quinta-feira, 1 de abril de 2010

Venezuela: um quase autorizado descaminho do MERCOSUL a vista


Venezuela: um quase autorizado descaminho do MERCOSUL a vista
por José Ribeiro Machado Neto
18/02/2010
O protocolo de adesão da Venezuela ao MERCOSUL foi assinado em 2006 e, desde então, a vizinha e conturbada nação vem envidando esforços políticos e diplomáticos para concretizar a sua entrada no bloco liderado pelo Brasil.

Em 29 outubro de 2009 a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovou a entrada da Venezuela no MERCOSUL, decisão homologada em sessão plenária de 15 de dezembro do mesmo ano, faltando, apenas, portanto, para a sua concretização, a anuência do Parlamento paraguaio, que segundo observadores brasileiros, deverá seguir o exemplo dos parlamentos argentino e uruguaio. A aprovação facilitará assim, a extensão dos tentáculos do bloco dos limites caribenhos até a Patagônia, não obstante a existência de claras e conturbadas assimetrias dogmáticas, políticas e econômicas.

Com a admissão da Venezuela, o MERCOSUL passaria a contar com uma área comum de influência de aproximadamente 260 milhões de habitantes, sendo 190 milhões (73%) somente no Brasil; e com um PIB de US$ 1,0 trilhão (75% da América Latina), além de outros agregados econômicos expressivos, que garantiriam, ainda, algumas vantagens geoeconômicas e geoestratégicas apenas relativas. Entretanto, esses possíveis ganhos seriam contrabalançados por significativas e elevadas propensões marginais a consumir e a importar; taxas de desemprego superiores a 10% ao ano, a exemplo da própria Venezuela; uma inoportuna administração de dois câmbios com flutuações diferenciadas; e baixas taxas de investimento interno motivadas principalmente por uma constante ameaça de fuga de capitais externos.

Este quadro aumenta a instabilidade externa do regime econômico, mantido com altíssimos custos de oportunidade social que estão sendo transferidos unilateralmente às populações de menores níveis de renda, diminuindo assim, o poder de compra dos bolívares desses segmentos sociais, até agora sem quaisquer expectativas de contrapartidas.

Particularmente, o cenário da Venezuela não é um dos melhores da região, tendo em vista a degradação tarifária e o estreito comprometimento da manutenção de programas sociais com o curso das receitas petrolíferas em baixa – além das originárias das relações econômicas intra-bloco altamente diferenciadas das extra-bloco que dependem da estabilidade de preços dos principais mercados internacionais, mormente os inseridos na União Européia (UE), contrariamente a algumas teses mantenedoras do regime de Chávez.

A política de nacionalizações como meta do programa bolivariano não tem favorecido a necessária inversão interpretativa do coeficiente de GINI venezuelano, bem próximo de 50.0, considerado mundialmente um dos 30 piores em cenários de concentração de renda, pois seus efeitos já alcançam a maioria dos espaços sociais, limítrofes à linha da pobreza na América Latina.

A cada instante em que o clima político de deteriora internamente, o governo na maioria das vezes, responde com medidas radicais em determinados setores considerados estratégicos. O das comunicações têm sido o favorito e as empresas de rádio e TV, em contrapartida, unem-se e tendem a se transformar em novos partidos de oposição, aproximando-se da opinião pública internacional e, com isso, apresentar demonstrações de reação ao fechamento de emissoras, como também, novas tentativas de combate ao autoritarismo advindo de intenções de perpetuação de um monopólio estatal das comunicações.

Desta feita a oposição conta com um novo, sensível e esclarecido aliado que pode tornar-se numa força capaz de fazer renascer o espírito rebelde de 1968 que caminhou sobre o Sena, tornando aquele ano infindável, mesmo após a recente mudança secular. Os universitários venezuelanos estão nas ruas e os assassinatos não estão intimidando-os. Até agora as universidades Central de Venezuela, Caracas; de los Andes, Estado de Mérida; Católica Andrés Bello, Caracas; lideram o movimento que tende a se estender pelos demais Estados formando uma frente única com objetivos contundentes, tangíveis e acessíveis ao entendimento de todos os extratos sociais, à exceção dos trabalhadores das petrolíferas, cujos níveis salariais diferenciados da maioria da classe trabalhadora, absorvem a maior parte dos benefícios advindos do comércio exportador.

As conquistas ou externalidades advindas pela inserção do país no MERCOSUL certamente não diminuirão as tensões internas, pelo menos no curto prazo, pois essas dependem muito mais de impactos de políticas públicas. Além do mais, num segundo plano, de apaziguamentos políticos, o que não consta nas metas de Chávez, mesmo porque existe uma crescente fuga de ex-aliados para a oposição em crescimento. Uma contestação paralela, visível e clara tendência perpendicular à tese bolivariana de partido único apregoada há tempos por Chávez. A exemplo de Castro, transmitida em seus contumazes arroubos midiáticos que penalizam as mentes de diferentes gerações por mais de nove horas dominicais consecutivas para todos os umbrais venezuelanos.

A recente renúncia do vice-presidente da República, coronel Ramón Carrizález, também ministro da Defesa, nomeado por Chávez para ambas as funções teria o efeito multiplicador ao alcançar a esposa, a ministra do Meio Ambiente, Yubirí Ortega e o presidente do Banco da Venezuela, Eugenio Vázquez Orellana. Aos efeitos das renúncias no primeiro escalão político foi adicionado o descontentamento de jovens oficiais das forças armadas pela integração de oficiais cubanos às Forças Armadas Venezuelanas em um processo de decisão vertical, dando margem a novos e crescentes segmentos de interpretação da crise interna sob a ótica militar, cujos impactos já se fazem sentir na redução de ímpetos nos combates à oposição, que com isso, organiza-se e planeja ocupar espaços vazios dos partidos políticos progressivamente marginalizados.

O quadro político retrata a governabilidade confusa, descarrilada, sem bússola, mas não insolúvel para o contexto político latino-americano vigente, considerando-se que Caracas não alcançou ainda as fronteiras do isolamento e da institucionalização do desgoverno. A crise ainda não é global, pois se centra na esfera midiática contra os meios de comunicação privados, também oligopolizados, mas que não apóiam as tendências, ações e praticas governamentais, contrárias às praticadas nos mercados.

As dissociações políticas causadas pelos sucessivos embates entre as formas ou expressões de poder têm conduzido a Venezuela à fragmentação macroeconômica. Esta, por sua vez, trouxe desvios que vão desde os objetivos das políticas públicas à crescente perda da capacidade para importar, à fuga de recursos externos, ao desencadeamento da cadeia produtiva e, até à descabida utilização do poder militar para corrigir as falhas dos regimes de mercados. Neste caso, as leis que disciplinam os mercado tendem a ser substituídas por mecanismos unilaterais que são paradoxais às estruturas de preços, salários e contratos, que disciplinam a interação entre governo, agentes e mercados.

Produção, comercialização, distribuição de ganhos e, inclusive, o relacionamento com outros Estados com objetivos múltiplos de integração e complementaridade econômica, bem como de ações de fortalecimento de alianças para o progresso social tornam-se comprometidos com o distanciamento da liberdade dos capitais e da mobilidade dos recursos produtivos disponíveis, diante da vigência do autoritarismo.

A comunicação estatal na Venezuela é um segmento deveras expressivo e atuante para as dimensões e extratos sócio-econômicos do país. Engloba atualmente 34 empresas de TV, 500 estações de rádios comunitárias, diversos jornais de circulação regional e nacional e pequenas agências de notícias espalhadas pelo território. Trata-se de um notório oligopólio estatal de comunicações capaz de concorrer com o oligopólio privado que vem atuando com regularidade como um partido oposicionista no espaço sua ausência oficial no Parlamento. Observa-se, portanto, um choque de concentrações de mercado de igual significação, porém, com intensidades diferentes, não obstante atuarem em um mesmo espaço com clientelas idênticas e fins também análogos, porém, com mecanismos diferenciados.

Os mecanismos utilizados pelo governo no conflito são a nacionalização, o confisco e o monopólio político que visa o fim dos partidos políticos rivais. Busca-se assim a hegemonia de partido único, representativo do Estado e da revolução que, ao ultrapassar as fronteiras midiáticas, é vista como uma metamorfose à la cubana. Mas, o que se vê, de fato, não é uma revolução contra o capitalismo ou contra qualquer outro sistema ou regimes de mercado, mas apenas uma revolução midiática contra o desmanche de conquistas parciais num quadro social instável, onde as possibilidades de retorno ou de correção de curso estão cada dia mais distantes da realidade atual.

Ainda que não sejam distintos os hemisférios político e econômico na crise venezuelana, governo e mercado disputam suas respectivas hegemonias; decretos e mecanismos de preços contrapõem-se em espaços diminutos e em momentos nada oportunos. As perdas não são recíprocas, mas o povo é o maior perdedor. Cada agente age à sua maneira. O Estado com o poder de polícia, a intimidação e tentativas de descaracterização das instituições nacionais. O mercado, com a escassez, aumento geral dos preços domésticos e queda do bem-estar geral. Em ambas as situações prevalece a identidade do agente responsável em disputas silenciosas, onde cada qual busca a liderança, independentemente de mecanismos e objetivos.

O Estado e o mercado são exclusivos. A exemplo do que ocorreu no Leste europeu, Estado não deve substituir o mercado e este não deve, ainda que de maneira temporária, assumir funções estatais, como se pretende na Venezuela, onde nem o Estado e nem o mercado têm perfis definidos. O que se vislumbra é um jogo de intervenções de agentes contra agentes e de agentes contra consumidores e, em alguns casos, com convocações das Forças Armadas para garantir o abastecimento interno. Isso, sem qualquer sombra de dúvida é um atestado de indefinição de regime político, totalmente aleatório e agressivo ao clima reinante no MERCOSUL. Por outro lado, um leitmotiv aos agentes internacionais redirecionarem seus capitais compensatórios para outras praças captadoras, com sérios prejuízos para os programas sociais em vigor, além da manutenção da atual infra-estrutura básica que, há tempos, já emite sinais de deterioração. Em resumo, são primárias as características bolivarianas.

O atual nível de deterioração político-econômica que caracteriza o Estado venezuelano o coloca num prisma indefinido: nem capitalista, nem socialista e ainda um tanto longe de ser considerado politicamente organizado para ser visto como detentor de instituições democráticas. Trata-se de um Estado híbrido, um mix de autoritarismo – dependente de relações de intercâmbio nem sempre favoráveis – e de instituições compostas de forças minoritárias, sem expressão política, ou seja, forças autárquicas que internamente se limitam – independentemente da representatividade – a sempre referendar um processo decisório unilateral. Essa esfera de poder, entretanto, quando contrariada, provoca mutações na imagem representativa do Estado, fazendo prevalecer sempre o que mais representa o autoritarismo político sem a devida contrapartida conciliadora no âmbito interno, ou diplomática, com ênfase, na ótica externa.

Estaria, de fato, o atual Estado venezuelano sob a governabilidade de Chávez apto para ingressar no MERCOSUL, mantendo-se, a exemplo dos demais parceiros, sob a esfera democrática? O bloco arcaria com a responsabilidade de manter em seus limites um regime não democrático, assimétrico e comprometedor das instituições livres e mantenedoras de decisões políticas comuns ao bloco, com possibilidades de rupturas? Tais questionamentos retratam um elenco coletivo de preocupações, mantidas pelos responsáveis pela trajetória, há tempos, assumida pelo MERCOSUL.

Numa visão estritamente política e racional, o problema não parece ser a Venezuela, mas sim, a governabilidade de Chávez que tende a diferenciar-se, cada vez mais, da dos demais parceiros, limitando os avanços já alcançados para a integração política, econômica do bloco. Em uma etapa posterior, porém não conclusiva – com uma possível anuência extra-bloco e participação majoritária do Brasil – a integração energética do bloco poderia se tornar em uma utopia, apenas adicional ao elenco bolivariano de idéias, cada vez menos contributivo à política latino-americana.

O Protocolo de Ushuaia, parte integrante do Tratado de Assunção (1991), que criou MERCOSUL, destaca que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o implementação das ações de integração do bloco. Em caso de descumprimento das cláusulas democráticas, um país pode sofrer retaliação. O que se pode observar atualmente, é que a Venezuela se apresenta como uma democracia formal, com um governo autoritário, o que torna a sua governabilidade além de dual, híbrida em termos de representatividade, no concerto internacional.

A inserção da Venezuela no MERCOSUL numa situação de normalidade democrática, o bloco poderia sair ganhando politicamente, pois se tornaria mais coeso, mais consistente, tendo em vista a extensão da identidade geopolítica entre os demais parceiros. Entretanto, a rivalidade entre a Venezuela e a Colômbia e os EUA, além do aliciamento da Bolívia e do Equador, poderiam neutralizar as demais vantagens naturais de coesão, ao serem vistas apenas como fortes possibilidades de aumento de influência de Chávez na região. Também, bases para novos cânones disciplinadores do relacionamento comercial na região, acima de tudo, contestatórios à política externa dos EUA.

Mantido o discurso antiamericano de Chávez, sua contrapartida poderia, além de prejudicar as relações do bloco com os EUA e áreas de influência, postergar o desejado acordo de livre comércio entre o MERCOSUL e a UE. Negociações multilaterais antecipadas – vistas como preparatórias – seriam propícias e oportunas nessa fase de adormecimento da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) e de letargia da ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e UNASUL (União de Nações Sul-Americanas). Seus efeitos poderiam salvaguardar os países do MERCOSUL da forma concorrencial distinta entre as tendências desses blocos – capaz de restringir externalidades advindas do progresso técnico do comércio internacional, ainda que crescentes, dispersas na região.

A entrada da Venezuela no MERCOSUL – mantendo-se o clima ideológico apregoado por Chávez – poderia se tornar numa arena para novos confrontos dogmáticos que certamente poderiam conduzir os representantes a exacerbações substitutivas dos debates econômicos, com sérios prejuízos aos países-membros.

A posse de grandes reservas petrolíferas e a localização estratégica na Bacia Amazônica, além das da ampliação de possibilidades de integração política e geoeconômica da América Latina, poderiam, em situação regular de governabilidade, creditar à Venezuela uma séria contribuição ao MERCOSUL, mediante a aproximação de novas fronteiras naturais, da incorporação de novos espaços políticos e de mercado para os países que o integram.

Existe ainda a possibilidade da entrance ser utilizada como mecanismo de defesa da candidatura da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU, além de se tornar subsídio para a ALCA e ALBA, onde os horizontes não ultrapassam as fronteiras das limitações naturais e demonstram o encolhimento de perspectivas contributivas do novo parceiro, cujos projetos econômicos não vão além dos da sobrevivência política.

Em síntese pode-se admitir que o socialismo para o século XXI proposto por Chávez – que agora insiste em representar o papel de um connétable bolivarien du Sud – deverá ser transferido para outra centúria temporal, não obstante o alargamento político da Venezuela no concerto externo, porém, com paradigmas sob questionamentos de outras nações politicamente organizadas.

José Ribeiro Machado Neto é pesquisador colaborador e coordenador de extensão e ensino do Centro Integrado de Ordenamento Territorial (CIORD), da Universidade de Brasília – UnB (jrmn1789@gmail.com).

Boletim de Relações Internacionais da UNB
Maridiano 47

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