domingo, 27 de setembro de 2009

Gripe suína ou gripe do lucro das multinacionais?



José Sant’Anna*

* Economista, assessor da Liderança do Partido Socialista Brasileiro na Câmara dos Deputados.

A epidemia de gripe suína que dia-a-dia ameaça expandir-se por mais regiões do mundo tem suas raízes no sistema de criação industrial de animais dominado pelas grandes empresas transnacionais.
É impressionante que mais uma vez a imprensa não traga os elementos e as causas da sua origem.
No México, as grandes empresas de criação de aves e suínos têm proliferado devido ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Um exemplo é a granja Carroll, em Veracruz, propriedade da Smithfield Foods, a maior empresa de criação de porcos e processamento de produtos suínos no mundo, com filiais nos EUA, na Europa e na China.
O surto da gripe suína teve início na vila mexicana de La Gloria, Veracruz, onde está localizada uma fazenda de criação de porcos de propriedade da Smithfield através de sua filial Carrol (Carroll Farms), que produz cerca de 950.000 suínos por ano. Por aí se pode ter uma idéia da quantidade de dejetos produzidos.
Os residentes próximos à criação de porcos afirmam que o surto da gripe suína foi causado por contaminações originárias das fazendas localizadas na área e de propriedade das granjas Carroll. Esta grande empresa criadora de porcos na região é produtora de imensas quantidades de dejetos fecais e orgânicos colocados ao ar livre, ao quais atraem moscas que espalham o vírus da gripe suína.

A empresa Granjas Carroll declarou que não é a origem da atual epidemia, alegando que a população tinha uma gripe ‘comum’. Não foram feitas análises para saber exatamente de que vírus se tratava.
O governo mexicano vem afirmando que a gripe suína surgiu de forma inesperada. No entanto, já em 2003 a revista Science Magazine mostrou que ‘o vírus da gripe suína vinha mudando de forma muito rápida’, devido ao uso extensivo de antibióticos nas operações das fazendas-fábricas de porcos e galinhas. As condições de criação dos porcos e galinhas confinados em pequeno espaço e sem condições sanitárias tornam possível o vírus se recombinar e tomar novas formas facilmente.
É importante lembrar que o relatório Pew Commission on Industrial Farm Animal Production (Comissão Pew sobre produção animal industrial), publicado em 2008, concluiu que as condições de criação e confinamento da produção industrial, sobretudo em suínos, criam um ambiente perfeito para a recombinação de vírus de distintas cepas.
Além disso, o relatório mostra o perigo de combinação da gripe aviária e da suína e como finalmente pode se recombinar em vírus que afetem e sejam transmitidos entre humanos. Menciona também que por muitas vias, incluindo a contaminação das águas, o novo vírus pode chegar a localidades longínquas, sem aparente contato direto:

“Embora a transmissão de novos vírus de animais para humanos, como o a gripe suína, não seja frequente, a contínua circulação de vírus e outros patógenos entre animais que vivem em rebanhos confinados aumenta as oportunidades para a geração de novos vírus através da mutação ou recombinação que podem ser transmitidos de humanos para humanos. Esses novos vírus não só constituem risco de contaminação dos trabalhadores e animais como também aumentam os riscos de transmissão para as comunidades onde esses trabalhadores vivem.” 1

Assim, sabe-se há muito tempo que as operações industriais das fazendas de criação de porcos e galinhas são locais propícios para a combinação de vírus e surgimento de novas cepas. A concentração de sujeira, com currais cheios de porcos sujos, doentes e entupidos de antibióticos e uma enorme quantidade de moscas que levam doença para os homens criam um paraíso para as doenças.
No dia 3 de março de 2009, o serviço de saúde local emitiu um alerta de epidemia de gripe com as mesmas características da atual. O jornal La Jornada publicou matéria mostrando que 60% da população estava com gripe, pneumonia ou bronquite. O serviço de saúde federal ignorou o alerta até 5 de abril, quando foram impostas restrições à fazenda. Foi somente em 27 de abril de 2009 que o governo mexicano anunciou oficialmente existência da epidemia da gripe suína, revelando que o primeiro caso foi diagnosticado na vila de La Gloria no dia 2 de abril.
As respostas oficiais diante da crise atual, além de tardias, parecem ignorar as causas reais e mais contundentes. É preciso ter claro que esse fenômeno vai continuar repetindo-se enquanto existam os criadores desses vírus.
Por outro lado, é importante lembrar que, quando a epidemia se espalha e vira pandemia, são também as empresas multinacionais as que mais lucram; as empresas biotecnológicas e farmacêuticas que monopolizam as vacinas e os antivirais. Os únicos antivirais que ainda têm ação contra o novo vírus estão patenteados na maior parte do mundo e são de propriedade de duas grandes empresas farmacêuticas: o Zanamivir, com nome comercial Relenza, comercializado pela GlaxoSmithKline, e o Oseltamivir, cuja marca comercial é Tamiflu, patenteado pela Gilead Sciencies, licenciado de forma exclusiva pela Roche.
Glaxo e Roche são, respectivamente, a segunda e a quarta empresas farmacêuticas em escala mundial. Com a gripe aviária, todas elas lucraram centenas ou milhões de dólares. Com o anúncio da gripe suína, as ações da Roche subiram 4% e as da Glaxo 6%. Isto é somente o começo.
Diante disto, podemos, mais uma vez, sofrer as consequências de um modelo de produção perverso. É preciso que a opinião pública brasileira – claro, se tiver acesso à informação, o que será muito difícil – possa ao menos questionar a origem e a forma de como se produz o que se come. Torna-se necessária uma investigação transparente das fazendas de criação de porcos no México e nos EUA. A população mexicana precisa ser informada a respeito da origem da gripe suína.
Em nível internacional, a expansão do método de criação de porcos e galinhas confinados, tipo fazendas-fábricas, tem que ser controlada. Elas são o berço para pandemias e continuarão a sê-lo a menos que sejam submetidas a controles sanitários rigorosos.
O mundo e o Brasil precisam enfrentar não somente a epidemia da gripe suína, mas também a epidemia do lucro. Nós necessitamos não somente comida mas também sistemas de saúde pública eficientes e que prestem contas para a sociedade.

1 Putting Meat on the Table: Industrial Farm Animal Production in America - A Report of the Pew Commission on Industrial Farm Animal Production, 2008, p. 13.

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