terça-feira, 3 de novembro de 2009

Vida nova no litoral

Vida nova no litoral

Comunidades do litoral norte baiano se organizam para conseguir melhores condições de vida

Texto: Dimas Marques

Mulheres do Sauípe desenvolvem o artesanato de piaçava e trabalham no sistema de cooperativa

Até recentemente, os vilarejos costeiros dos municípios de Entre Rios e Mata de São João, na Costa do Sauípe, litoral norte da Bahia, tinham menos de 2 mil moradores, quase todos envolvidos em atividades de subsistência. A construção de um dos maiores polos de turismo, lazer e negócios da América do Sul veio modificar essa realidade. Hoje, a região tem uma população de 7 mil pessoas. Para vencer os desafios que a implantação do complexo hoteleiro trouxe, foi feito um significativo investimento social em quatro cadeiras produtivas – pesca, artesanato, reciclagem e agroecologia – a partir de recursos da Fundação Banco do Brasil e de seus parceiros. Dessa forma, a comunidade local conseguiu desenvolver a produção e a comercialização de peças de artesanato de piaçava, peixes, alimentos e a utilização dos resíduos sólidos provenientes da reciclagem, tendo o próprio conjunto hoteleiro como principal cliente e parceiro.

Artesãs de piaçava

A baiana Eloína Soares dos Santos, mais conhecida como tia Loia, de 61 anos, se define como uma artesã profissional. E toda vez que alguém a apresenta assim, a simpática senhora abre um sorriso e, orgulhosa, deixa a timidez de lado para contar como a habilidade de trançar fibras de palmeira piaçava trouxe mudanças à sua vida nos últimos anos. “Meu sustento hoje depende da produção de bolsas, esteiras e cestos”, conta, enquanto executa seu trabalho, acomodada em uma cadeira baixa na frente da Associação de Artesãos do Porto de Sauípe (Apsa), entidade que reúne 35 profissionais do vilarejo situado no município de Entre Rios, no litoral norte da Bahia.

Nas comunidades da região, mais conhecida no resto do Brasil pelos seus resorts turísticos, as mulheres sempre fizeram chapéus, bolsas e tapetes de piaçava, uma palmeira endêmica no estado. Por sua vez, os homens saíam para enfrentar o mar em suas pequenas embarcações atrás do pescado. Mas, apesar dessas duas atividades serem tradicionais e muito respeitadas, eram economicamente insuficientes. As peças simples das artesãs eram vendidas ocasionalmente pelas ruas por um preço mínimo. A situação mudou há cinco anos, quando a associação foi integrada ao Programa Berimbau, projeto que tem por objetivo oferecer melhores condições de vida aos 6 mil moradores de comunidades vizinhas do empreendimento Costa do Sauípe, localizado a 70 quilômetros de Salvador.

As artesãs da comunidade fizeram cursos de design com técnicos do Sebrae, mas mantiveram as características originais do trançado. A associação ganhou sede com loja e o direito de vender seus produtos no complexo hoteleiro. As bolsas, que frequentemente saíam por apenas R$1, hoje não são comercializados por menos de R$ 25. Em janeiro de 2009, a Apsa uniu-se a outras cinco associações de artesanato com piaçava da região, oficializando a criação de uma cooperativa para chegar aos mercados de várias capitais, como São Paulo, Rio, Salvador e Porto Alegre. “A ideia é evitar a concorrência entre nós e ganhar força para negociar com comerciantes de todos os estados”, conta Maria Joelma Bispo Silva, presidente da entidade. Tia Loia e as outras artesãs estão felizes com o resultado. “Não tenho aposentadoria e vivo sozinha”, comenta. “Os R$ 300 que recebo por mês aqui são tudo para mim.”

Usina de reciclagem

A proposta do Berimbau, desde o princípio, foi reduzir os efeitos da exclusão social na região da Costa do Sauípe e gerar educação, emprego e renda a uma população que, na sua maioria, vivia abaixo da linha de pobreza. Um dos primeiros projetos foi a criação de uma usina de compostagem, a partir do lixo dos resorts e pousadas do complexo do Sauípe, para a produção de adubo orgânico. Além de ser uma alternativa de preservação ambiental, já que não utiliza áreas a céu aberto e não gera cheiro, a usina fornece adubo orgânico para os pequenos agricultores da região, que também se organizaram.

A cooperativa Verdecoop dos recicladores, que começou com 20 pessoas com um ganho de meio salário mínimo, conta hoje com 43 filiados, recebendo entre R$ 400 e R$ 700 mensais. “Setenta por cento de nossos filiados estavam desempregados quando começamos”, lembra o coordenador-geral Nildo José Lima da Silva.

Atualmente, a produção de adubo divide espaço com a coleta e envio para reciclagem de plásticos, papéis, metais, vidro, óleo de cozinha, além de um setor que atua na limpeza de eventos, como shows promovidos pelos hotéis. “O trabalho aqui é bastante duro, mas hoje eu sei o quanto vou ganhar no fim do mês e posso planejar a minha vida”, afirma Luciene Alves Batista, que antes de trabalhar na usina não tinha emprego regular para sustentar os dois filhos.

Segundo o coordenador do Berimbau, Beraldo Boaventura, a organização de artesãs, pescadores, pequenos agricultores e recicladores da usina se expande com projetos que não estão integrados ao programa, como a rádio comunitária, associações de bairro e produtores rurais. Entre eles, a Escola Meninos do Porto, em Porto do Sauípe, que atende 100 crianças com idades entre 3 e 6 anos, em aulas ministradas em dois turnos. Em setembro de 2008, 16 entidades criaram o Fórum de Ação Comunitária, destinado a promover as iniciativas da região. A experiência dá frutos e reduz a dependência das localidades em relação ao mercado de trabalho turístico, estimulando o surgimento de novas atividades e o desenvolvimento sustentável. “Nossa intenção é encontrar as potencialidades naturais da comunidade para assim ajudar os moradores a ganhar autonomia para caminhar com as próprias pernas”, afirma Boaventura.

Agroecologia

A atividade dos recicladores de Entre Rios acabou se integrando ao trabalho dos pequenos produtores da região. Parte da produção de adubo é vendida para os agricultores, enquanto uma fração é fornecida para os 44 proprietários participantes do Pais (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável), tecnologia em sistema de anéis, destinada a cultivos diferentes e complementares. O centro é utilizado para a criação avícola, cujo esterco também serve como adubo. Com esse modelo, adotado nos projetos do Berimbau, os agricultores familiares vendem hortaliças (sem agrotóxicos) para o complexo hoteleiro por meio de uma cooperativa – a Coopevales – e comercializam o resto da produção de frangos, frutas e verduras por conta própria.
Só assim, produtores como Jucelino Barbosa dos Santos, que dificilmente tinham como tirar o sustento de sua propriedade, conseguem sobreviver. “Vivia de bicos, na terra dos outros e hoje tenho certeza de ter comida em casa e mais o que consigo vender para os vizinhos”, conta.

Revista Horizonte Geográfico

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos