sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Relação Estratégica Brasil-França: Questões a serem respondidas


por Gunther Rudzit & Oto Nagami

A questão acerca das compras de equipamento militar por parte do governo brasileiro esteve em evidência nas últimas semanas. Muitas discussões surgiram sobre o processo de seleção dos novos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB) dentro do programa FX2, com as atenções voltadas, principalmente, sobre a relação que se estabelece entre Brasil e França a partir da quase certa aquisição do avião francês. Apesar do destaque para a área militar, faz-se necessário uma rápida análise sobre outros aspectos dessa aproximação para que se possa avaliar se ela tem possibilidade de se concretizar.

Em vários pronunciamentos e entrevistas, tanto do lado brasileiro quanto do francês, a expressão relacionamento estratégico entre Brasil e França foi muito utilizada, inclusive pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PRESIDÊNCIA, 2009). A mensagem que se procurou dar foi de que as relações entre os dois países não estão ligadas somente à área militar, mas em muitas outras, principalmente a econômica. Dias antes da recente visita do presidente Nicolas Sarkozy ao Brasil pelo dia da nossa independência, o conselheiro diplomático do governo francês, Jean-David Lévite, ressaltou o interesse de expandir as relações em outras áreas além da militar (OLIVEIRA e BRAMATTI, 2009).

Após o desfile e negociações em Brasília, a ministra da economia francesa, Christine Lagarde, foi a São Paulo para aprofundar os contatos econômicos. Em entrevista a ministra também destacou que os dois presidentes têm clareza da natureza estratégica da relação entre França e Brasil (ESTADO, 09/07/09). Neste mesmo dia, em palestra proferida na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), disse que seu país apoiava todas as reivindicações brasileiras nos fóruns multilaterais. Por conseguinte, faz-se necessário uma rápida análise acerca dos pleitos brasileiros e como o governo francês poderá, ou se pode mesmo, influenciar nas decisões.

Um primeiro tema que foi bastante destacado no Brasil foi o apoio da França à candidatura do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016 (FRANCO, 2009). Apesar deste tema ter se transformado em uma questão política entre as cidades candidatas pode-se dizer que se tornou em uma questão de orgulho nacional no Brasil. O processo de decisão da escolha das sedes dos jogos olímpicos é tomada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), que não tem representantes dos governos dentre seus membros, já que é uma organização não-governamental (IOC, 2008). Os critérios que são analisados no processo de escolha são técnicos e não políticos, fazendo com que uma vitória carioca não se dará devido à explicitação desta opinião por parte do governo francês.

O segundo pleito brasileiro mencionado na visita de Sarkozy é em relação ao assento permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU). Apesar de ser um antigo desejo da diplomacia brasileira, foi no governo Luiz Inácio Lula da Silva que o tema se tornou uma questão central para a nossa política externa, sendo tema de comunicados em todas as viagens internacionais que o presidente Lula fez em seus dois mandatos. Não foram poucos os governos que anunciaram apoio à reivindicação brasileira, tanto que até a administração George W. Bush emitiu comentário favorável. Assim, a decisão comunicada em Brasília pelo presidente francês somente engrossa essa lista, mas falta esclarecer como a França conseguirá este feito.

O tema da reforma do Conselho de Segurança está sendo cogitada e discutida há quase dez anos. No final de fevereiro do ano passado a Assembléia Geral das Nações Unidas (AGONU) adotou uma resolução estabelecendo um cronograma para o início das negociações para o aumento de assentos permanentes no Conselho de Segurança, mas sem definir um limite para seu fim (UN, 2009). Tendo em vista a postura negativa pré existente do governo da República Popular da China pela inclusão do Japão neste foro, é questionável a capacidade francesa de conseguir reverter tal postura. Conseqüentemente, a declaração de apoio à reivindicação brasileira precisará superar obstáculos muito grandes.

O terceiro pleito brasileiro ganhou força a partir de setembro de 2008 quando estourou a crise financeira. A rápida relevância que o Grupo dos 20 (G-20) passou a ter desde então tem se tornado peça fundamental para a diplomacia econômica do Brasil, já que em sua última reunião em abril deste ano os líderes políticos aceitaram a necessidade de mudança na distribuição e na redistribuição das cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Essa mudança é considerada essencial para que o processo de decisão destes dois organismos multilaterais reflita a nova realidade econômica internacional.

Atualmente a distribuição está dividida em 57% para os países desenvolvidos e 43% para os países em desenvolvimento, e há uma proposta de dividir igualmente as duas partes. Para isso, haverá necessariamente a perda de poder decisório por parte de alguns Estados que hoje poderiam ser considerados como “sobrerepresentados” neste processo, já que suas economias não estão mais entre as maiores do mundo (MILANESE, 2009). Há indicações que o governo norte-americano apóia esta mudança, e que ela seja nos votos europeus, como por exemplo, em relação Holanda e Suíça. Diante desta realidade, é de se questionar se o governo francês irá apoiar o pleito do Brasil em conjunto com os BRIC (sigla das inicias de Brasil, Rússia, Índia e China) e ir contra governos membros da União Européia (UE).

O quarto e último tema que é muito caro à diplomacia brasileira e está relacionado ao fim do subsídio agrícola. Este assunto é central ao Itamaraty há muitos anos, mas ganhou peso na política externa brasileira a partir do governo Lula que definiu como de fundamental importância ao interesse nacional a negociação da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). A partir deste ponto de vista, o caminho lógico realmente é o de buscar a eliminação dessa prática financeira no âmbito multilateral do comércio internacional, mas que, após oito anos de negociações não foi concluída.

A postura francesa nesta área é oposta à brasileira. O programa de subsídio agrícola da União Européia tem sido um dos focos de ataque da diplomacia brasileira, sendo que o Estado com maior parcela dentro deste programa é justamente a França, que reiteradas vezes se colocou contrária à diminuição dos subsídios. Tanto que, em sua entrevista a um jornal paulistano, a ministra Christine Lagarde afirmou que os governos francês e brasileiro irão defender juntos o protecionismo, mas somente se referiu à questão do subsídio de forma muito vaga, afirmando que “devemos torcer para que os líderes resolvam esses problemas” (OLIVEIRA e BRAMATTI, 2009).

Essas questões são muito importantes para o futuro brasileiro. Com as decisões tomadas recentemente, o relacionamento entre os dois países ficará entrelaçado enquanto o Brasil utilizar os equipamentos franceses, ou seja, ao redor de 35 anos. Entretanto, somente poderemos chamar essa relação de estratégica se a mesma for além da área militar. Caso contrário, será pura e simplesmente uma transação comercial no âmbito militar com respaldo político.

Referência Bibliográfica:
ESTADO, Agência. (2009) ”França quer parceria nas áreas nuclear e espacial com Brasil”. Disponível em [http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,franca-quer-parceria-nas-areas-nuclear-e-espacial-com-brasil,430389,0.htm]. Acesso em 10/09/09.
FRANCO, Bernardo Mello. (2009) “Sarkozy diz que apóia candidatura do Rio para sediar Olimpíadas de 2016.” Disponível em [http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/rio/rio2016/mat/2009/09/07/sarkozy-diz-que-apoia-candidatura-do-rio-para-sediar-olimpiadas-de-2016-767510165.asp]. Acesso em 10/09/09.
IOC. International Olympic Committee. (2008) “Factsheet. Host city election facts and figures.” Disponível em [http://multimedia.olympic.org/pdf/en_report_1191.pdf]. Acesso em 10/09/09.
MILANESE, Daniele. (2009) “É cedo para declarar fim da crise”. O Estado de São Paulo, Jornal O Estado de São Paulo, Economia & Negócios, p.B4, 05/09/2009.
OLIVEIRA, Clarisse e BRAMATTI, Daniel (2009). “França está mais perto do Brasil que EUA.” Jornal O Estado de São Paulo, Nacional, p.A9, 09/09/2009.
PRESIDÊNCIA, Governo Brasileiro (2009). “Entrevista conjunta presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e da França Nicloas Sarkozy”. Disponível em [HTTP://www.planalto.gov.br/exec/inf_entrevistadata.cfm] . Acesso em 10/09/09.
UN, Radio Nações Unidas. (16/09/2008). “Reforma do Conselho de Segurança terá Cronograma”. Disponível em: [http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/151163.html]. Acesso em: 10/09/09.
Gunther Rudzit é Doutor em Ciência Política pela USP. Coordenador do curso de Relações Internacionais da FAAP- SP, Professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e do MBA do IBMEC-SP (grudzit@yahoo.com).

Otto Nogami é Mestre em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutorando em Engenharia pela Universidade de São Paulo – USP. Professor do IBMEC-SP (OttoN@isp.edu.br).

Meridiano 47

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