domingo, 24 de outubro de 2010

As 10 catástrofes atribuídas ao aquecimento global

Enquanto as autoridades reunidas em Copenhague discutiam como parar o avanço da mudança climática na Terra, muitos lugares já sentem o impacto dos fenômenos atribuídos por ambientalistas ao aquecimento global. A seguir, os dez mais graves.

Por Renata Honorato

1. Degelo nos pólos, Andes e Himalaia

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O derretimento do gelo nos pólos, Andes e geleiras do Himalaia são algumas das principais consequências das mudanças climáticas que têm atingido todo o mundo nos últimos anos. A neve do monte Quilca, na fronteira entre Peru e Bolívia, já desapareceu, enquanto na região do oceano Ártico a camada de gelo se tornou 40% mais fina. O degelo também é responsável pelo aumento do nível do mar e pela alteração da temperatura dos oceanos, fenômenos que respondem por inúmeros desastres naturais, como furacões, terremotos e tsunamis.

2. Furacão Katrina, em Nova Orleans

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O furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans, nos EUA, em 2005, alcançou a categoria 5 da Escala de Furacões de Saffir-Simpson, considerada catastrófica, e devastou o local, matando milhares de pessoas e deixando outras milhares desabrigadas. Cerca de 1 trilhão de litros de água foram bombeados para fora da cidade, no intuito de restabelecer condições favoráveis às famílias que tiveram de abandonar a região por conta dos alagamentos.

3. Inundações e secas na China

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A maior população do mundo sofre com as mudanças climáticas. Quando não são as chuvas torrenciais e as consequentes inundações que deixam mortos, feridos e desabrigados, é a seca que maltrata comunidades inteiras. Cerca de 7,5 milhões de chineses sofrem com a falta de chuva e com as altas temperaturas que superam os 40ºC. Por outro lado, um condado da província de Shanxi, ao norte do país, já chegou a enfrentar chuvas contínuas de até 36 horas.

4. Epidemia de Malária

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O clima mais quente, consequência das alterações climáticas, encurta o ciclo reprodutivo do mosquito que transmite a malária e permite que eles se multipliquem mais rapidamente em regiões atingidas por desastres naturais. Segundo a Agência de Proteção do Meio Ambiente, o aquecimento tropical contribui para que as chuvas torrenciais alcancem latitudes maiores e insetos se aglomerem em áreas sem saneamento básico e assistência médica. Cerca de 1 milhão de pessoas na África morrem todos os anos por causa da doença.

5. Fauna em perigo

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O derretimento do gelo e a elevação da temperatura das águas do mar de Berring, no Alasca, estão obrigando animais como morsas, ursos polares e aves marinhas locais a migrarem para o norte, onde a escassez de comida leva as espécies rumo à extinção. Essas mudanças bruscas fazem com quem muitos filhotes se percam de seus pais e morram, antes mesmo de chegar à fase adulta, por falta de alimentação.

6. Desaparecimento de ilhas

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A elevação do nível do mar já começa a fazer suas primeiras vítimas. Recentemente, a ilha de Lohachara, na Índia, foi inundada. O fato repercutiu no mundo todo e assustou os vizinhos de Ghoramara, onde dois terços de terra já foram invadidos pela água. As Ilhas Carteret, em Papua Nova Guiné, também correm o risco de desaparecer em breve. Segundo cientistas, cerca de 10 ilhas da região do delta indiano estão ameaçadas e podem ser tomadas pelo mar nos próximos anos.

7. Incêndios na Austrália e nos Estados Unidos

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Incêndios como os registrados nos estados de Victoria e California, localizados na Austrália e Estados Unidos, respectivamente, são sérias consequências do aquecimento global. Por conta das mudanças nos padrões de chuva, que causam secas e aumentam a temperatura, a madeira das árvores potencializa as queimadas, que por sua vez emitem substâncias químicas na atmosfera e partículas nocivas no ar.

8. Seca na Amazônia

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O “pulmão do mundo” está ameaçado pelas mudanças climáticas e a seca que atingiu a região em 2005 foi só o começo de uma série de fenômenos naturais previstos para o futuro, caso não ocorra um controle do aquecimento global. A Amazônia, que abriga mais da metade das áreas de florestas tropicais do mundo, e uma em cada cinco espécies do planeta, pode sofrer novamente com a falta de chuva se as temperaturas do Atlântico Norte permaneceram mais altas do que a média.

9. Onda de calor na Europa

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A onda de calor que atingiu o verão europeu em 2003 foi diretamente ligada ao aquecimento global. Milhares de pessoas morreram e em algumas regiões a temperatura chegou aos 50ºC. França, Itália, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Alemanha e Suíça foram os países mais atingidos. A maior parte das mortes foi causada por desidratação, problemas circulatórios e distúrbios metabólicos.

10. Enchentes em Santa Catarina

Chuva no Vale do Itajaí (Foto: Folha Imagem)

O estado de Santa Catarina, principalmente a região do Vale do Itajaí, sofreu com chuvas intensas em 2008. As tempestades, consideradas fora do comum para a região, alagaram várias cidades próximas e deixaram muitas áreas sem água, luz e comida. Milhares de moradores ficaram desabrigados e foram atingidos por avalanches de lama. Todos os estados do Brasil se comoveram com a situação e enviaram às localidades mais afetadas doações de alimentos, remédios, roupas e cobertores.

Revista Veja

Por que o desmatamento está caindo no Brasil?

A Amazônia e a Mata Atlântica são casos de sucesso no combate ao desflorestamento

Jones Rossi
folha verde

(stock.xchng)

Na última segunda-feira, o ministério do Meio Ambiente anunciou que o desmatamento medido na Amazônia entre agosto de 2009 e junho de 2010 foi 49% inferior ao registrado no período anterior (2008-2009). Outro número confirma a desaceleração da motosserra: em junho deste ano, 244 km² de vegetação foram colocados no chão, ante 578 km² apurados no mesmo mês do ano passado. Trata-se de uma redução de 58%. O desmatamento está em queda contínua desde 2004 (com exceção do ano de 2008): em todo esse período, a redução chega a 75%.

Quem também notou essa desaceleração foi a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Em março, o órgão publicou relatório com uma má e uma boa notícia: o Brasil ainda é o primeiro colocado no ranking dos países que mais desmatam no mundo, mas, por outro lado, entre 2000 e 2010, desmatou em média 2,6 milhões de hectares de florestas por ano - menos do que os 2,9 milhões anuais do período 1990-2000. Ou seja, a situação está melhorando. Mas, afinal, o que estamos fazendo para exibir números tão promissores?

Para Claudio Maretti, superintendente de conservação para os Programas Regionais do WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza, organização de conservação do ambiente), o principal motivo foi a criação de unidades de conservação (UCs) na Amazônia: parques nacionais e reservas particulares, indígenas e extrativistas. “Quase 50% da Amazônia brasileira está incluída em unidades de conservação e reservas indígenas”, afirma Maretti. Desde 2000, quando a lei que criou as unidades de conservação foi instituída, as áreas protegidas passaram de 24 milhões para 32 milhões de hectares. “A meta é chegar a 60 milhões.”

Mauro Pires, diretor de políticas de combate ao desmatamento do ministério do Meio Ambiente, também coloca entre as razões dos bons números a criação dos sistemas de monitoramento via satélite, que ajudam na fiscalização feita pelo Ibama. “Antes o monitoramento era feito às cegas”, conta. “Com o Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), implementado em 2004, o Ibama recebe imagens a cada 15 dias.” Com os dados em mãos, os agentes se deslocam com a Polícia Federal e com a Guarda Nacional para as áreas que estão sendo desmatadas ilegalmente e aplicam as multas previstas na lei.

O sistema agora será implementado em outros biomas brasileiros, começando pelo cerrado, em setembro. Deverá ser expandido ainda para a caatinga e para o Pantanal.

Mata Atlântica — Entre 1985 e 2009, o desmatamento na Mata Atlântica caiu mais de 80%: passou de 107.296 hectares de desflorestamento, em 1985, para 20.802, em 2009. Originalmente, a cobertura florestal abrangia praticamente todo o litoral brasileiro, se estendendo ainda ao Ceará. No interior do território, atingia Goiás e Mato Grosso do Sul, além de áreas no Paraguai e na Argentina (o Parque do Iguaçu é formado por Mata Atlântica).

A queda coincide com a criação de entidades e leis que passaram a proteger a Mata Atlântica. Uma das normas criou as Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs). “São áreas particulares que se tornam locais de proteção em caráter perpétuo, por vontade do proprietário, como se fossem um parque”, explica Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica. Já existem mais de 600 na Mata Atlântica, mais do que em qualquer outra região do Brasil.

O próximo passo, segundo Marcia, é a restauração da mata. Desde 2000, foram plantadas 20 milhões de mudas de árvores pelo programa Florestas do Futuro e Clickarvore. Elas ocupam 12.000 hectares, principalmente nas margens de rios, que ajudam a preservar os 7,91% que restam da cobertura original da Mata Atlântica.

País verde — Na prática, nenhum país do mundo conserva tantas florestas como o Brasil. Segundo Mauro Pires, 75% das áreas de proteção criadas no mundo estão no Brasil. Mesmo o Pantanal, que tem apenas 3% de sua área sob proteção, mantém 80% de seu bioma em boas condições. Medidas como fim dos empréstimos feitos por bancos estatais a proprietários de áreas onde há desmatamento ilegal também cortaram a fonte que abastecia os responsáveis por 40% do desmatamento na Amazônia, aponta Claudio Maretti, do WWF.

A fiscalização também se tornou mais intensa. Os 43 municípios que mais desmatam na Amazônia são vigiados de perto pelo Ibama. "Estamos aprendendo a lidar com esse problema, que não é só ambiental, mas social também", afirma Pires.

Revista Veja

Esgoto é o maior vilão ambiental brasileiro, diz pesquisador

Ampliação do saneamento básico levaria à recuperação de rios, flora e fauna, defende Evaristo de Miranda, e afetaria vida de 100 milhões de brasileiros

Jones Rossi
O pesquisador Evaristo Eduardo de Miranda

O pesquisador Evaristo Eduardo de Miranda (Divulgação)

" A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia e não à expansão de novas áreas de plantio"

Doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier, na França, e pesquisador há três décadas da estatal Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Evaristo de Miranda, de 58 anos, qualifica as queimadas que assolam a Amazônia e o cerrado de "prática do Neolítico". Quer dizer com isso, claro, que essas são técnicas primitivas para um país que quer e precisa se modernizar. Por isso, o especialista propõe a aposta na tecnologia. É a inovação que pode permitir ao Brasil um futuro sustentável, que combine preservação ambiental e exploração racional das fontes naturais. A boa notícia é que parte disso já é realidade. “A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia, e não à expansão de novas áreas de plantio”, diz Miranda. Na entrevista a seguir, ele defende o agronegócio, comenta o projeto do novo Código Florestal, que deverá mexer na produção vinda do campo, critica os números que colocam o Brasil entre os maiores poluidores do planeta e surpreende: para ele, o maior desafio brasileiro no campo ambiental é ampliar e melhorar o saneamento básico nas áreas urbanas e rurais.

Qual é o maior problema ambiental do Brasil hoje?
A falta de coleta e tratamento de esgoto. Segundo dados do IBGE, quase 100 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto, que contamina os solos, corre a céu aberto e é fonte de graves doenças, responsáveis por 30% de nossa mortalidade. Do esgoto coletado, o Brasil trata apenas 10%. O resto vai direto para os rios.

Então, essa deveria ser a prioridade ambiental atualmente?
Sim. A prioridade deveria ser o saneamento básico em áreas urbanas e rurais, ampliando e melhorando a coleta e o tratamento do lixo e do esgoto, sobretudo na Amazônia e no Nordeste. Isso levaria a uma recuperação extraordinária dos rios e do litoral, de seus peixes, da flora e da fauna. Ainda garantiria a redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde para mais de 100 milhões de pessoas. Quantas ONGs internacionais interessadas no meio ambiente militam por essa causa ou financiam projetos de saneamento no Brasil?

O Brasil é apontado como o quarto maior poluidor do clima no mundo. O IBGE afirma que 75% das emissões de gases tóxicos vêm dos desmatamentos e queimadas, principalmente na Amazônia. O quanto devemos ficar preocupados com esses números?
Para comparar emissões totais, seria necessário incluir os dados de desmatamentos e queimadas dos outros países, e não só do Brasil. Se não for assim, é uma comparação desonesta. Será que os russos vão incluir no cálculo de suas emissões os atuais incêndios florestais, por exemplo? E os Estados Unidos incluem os desmatamentos do estado de Washington e as emissões resultantes da queima das florestas da Califórnia? Entre 2000 e 2005, o desmatamento total do Brasil foi de 165.000 km2, o do Canadá de 160.000 km2 e o dos Estados Unidos de 120.000 km2. Esses dados foram publicados pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Se todos incluírem seus desmatamentos e queimadas, aí, sim, dá para comparar.

Mesmo assim, as queimadas constituem um problema. Como acabar com isso?
Grande parte das queimadas brasileiras não contribui para o acúmulo de CO2 na atmosfera. Em termos de CO2 de origem fóssil, pelos dados de 2008 da EIA (Energy Information Administration, órgão americano que coleta e analisa dados sobre energia), o Brasil ocupava a 17ª posição - após China, Estados Unidos, Rússia, Índia, Japão e outros. Se levar em conta o consumo per capita, caímos ainda mais, para a 123ª posição. Quando o capim ou a cana-de-açúcar voltam a crescer, eles retiram da atmosfera a mesma quantidade de carbono emitida na queima. De qualquer forma, nada justifica essa prática do Neolítico, a ser banida da agricultura. Há vinte anos eu pesquiso e monitoro as queimadas por satélite. O uso agrícola do fogo deve ser substituído por tecnologia moderna.

O agronegócio garante ao brasileiro comida barata. Segundo o levantamento que o senhor fez no Embrapa, legalmente não há mais espaço para expandir a agricultura no Brasil. Por que a agricultura é considerada vilã do meio ambiente no Brasil? Faz sentido essa visão?
Não faz o menor sentido. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 47% de energia renovável, em que 29,5% vêm da agricultura. A cana-de-açúcar gera hoje mais energia – graças ao etanol e à produção de energia elétrica nas usinas com o bagaço – que todas as hidrelétricas juntas. A produção de alimentos está aumentando há trinta anos principalmente devido ao aumento da tecnologia e não à expansão de novas áreas de plantio. As cidades, sobretudo as grandes, são as maiores vilãs do meio ambiente, por sua demanda de recursos, pelo consumismo, pelo desperdício e por todos os impactos qualitativos e quantitativos que geram.

A proposta do novo Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo, traz avanços reais para a questão do meio ambiente no Brasil?
Creio que sim. Ele procura compatibilizar a proteção dos biomas com a legítima e necessária exploração do território nacional, em benefício do povo brasileiro. Ele incorpora novos conhecimentos científicos e reconhece as particularidades de nossos biomas e das diversas agriculturas existentes no Brasil. Ele respeita as áreas agrícolas consolidadas em conformidade com a legislação de seu tempo.

Como fazer o crescimento econômico e a sustentabilidade andarem juntos?
Com inovação. Inovando na forma de produzir, na gestão da energia e dos resíduos, no uso de tecnologias modernas, nas parcerias, no consumo consciente e buscando sempre soluções de longo prazo. A pesquisa científica tem um papel fundamental no desenvolvimento da inovação para os processos produtivos, tanto na agricultura como na indústria. Infelizmente, ainda existe muita gente especializada em planejar o que não executa para depois avaliar o que não fez. Eles só atrapalham na busca dessa sustentabilidade.

Revista Veja

Entre os emergentes, estado brasileiro é um dos que menos investem


Entre os emergentes, estado brasileiro é um dos que menos investem

Beatriz Ferrari
O Brasil tem um dos menores níveis de investimento público do mundo. Com uma taxa que gira em torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) há mais de uma década, o país por pouco não amarga a lanterninha nas comparações com outras nações emergentes. É que o Turcomenistão encarregou-se de 'roubar' este título do país. A constatação faz parte de um ranking de 135 países elaborado pelo economista José Roberto Afonso, com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) relativos a 2007. A primeira colocada China investiu, descontadas as empresas estatais, 21% de seu PIB em 2007 (veja quadro).

Mesmo levando em conta as diferentes metodologias e as características sócio-políticas de cada nação, a discrepância é sintomática dos diferentes caminhos trilhados pelos emergentes quando o assunto é investimento público. Ainda que se considere todo o investimento (governamental, empresas estatais e privado), o montante não é suficiente para garantir a produtividade futura, afirma o diretor da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), Geraldo Biasoto.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) brasileira - índice que mede o quanto o país aumentou seus bens de capital - gira em torno de 17% do PIB, em uma média de três anos, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na China e na Índia, as taxas são de 40% e 33%, respectivamente.

A situação é preocupante porque há muitas áreas em que a iniciativa privada não se interessa em investir por conta dos riscos e/ou da baixa rentabilidade, ou nem pode. Além disso, há a questão da alta carga tributária brasileira, que atingiu mais de 36% do PIB no ano passado. Adverte o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel: "Por conta do peso dos impostos, o investimento privado não cresce em níveis satisfatórios".


Taxa de investimento público
de economias emergentes (em % do PIB)*

China – 20,58%
Venezuela – 13,01%
Qatar - 11,68%
Arábia Saudita – 10,20%
Malásia – 10,07%
Emirados Árabes Unidos – 9,16%
Irã- 8,48%
Nigéria – 8,01%
Índia – 7,45%
Bolívia – 7,40%
Tailândia – 6,86%
Colômbia – 6,52%
Bulgária – 6,28%
Indonésia – 5,51%
Paraguai – 5,21%
Rússia – 4,93%
México – 4,52%
Equador – 4,22%
Peru – 4,17%
Argentina – 4,10%
República Tcheca – 4,03%
Turquia -3,37%
Uruguai – 3,06%
África do Sul – 2,66%
Chile – 2,39%
República Dominicana – 1,86%
Brasil – 1,69%
Turcomenistão – 1,19%

*Dados de 2007
Fonte: Estudo do economista José Roberto Afonso com base em estatísticas do FMI

Revista Veja na Sala de Aula

As fábricas vivas de medicamentos

Cresce o uso de animais transgênicos para produção de remédios

EVANILDO DA SILVEIRA


Arte PB

Em 2008, chegou às prateleiras das farmácias da Europa o primeiro medicamento produzido graças à utilização de animais transgênicos. Trata-se do ATryn, nome comercial da nova droga, indicada para tratar o tromboembolismo (ou trombose), doença provocada pela formação de coágulos no interior dos vasos sanguíneos. O antitrombótico é fabricado pela empresa americana Genzyme Transgenics Corporation (GTC) e distribuído pela dinamarquesa LEO Pharma para toda a Europa e o Canadá. É o resultado pioneiro de uma nova tecnologia – no caso, uma biotecnologia –, a transgenia, que começa a se consolidar no mundo todo, inclusive no Brasil. Pelo menos dez grupos de pesquisa no país estão criando cabras, vacas, galinhas, camundongos e até peixes transgênicos para a produção de medicamentos, o desenvolvimento de doenças humanas em animais para pesquisas ou o melhoramento genético de espécies de interesse econômico.

Transgenia nada mais é do que a inserção no genoma de um organismo, por meio de técnicas de engenharia genética, de um ou mais genes de outro indivíduo, que pode ser da mesma ou de espécie diferente da do receptor. Com essa tecnologia é possível, por exemplo, introduzir genes de porcos em seres humanos ou de vírus ou bactérias em plantas. Aquele que recebe o gene adquire características que antes não tinha. O uso dessa tecnologia começou em 1982, quando pesquisadores americanos das universidades de Washington, Pensilvânia e Califórnia produziram um camundongo (Mus musculus) que tinha o gene do hormônio de crescimento de um rato (Rattus rattus), que é uma espécie diferente. Como resultado o camundongo cresceu mais que o normal.

Hoje, já existem várias drogas de origem transgênica no mercado. Nenhuma delas, porém, é produzida por meio de animais – com exceção do ATryn – e sim de microrganismos. O exemplo mais antigo é o da insulina sintetizada por bactérias, que começou a ser comercializada em 1982. Apesar desses sucessos, atualmente a técnica ainda está mais desenvolvida na agricultura, na qual é empregada para criar alimentos resistentes a herbicidas, pragas e clima adverso, bem como torná-los mais nutritivos. Aos poucos, entretanto, começa também a ser usada no reino animal.

O ATryn, por exemplo, foi desenvolvido a partir de uma substância extraída do leite de cabras transgênicas. Para isso, foi introduzido no genoma desses animais um gene humano, construído artificialmente, responsável pela produção da antitrombina humana III (AIII), proteína que é o princípio ativo do novo medicamento. Por meio de uma técnica conhecida como DNA recombinante, os cientistas da empresa americana colocaram o gene no embrião das cabras nos primeiros momentos de sua formação. Posteriormente, a AIII é “fabricada” nas células mamárias do animal adulto. Cada cabra fornece, durante o período de amamentação, 3 litros de leite por dia, o que equivale à produção de cerca de 3 quilos de antitrombina humana III, já purificada, por ano.

Biorreatores

Espécies transgênicas como as cabras da GTC são conhecidas como biorreatores, verdadeiras fábricas de substâncias que podem virar medicamentos. Segundo o químico João Bosco Pesquero, diretor do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (Cedeme) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), são normalmente animais domésticos de médio e grande porte, utilizados para a sintetização de proteínas humanas de ampla importância biológica e comercial, como enzimas, hormônios e fatores de crescimento. “Em geral a proteína de interesse é expressa no leite do animal, o que faz sua produção mais barata e eficiente”, explica. “Em 1997, o primeiro bovino transgênico, a vaca Rosie, desenvolvida nos Estados Unidos, dava leite enriquecido com a proteína humana lactoalbumina, que o tornava mais nutritivo que o produto natural. Há também pesquisas em curso voltadas para a produção de leite com proteínas necessárias ao tratamento de doenças como fenilcetonúria, enfisema hereditário e fibrose cística.”

A transgenia não serve, no entanto, apenas para a produção de medicamentos. Essa tecnologia tem várias outras aplicações. Ainda na área da medicina, ela pode ser empregada para a geração de animais capazes de desenvolver doenças humanas. “Essa é uma aplicação extremamente importante, pois para criar novas drogas necessitamos testá-las primeiro in vitro em células, depois em animais e finalmente em humanos”, explica Pesquero. “Para tanto, podemos fazer modelos animais transgênicos específicos para esses testes. Por exemplo, se sabemos que tal gene está relacionado ao aparecimento de determinada moléstia, podemos apagar o gene em questão ou aumentar o número de cópias, estudar o efeito na doença e testar as novas drogas para combatê-la.”

Esse tipo de pesquisa traz ainda como consequência positiva o uso racional de animais de laboratório em todo o mundo. “O surgimento de modelos transgênicos provocou uma redução do número de cobaias de forma geral, além de tornar possível a substituição de espécies mais próximas do homem, como primatas, por animais menores geneticamente modificados para ter as características específicas que se desejam estudar”, diz Pesquero. “No futuro, essa tendência de redução na quantidade de animais empregados deverá se acentuar em razão da maior especificidade dos modelos transgênicos desenvolvidos.”

O melhoramento genético de espécies de interesse econômico é outra das aplicações da transgenia. “Utilizando o bovino como exemplo, com o emprego das técnicas de manipulação gênica torna-se possível gerar animais com taxa de crescimento muito superior e de forma muito mais rápida que mediante o uso do melhoramento genético clássico”, explica Paulo Varoni Cavalcanti, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP). “Isso pode ser alcançado com a introdução de múltiplas cópias do gene do hormônio de crescimento no genoma de embriões bovinos. Esses animais teriam uma alta concentração desse hormônio durante o período de seu desenvolvimento, causando desenvolvimento corporal muito superior ao de qualquer outro indivíduo.”

Camundongos nocautes

Pesquero e Cavalcanti sabem do que falam. Ambos trabalham na produção de animais transgênicos. O primeiro começou as pesquisas durante seu estágio de pós-doutorado na Alemanha, entre 1992 e 1996. Desde então, não parou mais. Ele já publicou, até hoje, cerca de 140 trabalhos científicos, muitos deles utilizando os modelos animais gerados na Alemanha ou no Brasil. Entre os resultados mais importantes estão os obtidos com camundongos nocautes (indivíduos dos quais se apagou ou deletou um gene) para o receptor B1 das cininas, substâncias associadas a processos inflamatórios e hipertensivos e à obesidade. O trabalho pode levar a melhor entendimento dessas doenças e a possíveis novos tratamentos.

Pesquero retirou o gene do receptor B1 do genoma dos primeiros animais transgênicos que desenvolveu. “Com isso, eles se tornaram resistentes à obesidade induzida por dieta”, conta o pesquisador. “Podemos alimentá-los com dieta rica em gordura que não engordam.” Essa pesquisa teve início em 2000, e os resultados mais importantes foram publicados em 2008, em uma revista internacional. Depois desse trabalho pioneiro, Pesquero e seu grupo na Unifesp criaram o camundongo Vítor, nascido no dia 24 de dezembro de 2001. O roedor foi produzido com a duplicação do receptor B2 das mesmas cininas.

Hoje a equipe de Pesquero desenvolve camundongos para pesquisadores da própria Unifesp e de outras instituições, como o Instituto do Coração, da USP, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Até hoje, já foram gerados mais de 20 desses animais para cientistas de vários laboratórios do Brasil. Uma das vantagens dos transgênicos produzidos pelo grupo da Unifesp é seu preço. Pesquero não revela o valor cobrado pelos animais, mas diz que é muito inferior ao que é pago a laboratórios do exterior.

Um dos trabalhos mais promissores feitos sob encomenda pela equipe da Unifesp foi a criação para a Embrapa de uma fêmea de camundongo transgênico que produz no leite o fator IX humano, uma proteína responsável pela coagulação do sangue ausente nos hemofílicos. Em 2005, a ideia era produzir a proteína no camundongo e, se tudo corresse bem, usar a mesma tecnologia para gerar vacas clonadas transgênicas, que expressassem o gene humano para esse fator no leite.

Agora, é isso o que vêm tentando fazer a pesquisadora Sharon Lisauskas Ferraz de Campos e colegas da Embrapa. “Estamos desenvolvendo linhagens de células-tronco bovinas a fim de manipulá-las geneticamente e gerar vacas transgênicas que tenham em seu leite a molécula do fator IX”, conta ela. “Dessa forma, como as vacas produzem em torno de 25 quilos de leite por dia, poderemos recolher todo esse produto especial para que a indústria farmacêutica o purifique. Com isso, no futuro o Brasil poderá se tornar autossuficiente em fator IX humano, deixando de importar e, assim, economizando recursos.”

No caso de Cavalcanti, da USP, as pesquisas são com peixes, mais especificamente com o jundiá (Rhamdia quelen), uma espécie de bagre. “Comecei em 2004, quando realizei minha primeira iniciação científica no Centro de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)”, conta. “O objetivo era introduzir no jundiá genes marcadores [genes de fácil identificação] para criar um modelo biológico geneticamente modificado. Ou seja, estávamos desenvolvendo nossos protocolos científicos para a geração de peixes transgênicos.” Seu orientador na época, Heden Luiz Marques Moreira, da UFPel, explica que o objetivo em si não era a produção de uma proteína específica, mas a obtenção de um método rápido e eficiente de gerar novos animais geneticamente modificados.

Segundo Moreira, isso significa que eles queriam que após criar uma linha transgênica fosse possível alterar as proteínas de interesse utilizando a mesma linhagem. “A ideia era que, se uma primeira proteína fosse produzida de forma estável e em níveis aceitáveis, uma segunda também poderia ser integrada no mesmo sítio do genoma em substituição à primeira”, explica. “Dessa forma, ao final do processo seria possível ter duas linhas transgênicas, uma derivada da outra. Não é questão de produzir uma única linhagem expressando duas proteínas diferentes (algo que chamam de duplo transgênico), mas de aproveitar um sistema e alterar a proteína produzida.”

Marcador fluorescente

Hoje os objetivos do trabalho foram ampliados, e Moreira está tentando desenvolver jundiás capazes de produzir a albumina sérica humana (HSA, na sigla em inglês), uma proteína que ocorre no plasma do sangue e é amplamente utilizada como estabilizante em produtos biológicos e farmacêuticos, tais como vacinas, e em revestimentos de dispositivos médicos. Além disso, ela é usada para tratamento de hipoalbuminemia (queda de albumina no sangue) e de choque traumático. Como peixes não produzem leite, os pesquisadores optaram por fazer o jundiá expressar a proteína no sêmen.

Cavalcanti participou ainda de uma outra pesquisa, dessa vez para a geração de galinhas transgênicas, sob a coordenação dos professores João Carlos Deschamps e Denise Bongalhardo, ambos da Ufpel. Primeiro, eles diluíram no esperma do galo o gene responsável pela produção de proteína verde fluorescente (GFP, na sigla em inglês), que serve como marcador nesse caso, ou seja, para saber se a transgenia deu certo. Depois o galo inseminou uma fêmea, da qual nasceu um pinto morto, mas que expressou a GFP. Ou seja, ele era transgênico, o que serviu para demonstrar que a técnica funciona. O próximo passo do grupo gaúcho é expressar uma proteína de coagulação sanguínea humana, como o fator IX, em ovos de galinhas.

Na outra ponta do país, mais precisamente em Fortaleza, na Universidade Estadual do Ceará (Uece), uma equipe liderada pelo professor Vicente José Freitas está desenvolvendo caprinos transgênicos, que receberam um gene que os tornou capazes de produzir no leite o fator estimulante de colônia de granulócitos humanos (hG-CSF, na sigla em inglês). “Trata-se de uma proteína encontrada em nosso organismo, responsável pela formação das células de defesa”, explica Freitas. “Por isso, ela é essencial para o bom funcionamento do sistema imunológico do ser humano.” O medicamento que for criado a partir do leite dessas cabras poderá ser usado em casos de imunodeficiência, como Aids, na recuperação de pessoas com câncer que fazem uso de quimioterapia ou das que tiveram infarto do miocárdio ou isquemia cerebral.

As pesquisas da equipe cearense começaram em 1999, quando Freitas foi procurado pelo pesquisador Oleg Serov, na época professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que já tinha criado camundongos transgênicos que sintetizavam o hG-CSF. “Como esses roedores são um bom modelo experimental, mas não têm leite em quantidade suficiente para beneficiamento e produção de medicamento, Serov nos propôs utilizarmos a cabra como modelo animal capaz de incorporar o gene e produzir leite o bastante para a realização de testes (in vitro e in vivo) e posterior desenvolvimento da droga”, conta Freitas.

Vantagens dos caprinos

O trabalho levou tempo. O primeiro caprino transgênico, um macho, só nasceu em 2006, mas morreu 19 dias depois, devido a uma nefrite (infecção nos rins) – ou seja, a morte não foi causada pelo fato de ele ser geneticamente modificado. Em 2008 nasceram mais três transgênicos, dois machos, um dos quais morto, e uma fêmea. “Assim, temos hoje um casal vivo, Camilla e Tinho, e ambos possuem o gene do hG-CSF”, diz Freitas. “A fêmea já teve a lactação induzida e verificamos que ela secreta o hG-CSF em seu leite.” Segundo o pesquisador, as cabras levam vantagem sobre outros animais no papel de biorreatores destinados a produzir grande parte das proteínas de uso médico. “Elas não raro parem três filhotes em cinco meses de gestação, enquanto um bovino tem apenas um filhote numa gestação de nove meses, e raros são os gêmeos”, explica.

O pesquisador Luciano Andrade Moreira, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte, resolveu adotar estratégia diferente para o uso de transgênicos. Em vez de produzir medicamentos, ele trabalha diretamente com espécies que causam doenças e as altera geneticamente para que se tornem inofensivas. O primeiro alvo foi o mosquito Aedes fluviatilis, que transmite o parasita Plasmodium gallinaceum, causador da malária em aves. “Nesse trabalho inserimos no genoma do mosquito um gene responsável pela produção de uma proteína no veneno de abelhas (a fosfolipase A2)”, conta Andrade Moreira. “Mostramos que os insetos que tinham esse gene bloqueavam o parasita da malária aviária. Essa proteína deve formar uma barreira no intestino do mosquito que não deixa o plasmódio penetrar na parede intestinal e, após formar um cisto, atingir sua glândula salivar e ser transferido para outra ave no momento da picada.”

Segundo Pesquero, pesquisas como essas e a produção de animais transgênicos são muito importantes para o Brasil. “Se não fizermos isso, em breve teremos de importá-los”, alerta. Ele lembra ainda que as mutações genéticas em animais feitas ao longo das últimas três décadas provocaram uma grande revolução no campo da biologia, permitindo a análise de vários aspectos da função dos genes em animais vivos. “Além disso, as pesquisas biomédicas baseadas nas alterações genéticas em modelos animais oferecem esperança para a cura das principais doenças que afligem a humanidade”, diz. “Portanto, o uso apropriado dos modelos de animais transgênicos propicia as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da ciência, com grande potencial para gerar benefícios altamente significativos nos campos médico, biotecnológico e comercial.”

Revista Problemas Brasileiros

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