segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A força que vem dos moinhos de vento


A força que vem dos moinhos de vento

Eletricidade produzida em usinas eólicas pode ajudar a suprir necessidades do país

HENRIQUE OSTRONOFF
Um combustível para a produção de energia que tem custo zero, não emite dióxido de carbono (CO2) na atmosfera durante seu processamento e está disponível em grande quantidade no Brasil. Não, não é sonho nem fantasia de um futuro ideal, e muito menos um projeto a ser desenvolvido nas próximas gerações. É apenas vento, a força do ar em deslocamento, que gera energia elétrica em grandes quantidades em diversos países e pode vir a suprir, em alguns anos, uma parcela significativa das necessidades energéticas nacionais.

O Brasil tem um potencial de produção de energia por meio dos ventos, ou éolica, avaliado em 143 GW. Esse dado aparece no Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, um estudo feito pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), órgão ligado ao sistema Eletrobrás e vinculado ao Ministério das Minas e Energia (MME). Hoje, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), são produzidos 101,6 GW de eletricidade no país, a quase totalidade por meio de hidrelétricas.

Os números indicam, portanto, que a potencialidade da energia eólica é de quase uma vez e meia o que se produz atualmente de eletricidade no Brasil. Essa relação tem tudo para ser ainda maior, já que o Atlas, publicado em 2001, traz dados tidos por especialistas como conservadores e desatualizados. Não foram incluídas áreas cobertas por água, como o mar, um ambiente que tem sido utilizado em outros países. A Dinamarca mantém uma usina eólica com 80 torres de 110 metros de altura a 20 quilômetros da costa, com capacidade para fornecer eletricidade a uma cidade de 150 mil habitantes.

Para o cálculo apresentado, o estudo do Cepel considerou turbinas eólicas instaladas a uma altura de 50 metros e velocidade do vento de 7 metros por segundo ou mais. No entanto, hoje já são comuns torres entre 70 metros e 100 metros, altitude na qual os ventos podem ser mais intensos. Além de se produzir mais energia, seria possível incluir dessa forma locais descartados pelo estudo devido à amenidade dos ventos. Soma-se a isso o fato de que, com o desenvolvimento da tecnologia dos aerogeradores, muitas usinas funcionam com velocidades de vento um poucos inferiores ao índice mínimo estabelecido pelo Atlas.

De todo esse potencial, o Brasil tem se aproveitado muito pouco. Dos 101,6 GW da energia elétrica produzida no país, as usinas eólicas contribuem com cerca de 0,247 GW, ou 0,24% do total. É uma situação muito diferente da que se verifica em países comparados ao nosso dentro da classificação de "potências emergentes" e, principalmente, entre nações desenvolvidas.

Investimentos em alta

De acordo com o Conselho Global de Energia Eólica, ou Global Wind Energy Council (GWEC), organismo internacional que reúne entidades e empresas relacionadas a essa energia, a Alemanha é o maior produtor de eletricidade por meio dos ventos, com 22,35 GW, o que representa 23,7% do total mundial, seguida dos Estados Unidos, com 16,82 GW, e Espanha, com 15,15 GW. Na seqüência, exibindo números mais discretos, aparecem Índia, com 7,85 GW, China, com 5,9 GW, e Dinamarca, com 3,13 GW.

Segundo o relatório Tendências Globais de Investimentos em Energias Sustentáveis 2008, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), dos US$ 148 bilhões de investimentos globais na produção de energia renovável realizados em 2007, a maior parcela dos recursos – US$ 50,2 bilhões – foi direcionada para a geração de energia eólica. Esse montante foi maior do que os destinados a outras energias não-fósseis e a centrais nucleares em todo o mundo. Com isso, "nos EUA e na Europa, o aumento da capacidade eólica em 2007 foi de 30% e 40%, respectivamente. A capacidade instalada global ultrapassou 100 GW em março de 2008". O relatório do Pnuma informa ainda que a China, em 2007, dobrou sua capacidade de geração eólica, e a Índia, só no ano passado, adicionou 1,7 GW a seu parque, o que colocou o país na quarta posição entre os maiores produtores.

Um fato que pode mostrar de forma clara a disposição de alguns países de incluir a energia éolica em sua matriz energética se deu neste ano. Na Espanha, esse tipo de geração bateu um recorde: no dia 16 de janeiro, às 15h27, respondeu por 9,6 GW, ou 25% da demanda do país, ficando à frente da nuclear, com 16%, e da térmica a carvão, com 15%.

Os investimentos nessa área são altos e devem se manter em crescimento, segundo a BTM Consult. A empresa dinamarquesa de consultoria afirma que em 2007 ocorreu o maior aumento da capacidade de produção de energia eólica da história, com novos 19,8 GW instalados. Nos últimos cinco anos, o crescimento médio anual foi de 22,3%. A partir de investimentos que devem totalizar, durante os próximos cinco anos, cerca de US$ 300 bilhões, calcula-se que a produção mundial chegue a 287 GW já em 2012. E deverá passar de 1%, em 2007, para 2,7% em 2012, de toda a energia elétrica consumida no planeta, de acordo também com a BTM Consult.

Diante desse quadro, pode-se perguntar o porquê do crescente interesse, acompanhado de altos investimentos, em energia eólica em todo o mundo. Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace, explica que essa modalidade não está sozinha em termos de fontes renováveis. Alternativas como a energia solar, de biomassa e geotérmica também são importantes. Neste momento, porém, a modalidade eólica se apresenta como a mais adequada, segundo ele, porque enquanto as usinas que utilizam raios solares produzem energia em pequena escala e são normalmente descentralizadas, as que aproveitam os ventos podem atingir potencial de geração de eletricidade em escala quase equivalente à das centrais nucleares e termelétricas. Além disso, "a eólica não tem custo de combustível e não está vulnerável a pressões políticas e econômicas, como é o caso do gás natural e do petróleo, que tiveram enorme alta recentemente", acrescenta Baitelo.

Fonte complementar

No caso do Brasil, que hoje tem a maior parte de sua energia elétrica gerada por fontes renováveis – cerca de 70% por hidrelétricas, 4% por biomassa e 0,2% por ventos, segundo a Aneel –, pode-se perguntar que vantagens os investimentos em energia eólica poderiam trazer. A potencialidade dos rios do país é uma das maiores do planeta e tem sido a preferida historicamente para a geração de eletricidade. Também, devido ao desenvolvimento do etanol, o bagaço de cana é uma fonte importante para a produção de energia por meio de biomassa.

Ainda segundo Baitelo, apesar de o Brasil dispor de energia limpa, a modalidade eólica pode ter uma grande participação por evitar que nossa matriz se torne mais poluente. "Essa é a tendência atual, porque se está observando maior facilidade em viabilizar termelétricas do que hidrelétricas. Basta ver os exemplos das usinas do rio Madeira [em Rondônia] e de Belo Monte [no rio Xingu, no Pará, que tem enfrentado dificuldades para obter licença ambiental], os problemas sociais, a questão do rio, dos peixes. Não está nada fácil conseguir viabilizar hidrelétricas." E acrescenta: "O que se vê no horizonte é que, daqui a 20 ou 30 anos, o Brasil poderia ter uma matriz mais suja que a de hoje, e a idéia é evitar que isso aconteça".

O presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Lauro Fiuza, afirma que uma das grandes vantagens da geração de eletricidade por meio dos ventos no Brasil é que ela pode servir como fonte complementar à modalidade hidrelétrica. Isso se evidencia principalmente no nordeste, onde durante os períodos de seca do segundo semestre os ventos são mais favoráveis à produção de energia eólica, ao contrário dos primeiros seis meses do ano, quando as chuvas mais freqüentes podem manter os reservatórios das hidrelétricas em níveis adequados a seu funcionamento. Dessa forma, se economizariam as reservas hídricas. Fiuza lembra ainda que, à medida que a exploração do potencial hídrico do Brasil se desloca para o norte do país, as distâncias ficam cada vez maiores para a transmissão de energia para os centros consumidores da costa leste.

Soma-se a isso o fato de que "indo para a Amazônia, os problemas ambientais [causados pelas hidrelétricas] são muito grandes. A resistência à construção de reservatórios aumentou, o que torna os processos mais demorados". O presidente da Abeeólica explica que por esse motivo foi preciso abrir mão de barragens altas e de grandes represas, as maiores causadoras de danos ao meio ambiente. Tornou-se necessário, então, adotar a tecnologia de "fio d’água", que utiliza o próprio fluxo dos rios para movimentar as turbinas das usinas. Esse método evita que se alaguem grandes áreas, mas diminui a capacidade de geração energética. Com isso, diz Fiuza, "no período das secas, quando os rios têm o volume diminuído, é preciso compensar a geração com térmicas alimentadas com óleo diesel, carvão ou gás". O problema é que esses combustíveis, além de poluírem, são caros.

Questão de preço

Um dos argumentos mais utilizados pelos críticos à adoção da energia eólica é exatamente seu alto preço. Lauro Fiuza contesta: "O mito de que a modalidade eólica é cara depende do contexto. As térmicas a óleo combustível e diesel são três vezes mais dispendiosas". Ele lembra o "apagão" de energia de 2001, provocado pela escassez de chuva que se observou naquele ano. "Para resolver um problema pontual, foram abertas licitações e encheram o país de termelétricas a óleo diesel para funcionar durante períodos curtos", ou seja, quando as hidrelétricas não dessem conta de suprir as necessidades do país. E completa: "A energia eólica é mais cara que a hidrelétrica, mas o Brasil teve de recorrer durante cinco meses deste semestre a 4 GW de geração térmica".

Outro fator que encarece a energia eólica é a falta de concorrência no mercado brasileiro, uma vez que seu custo provém basicamente dos estudos de viabilidade técnica – entre os quais medições de qualidade e constância dos ventos –, da aquisição e instalação do aerogerador – formado basicamente pelas pás, conjunto de engrenagens, gerador, controles eletrônicos e torre – e da montagem da infra-estrutura das usinas.

Até bem pouco tempo atrás havia apenas uma empresa, alemã, dedicada à fabricação de aerogeradores no país. Em agosto deste ano foi inaugurada no nordeste a Impsa, de origem argentina. De acordo com Lauro Fiuza, essa situação faz com que o preço de implantação das usinas se torne alto. Além disso, a falta de uma política de governo que garanta a presença da energia eólica na matriz nacional tem feito com que outras empresas do setor não arrisquem instalar-se por aqui. Como conseqüência, não se forma uma cadeia nacional de produção, o que poderia baixar consideravelmente o preço dos equipamentos. Isso acontece mesmo havendo no Brasil uma indústria capacitada para fornecer componentes de aerogeradores. Uma das maiores produtoras mundiais de pás de turbinas eólicas, a Tecsis, está sediada em Sorocaba (SP). E 45% dos componentes dos geradores da General Electric fabricados nos Estados Unidos são de origem brasileira.

Eduardo Leonetti Lopes, gerente de desenvolvimento de negócios da Wobben Windpower, indústria de aerogeradores instalada em Sorocaba e subsidiária da alemã Enercon, uma das maiores fabricantes do mundo, levanta outra questão: "Na comparação com uma hidrelétrica, é preciso considerar também o custo ambiental. No caso da energia eólica, não se prejudica a região onde está se implantando o projeto. Às vezes ele até traz benefícios, pois quando se instala uma usina eólica a atividade local é mantida. Se lá existe uma zona de pasto ou de plantio, ela continua servindo para essas finalidades e, normalmente, ainda agrega um rendimento ao proprietário que arrenda o lugar. Então, não é preciso comprar o terreno ou desabilitá-lo. Uma hidrelétrica de grande porte, quando forma o reservatório, vai inutilizar grandes extensões de terra, que poderiam ser produtivas". Além disso, em muitos casos os moradores precisam ser removidos das áreas que serão alagadas."Quando se comparam os custos, em geral esses fatores não são computados", conclui Leonetti.

Mudanças de rumo

Apesar de, como diz Lauro Fiuza, permanecer no país o mito da energia eólica cara, o presidente da Abeeólica acredita em uma mudança de mentalidade, principalmente por parte do governo federal, instância que traça a política energética do Brasil.

O primeiro passo foi dado em 2002, com o lançamento do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) pelo MME. O programa estabeleceu a contratação de 3,3 GW de energia a ser integrados ao Sistema Interligado Nacional (SIN), sendo 1,1 GW para cada uma das fontes – eólica, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Como houve pequena procura pelas empresas de energia para investimentos em biomassa, a eólica passou a 1,4 GW, a ser produzido por 54 usinas.

O Proinfa forneceu aos empreendedores financiamento em condições especiais, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de até 70% do investimento, com juros baixos. Os contratos têm duração de 20 anos. O programa, apesar de ter incrementado o desenvolvimento da energia eólica, tem dados resultados abaixo do esperado. De acordo com dados da Eletrobrás divulgados em maio deste ano, apenas seis usinas criadas a partir do programa haviam entrado em operação, gerando 0,22 GW, e 18 encontravam-se em construção, as quais acrescentarão mais 0,21 GW. Juntas elas somam cerca de 30% dos 1,4 GW contratados. Dessas seis usinas já em funcionamento, três localizam-se no Rio Grande do Sul – uma delas é a de Osório, que complementa o maior parque eólico do Brasil, com capacidade para gerar 0,15 GW – e uma em Santa Catarina. As outras duas estão no Rio Grande do Norte e na Paraíba, na costa nordestina, a região com o maior potencial para a geração de eletricidade pelo vento.

O programa de incentivo do governo federal tem recebido críticas. Como explica o coordenador do Greenpeace, Ricardo Baitelo, "o Proinfa tentou desenvolver uma indústria que ainda não existia. Estabeleceu um índice de nacionalização para a energia éolica, em que o mínimo de 60% dos equipamentos precisam ser nacionais, além de ter fixado uma cota para contratação. Tudo isso impediu a entrada de outras indústrias, de outros competidores. Segundo os fabricantes, estipular 1,4 GW não foi nenhum sinal positivo para a eólica. Não se pode limitar a tal ponto".

A continuidade de programas de incentivo à geração de eletricidade por meio de fontes renováveis está sendo articulada. No Congresso, parlamentares apresentaram nos últimos anos projetos de lei que buscam ampliar a participação de fontes limpas na matriz energética nacional. Uma dessas propostas, apresentada pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em 2007, defende a ampliação dos incentivos a fontes renováveis. Entre as idéias está a de que as energias eólica, de biomassa e de PCHs cheguem a constituir 15% da matriz elétrica nacional. Além disso, seria instituída a produção descentralizada, com fontes de até 1.000 kW, que poderiam ou não estar conectadas ao Sistema Interligado Nacional. Segundo o deputado, o projeto de lei está sendo analisado por uma comissão especial da Câmara e o debate final deverá ocorrer no início de 2009. Quanto ao sucesso de sua proposta, Paulo Teixeira acredita que, a partir de diálogos que vem mantendo com o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, e com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, "finalmente estão compreendendo que chegou o momento de a energia eólica ter uma política mais intensa". Tanto que, segundo ele, o MME já estuda a compra de novas cotas de energia eólica. O fato foi confirmado em evento realizado em junho de 2008, quando o ministro Lobão fez o anúncio de que o MME realizará leilões específicos para a energia eólica no segundo semestre de 2009, embora não tenha especificado o volume a ser negociado.
nov/dez 2008

Revista Problemas Brasileiros

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