A China, a Coréia do Sul, a região do Sudeste Asiático, especialmente países como Filipinas, Indonésia e Malásia, e a Austrália, têm sido os locais onde o consumo de tabaco tem ampliado significativamente na última década, e onde as vendas de cigarro aumentaram em torno de 8% entre 1990 e 1995 (Hammond, 1998).

A Figura 2 ilustra bem como se apresentava em 2007 a distribuição espacial do consumo anual de cigarros no mundo, bem como destaca os cinco maiores países consumidores mundiais de cigarro: China, Estados Unidos, Rússia, Japão e Indonésia.

Nas áreas de maior consumo, o aumento na compra de cigarros, especialmente de marcas globais, se deve também a fatores sociais, como uma maior prosperidade da nova classe média e o estímulo para atualizar seu padrão de consumo – adquirindo principalmente cigarros importados –, e a progressiva liberalização feminina e adoção pelas mulheres de hábitos de consumo até então restritos aos homens, como beber e fumar. As massivas e poderosas campanhas promocionais e de marketing realizadas pelas corporações multinacionais também contribuem para esse aumento de consumo (Sklair, 1998).

Figura 2

Figura 2. Consumo mundial de cigarros em 2007.
Fonte: Shafey, Omar et al., 2009. Adaptado por Mizael Dornelles.

A demanda mundial de tabaco em folha sustentada principalmente no uso do tabaco para a confecção e consumo de cigarros revela que o comportamento das importações de tabaco em folha, segundo dados da FAO (2009), apresentava a seguinte situação entre 1970 e 2007 (Figura 3).

Figura 3. Principais países importadores de tabaco de 1970 a 2007.
Obs.: URSS até 1991 e a partir de 1992 informações referentes à Federação Russa.
Fonte: FAOSTAT, 2009. Org. Mizael Dornelles e Rogério Silveira, 2009.

A partir do começo da década de 1990, observa-se um intenso crescimento das importações de tabaco em folha pela Rússia, resultado do aumento do consumo de cigarros no país simultâneo à abertura da economia do país ao capital internacional e ao avanço dos novos hábitos de consumo ocidentais. Em certa medida, o aumento das importações da Alemanha também se deve a unificação do país, e com ela ao aumento da demanda de cigarros pelos habitantes da antiga Alemanha Oriental. Observa-se também o aumento das importações pela China, que embora seja o maior produtor mundial de tabaco, necessita de elevados volumes importados para poder atender a grande demanda de seu mercado interno.


A geografia da produção de tabaco em folha

Nesse período, a produção mundial de tabaco em folha passou de 4,3 milhões de toneladas, em 1970, para 6,3 milhões de toneladas de tabaco em 2008, uma ampliação da ordem de 46%.Embora atualmente o tabaco seja produzido num conjunto de 103 países, em diferentes condições climáticas e de solo, esse crescimento deveu-se, sobretudo, ao aumento da área da área plantada e da quantidade produzida de tabacos do tipo flavour[4], que dão sabor e aroma ao cigarro. Dentre as principais variedades de tabaco que são utilizadas no preparo dos blends[5] para a fabricação do cigarro, destacam-se as variedades Virginia, Burley e Oriental produzidas principalmente em países periféricos e semiperiféricos.

A Figura 4 ilustra a distribuição espacial, em 2007, da área total plantada com tabaco em folha nos diversos países produtores. Cada uma das principais variedades de tabaco em folha é cultivada em distintas zonas geográficas da superfície terrestre, localizadas entre os 60º de latitude Norte e 40º de latitude Sul, onde cada área produtora apresenta uma particular combinação de características climáticas específicas (insolação, temperatura, umidade, precipitação e vento), de tipos de solos e de configuração de relevo que possibilitam condições ambientais particulares e ideais para a reprodução dessas diferentes variedades de tabaco.

Figura 5

Figura 4. Área plantada em hectares de tabaco em 2004 e mais.
Fonte: Shafey, Omar et al., 2009. Adaptado por Mizael Dornelles, 2009.

Observa-se que as principais áreas de produção agrícola do tabaco em folha se localizam principalmente nessas zonas de latitudes médias, com destaque para o Brasil e os Estados Unidos, na América, para o Malaui e o Zimbábue, na África, para a Índia, a China e a Indonésia, na Ásia, e para a Turquia, entre a Europa e a Ásia.

Além das distintas variedades produzidas nos países, a produção de tabaco também se realiza de modo diferenciado em cada país, por conta das particularidades do sistema de produção, das características fundiárias das propriedades agrícolas, do conteúdo técnico e do volume de mão de obra e relações de produção presentes em cada país.

Na China, a produção de tabaco é realizada inteiramente de modo manual por cerca de 20 milhões de famílias de produtores em pequenas propriedades cujo tamanho médio é de 0,3 a 0,4 hectares, localizadas principalmente nas províncias de Yunnan, Guizhou, Sichuan e Henan, no centro sul do país. A área destinada ao cultivo do tabaco é pequena, representando entre um terço e metade da área total das propriedades rurais. Nessas propriedades também se realiza a produção de culturas alimentares, como a cana-de-açúcar, soja e hortaliças. Desde 1992, com a criação da lei que instituiu o monopólio estatal do tabaco no país todas as etapas de produção, comercialização, processamento e exportação do tabaco, bem como a fabricação e a comercialização de cigarros são planejadas e realizadas pelo governo chinês. Esse controle absoluto pelo Estado da cadeia produtiva do tabaco, se por um lado impede a entrada das corporações multinacionais no mercado interno, por outro lado, ao mesmo tempo em que viabiliza uma importante arrecadação de impostos aos governos províncias e federal, impõe aos fumicultores chineses uma alta taxa de exploração do trabalho familiar pelo baixíssimo valor pago pela produção realizada (FAO, 2003a).

Já no Zimbábue a produção de tabaco é realizada, na província de Harare, nordeste do país, principalmente por cerca de 2.000 agricultores comerciais em grande escala, em propriedades entre 100 e 500 hectares, cuja área média destinada ao cultivo do tabaco é de 40 hectares, num sistema de rotação de culturas, com outros cultivos como soja, milho, e trigo. A produção agrícola do tabaco combina o uso de modernos equipamentos no preparo e adubação da terra, na irrigação da lavoura por aspersão e gotejamento, e na cura do tabaco, com o emprego de mão de obra assalariada em atividades manuais de plantio e colheita das folhas de tabaco. As explorações comerciais de tabaco em grande escala são desenvolvidas em propriedades privadas, de indivíduos, empresas de responsabilidade limitada ou de grandes associações empresariais. Secundariamente, a produção de tabaco no Zimbábue também é realizada por pequenos produtores rurais, em propriedades comunais da terra, e em áreas de terras arrendadas, com uso intensivo da mão de obra familiar e baixo grau de mecanização. Embora, mais numerosos, aproximadamente 16 mil famílias, os pequenos agricultores respondem apenas por cerca de 20% da área plantada e da produção total de tabaco do país, que está concentrada nas grandes propriedades. A comercialização do tabaco, tanto dos grandes quanto dos pequenos produtores é realizada junto às corporações multinacionais que processam e exportam o tabaco em folha (FAO, 2003a).

Por sua vez, no Brasil o tabaco é produzido, sobretudo na região Sul do país, em cerca de 180 mil pequenas propriedades agrícolas que cultivam e colhem o tabaco de modo inteiramente manual através do emprego da força de trabalho das famílias dos agricultores. Localizadas em grande parte, em regiões colonizadas no século XIX por imigrantes europeus, as propriedades dos agricultores familiares apresentam em média uma dimensão de aproximadamente 16 hectares, das quais o tabaco é cultivado em áreas de 2 a 3 hectares (Afubra, 2010). A produção de tabaco é realizada através do chamado sistema de integração, em que a cada safra há a formalização, através de contrato, da relação comercial entre os agricultores familiares e as empresas multinacionais. Nesse sistema de produção, os agricultores se comprometem a produzir uma dada quantidade de tabaco de acordo com as especificações técnicas das empresas, e as empresas, por sua vez, se comprometem em comprar toda produção dos agricultores, além de fornecerem assistência técnica e transporte do tabaco, das propriedades até os postos de compra e/ou usinas processadoras. O conteúdo técnico das propriedades fumicultoras tradicionalmente é baixo, restringindo-se ao emprego de sementes selecionadas e de insumos químicos como fertilizantes e agrotóxicos no plantio do tabaco, ao uso de estufas que curam o tabaco colhido através, principalmente, do consumo de lenha, e secundariamente, pelo consumo de energia elétrica. Embora os agricultores tenham no tabaco importante fonte de renda familiar, o valor da produção obtido na venda para as empresas não remunera de modo adequado o conjunto dos custos de produção que além dos insumos químicos e biotecnológicos, envolve o intenso trabalho das famílias em todas as etapas da produção e da colheita do tabaco. Além disso, na comercialização da safra, as empresas se valem de um complexo sistema de classificação das folhas de tabaco, em que acabam manipulando os tipos de classes das folhas, e o respectivo valor a ser pago pela produção do tabaco, de modo a viabilizar a extração do sobretrabalho dos agricultores, e com isso assegurar margens maiores para a sua lucratividade. São as empresas, que após a compra do tabaco junto aos agricultores, quem promovem seu processamento industrial e sua comercialização junto às empresas cigarreiras no país e no exterior.

Nos Estados Unidos, o número de propriedades rurais que cultivam o tabaco, bem como o total da área plantada vem diminuindo fortemente em razão da queda de demanda de tabaco ocasionada com a diminuição dos níveis de consumo do cigarro, bem como pela política dos estados americanos em estimular a diversificação de áreas produtoras de tabaco. Em 1954 havia 512.000 propriedades produtoras de tabaco em uma área total de 626.070 hectares, e em 2002 esse número caiu para cerca de 57.000 propriedades agrícolas, num total de 173.616 hectares. Essas propriedades estão localizadas principalmente no Sudeste do país, nos Estados da Carolina do Norte, Kentucky, Tennessee, Carolina do Sul, Virginia, e Geórgia, que juntos respondem por aproximadamente mais de 90% da produção dos Estados Unidos. O tabaco é produzido em propriedades rurais médias e grandes que em 2002, apresentavam, em média, uma extensão de 70 hectares. Nessas propriedades, a dimensão da área das lavouras de tabaco, em média, varia de 15 a 20 hectares (Buainain e Souza Filho, 2009). Quanto ao modo de produção, desde os anos 1960 os produtores de tabaco começaram a introduzir o emprego de máquinas e equipamentos, e de insumos químicos que contribuíram para ampliar os níveis de produtividade e diminuir progressivamente o custo da mão de obra ocupada na produção e colheita do tabaco. Atualmente a produção, colheita e cura do tabaco são inteiramente mecanizadas. Em que pese o elevado custo de produção, as crescentes campanhas de diversificação produtiva, e a perspectiva de redução do plantio do tabaco no país, o cultivo do tabaco ainda se apresenta vantajoso, em termos de renda, para os produtores norte-americanos que permanecem na cultura (Capehart, 2004). A produção de tabaco nos Estados Unidos é regulada pelo governo federal que anualmente estabelece cotas de produção, define um preço mínimo ao tabaco e impõe barreiras fiscais e alfandegárias ao tabaco importado. Desde 1991, alguns governos estaduais americanos têm permitido a permuta e a venda de cotas de produção de tabaco entre produtores de outros municípios e de outros Estados, o que tem levado à concentração da produção de tabaco por um número menor de propriedades agrícolas, algumas das quais de propriedade de empresas. A comercialização do tabaco é realizada anualmente, obedecendo ao limite de preços mínimos, envolvendo a celebração de contratos comerciais entre os produtores e as empresas.

Já a Turquia se caracteriza por ser o principal produtor mundial de tabaco da variedade Oriental, muito utilizada para a constituição dos blends que dão sabor e aroma próprios a cada marca de cigarro comercializada pelas grandes empresas cigarreiras. Em 1999, a produção de tabaco turca era realizada por cerca de 570 mil produtores rurais familiares em pequenas propriedades totalizando uma área cultivada de 280.143 hectares, o equivalente a 1,5% da área total cultivada do país. O tabaco é cultivado nas propriedades juntamente com trigo, algodão, azeitonas e uva, e embora represente cerca de 40% da área das propriedades, responde por aproximadamente 80% dos rendimentos líquidos das famílias de agricultores. A produção, o comércio e a exportação de tabaco na Turquia são operados, principalmente, pela estatal Direção Geral de Empresas de Tabaco, Produtos de Tabaco, Sal e Álcool (TEKEL), que também controla a superfície plantada de tabaco, e, secundariamente, por comerciantes. A partir de 1994, se introduz cotas de produção aliadas ao pagamento compensatório para agricultores visando o controle da quantidade e da qualidade da produção. O Estado, através da TEKEL e do Ministério de Agricultura e Assuntos Rurais (MARA) subvenciona a compra de insumos químicos (fertilizantes e pesticidas) e água, bem como a introdução de novas tecnologias de produção e de cura do tabaco, pelos agricultores que produzem tabaco, buscando assegurar melhores níveis de qualidade da produção (FAO, 2003a). Tais ações, se por um lado viabilizam a obtenção de rendimentos favoráveis pelos produtores de tabaco, por outro lado, acabam desonerando as empresas multinacionais que compram o tabaco oriental, com a diminuição do custo de produção, e, portanto do valor de mercado do tabaco.

Na Índia a produção de tabaco embora esteja presente em praticamente todo o território, e com usos e modos de consumo variados como o cigarro, o rapé, o tabaco para mascar, e o charuto, apresenta-se mais concentrada nos estados de Andhra Pradesh, Karnataka e Gujarat, localizados no Centro e Sul do país. A produção é realizada por aproximadamente 850 mil produtores em pequenas propriedades familiares, sendo que cerca de 50% dos produtores possuem propriedades com menos de 02 hectares. O governo federal indiano tem tido nos últimos vinte anos um papel central no aumento da produção, da produtividade e da qualidade do tabaco, bem como na melhora da remuneração dos produtores, notadamente da variedade Virginia, através de ações da Junta do Tabaco e do Instituto Central de Investigação sobre o Tabaco (CTRI). Tais ações envolvendo: o fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico na cultura do tabaco, a introdução e difusão de novas tecnologias e técnicas produtivas nas etapas de cultivo, de colheita, de cura e de processamento; o apoio institucional e normativo à cadeia produtiva através da concessão de subsídios diretos a aquisição de fertilizantes e da maior oferta de crédito aos produtores, da regulação de preços, e da promoção das exportações, permitiram à Índia ampliar a quantidade e a qualidade da sua produção de tabaco. A Junta do Tabaco coordena e regula a comercialização do tabaco da variedade Virginia através de um sistema obrigatório de leilões, com a participação das empresas exportadoras de tabaco, dos fabricantes de cigarros e dos comerciantes de tabaco (FAO, 2003a).

Por fim, no Malaui o tabaco constitui a principal cultura agrícola comercial, e sua produção e exportação responde por 15% do PIB nacional. Em 2000 havia 42 mil produtores de tabaco, e cerca de 70% da produção de tabaco era realizada nas chamadas “haciendas”, pequenas propriedades em sua grande maioria. Em 2002, aproximadamente 70% das propriedades, possuíam menos de 20 hectares, enquanto 10% apresentavam mais de 40 hectares. Enquanto nas pequenas propriedades há o predomínio da contratação de mão de obra, nas grandes propriedades adota-se o sistema de arrendamento. De modo geral, a produção de tabaco não é intensiva e especializada, já que predomina o modelo de rotação de culturas, em que o tabaco é cultivado a cada três anos, e ocupa uma área de 2 a 3 hectares por propriedade. A produção de tabaco, mesmo nas grandes propriedades, é realizada basicamente através do emprego do trabalho manual, com pouco emprego de maquinaria no cultivo e na colheita, fato vinculado à baixíssima remuneração dos trabalhadores agrícolas. Até 1989, havia um rigoroso controle da produção de tabaco pelo governo, em que somente os proprietários de terra podiam produzir tabaco, uma vez registrados e com a posse da licença concedida pela Comissão para o Controle do Tabaco, órgão regulador governamental. A partir de 1995, no bojo de um conjunto de reformas econômicas estruturais recomendadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, e adotadas pelo governo de Malaui, houve uma progressiva liberalização das condições de produção e da comercialização de produtos e insumos agrícolas, o que contribui para o rápido crescimento da produção de tabaco, sobretudo da variedade Burley (FAO, 2003a).


A dinâmica da produção de tabaco nos países centrais e periféricos e semiperiféricos

Do mesmo modo que o consumo, também em relação à produção mundial percebe-se um processo de mudança quanto à participação dos países no mercado mundial de tabaco em folha. Enquanto os países periféricos e semiperiféricos aumentaram sua participação na produção mundial de tabaco, respondendo, em 2000, por 5,6 milhões de toneladas – aproximadamente 81% do total do tabaco produzido no mundo –, a produção realizada nos países centrais vem progressivamente diminuindo no período, apresentando um decréscimo, entre 1970 e 2000, de 36%, quando a produção de tabaco desses países caiu de 1,9 milhões para 1,2 milhões de toneladas (Figura 5).

Figura 5. Produção mundial de tabaco em folha - 1970 a 2000.
Fonte: FAO, 2003. Org. Rogério Silveira.

Entre os principais países produtores de tabaco em folha, destaca-se a crescente participação da China, da Índia e do Brasil na produção mundial de tabaco, o que é evidenciado pela Figura 6. Enquanto a taxa anual de crescimento da produção de tabaco, entre 1970 e 2000, foi de 1,3% na escala global, na China foi de 3,8%, no Brasil foi de 3,0% e na Índia foi de 2,5% (FAO, 2003).

Figura 6. Principais países produtores de tabaco em folha, 1970 a 2008.
Fonte: FAOSTAT, 2009. Org. Mizael Dornelles e Rogério Silveira, 2009.

Esse expressivo aumento na produção de tabaco em folha nesses países se deve ao aumento do consumo nos seus mercados internos, como é o caso da China, mas também se deve como no Brasil e na Índia, à ampliação nas exportações de tabaco para os mercados dos Países Centrais, tendo em vista a queda na produção de tabaco naqueles países.

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