terça-feira, 29 de setembro de 2009

Sobrevivência em regime de bode solto

Rebanhos resistem ao clima adverso da caatinga e garantem sustento da população

ANDRÉ CAMPOS

Caprino: adaptado às condições locais
Foto: André Campos

No semi-árido nordestino, cresce a popularização das cisternas, uma solução simples e barata para captar a água da chuva que cai no telhado das casas. O sanfoneiro, por sua vez, divide hoje espaço com as guitarras do estilo conhecido como "forró eletrônico" – ou "forró de plástico", na definição dos mais puristas. Já o jegue, durante séculos o meio de transporte oficial do sertanejo, cada vez mais é substituído pelas motos. Frequentemente, animais abandonados perambulam pelas estradas, ao deus-dará.

Muita coisa mudou no sertão. Mas há, também, o que luta para permanecer o mesmo. Em meio ao clima seco, que impõe dificuldades à agricultura, o pastoreio tornou-se a base da subsistência de muitos grupos. Assim, comunidades unidas por laços de compadrio e parentesco usam para esse fim áreas não cercadas, consideradas de todos. São terras localizadas atrás das roças das famílias, ao fundo de suas casas: os chamados "fundos de pasto".

Lá os animais se alimentam da própria vegetação nativa. São alguns bovinos, mas também ovelhas e, principalmente, cabras e bodes – preferidos por sua alta resistência às estiagens e boa adaptação ao consumo daquilo que a caatinga provê. Cotidianamente, os animais são soltos pela manhã e recolhidos ao curral no fim do dia, quando um sino amarrado no pescoço de alguns deles – cuja tonalidade específica cada dono sabe reconhecer – ajuda na tarefa de localizar o rebanho. Cortes ou marcações a ferro quente nas orelhas também diferenciam os bichos de cada um. "Dizemos sempre que não somos nós que criamos o bode, mas que é o bode que cria a gente", brinca Maria Izete Lopes, moradora da comunidade de fundo de pasto de Boa Vista, em Campo Alegre de Lourdes (BA). "Fazemos tão pouco por ele, e ele nos dá tanto de volta..."

Comunidades que se organizam em torno dos fundos de pasto estão presentes num amplo espectro de áreas do nordeste – que perpassam, por exemplo, Pernambuco e Piauí. É na Bahia, porém, onde tais grupos têm maior visibilidade. Atualmente, lá existem 487 fundos de pasto identificados pelo governo estadual, espalhados por dezenas de municípios. Usufruem deles cerca de 16 mil famílias, para as quais a garantia de um futuro digno envolve uma questão fundamental: que esses territórios permaneçam como estão, ou seja, considerados terras de ninguém – mas essenciais à perpetuação do modo de vida dessas pessoas.

Arranjo frágil

Em muitos casos, os atuais grupos de fundo de pasto são formados por descendentes de vaqueiros da chamada Civilização do Couro – período que remete aos primórdios da colonização do semiárido, quando se criava gado para fornecer animais de trabalho aos engenhos de açúcar. Por seus serviços, recebiam filhotes como pagamento, arranjo que perdurou até tempos recentes no trato entre trabalhadores de poucas posses e proprietários de rebanhos maiores. "Aqui sempre sobrevivemos assim, tomando conta da criação de um e de outro. De cada quatro bezerros nascidos, a gente ficava com um", lembra Joaquim da Rocha, um dos mais velhos moradores da comunidade de fundo de pasto de Riacho Grande, em Casa Nova (BA).

Os vaqueiros mantinham, além dos bois, cabras, carneiros, porcos e roças de subsistência nas terras dos grandes sesmeiros – que, via de regra, moravam em centros urbanos distantes. Vivendo nesse relativo isolamento e com certa autonomia, seus descendentes formaram comunidades fechadas, onde o pastoreio solto em áreas utilizadas por todos se explica, em grande medida, pela necessidade de socializar a pouca água do sertão. Livres, os animais vão em busca das folhagens verdes e dos açudes naturais formados onde mais choveu.

Além dos vaqueiros, outras populações de origem branca, indígena ou mesmo quilombola geraram povoados do gênero. Essa diversidade étnica, de acordo com Luiz Antonio Ferraro Júnior, pesquisador da Universidade Estadual de Feira de Santana, reflete a realidade atual dos fundos de pasto. "Há tanto comunidades predominantemente negras quanto brancas", atesta ele em sua tese de doutorado, que ressalta ainda a prevalência da mestiçagem na maioria delas.

No século 19, a decadência dos engenhos levou ao esvaziamento do ciclo do gado no sertão. Desmembradas as enormes sesmarias, e paralelamente à apropriação de grandes áreas pelos "coronéis", parte das terras devolvidas ao Estado permaneceu habitada informalmente por comunidades pastoris. Esse frágil arranjo fundiário sofreria fortes abalos no século seguinte, quando fazendeiros aceleraram o cercamento de territórios até então utilizados na criação em regime de "bode solto".

A década de 1980 marca um agravamento dessa disputa, impulsionada pelas chamadas "leis dos quatro fios" ou "leis do pé alto" – regulamentos municipais que obrigavam à criação de caprinos e ovinos apenas em áreas cercadas, a fim de evitar prejuízos em propriedades alheias. Na prática, inviabilizavam o modo de vida de muitos grupos, fato que deu origem à mobilização em torno da bandeira dos fundos de pasto. "Não havia denominação comum, identidade ou organização política dessas comunidades pastoris previamente aos conflitos", explica Ferraro Júnior.

Como resultado dessa pressão, a Constituição da Bahia de 1989 abriu uma inédita possibilidade de titulação dessas terras públicas utilizadas no pastoreio coletivo. No entanto, dos quase 500 fundos de pasto reconhecidos hoje pelo estado, só cerca de 110 estão regularizados. Desde 2007, aliás, nenhum novo título de terra foi entregue às comunidades. Um parecer da Procuradoria Geral do Estado considerou que tal regularização deve ocorrer por meio da concessão do uso das terras, que continuariam a pertencer à União – antes, documentos de posse eram emitidos em nome de associações constituídas pelas famílias. A mudança, segundo Luís Anselmo Pereira de Souza, coordenador executivo da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) – órgão estadual à frente das ações de ordenamento fundiário –, gerou novas burocracias que atrasam o processo. "Em minha opinião, é importante modificar a lei para possibilitar a transferência do domínio às comunidades", afirma.

Enquanto se discutem as leis, permanecem os conflitos por terra. Atualmente, um dos mais emblemáticos remete à região de Areia Grande, no município de Casa Nova, habitada por quatro comunidades de fundo de pasto, que totalizam cerca de 360 famílias. Em março de 2008, policiais entraram no local para cumprir decisão da Justiça que determinava a retirada de alguns de seus moradores. A ação resultou de um processo movido por dois empresários que reivindicam a posse de cerca de 25 mil hectares na região.

O território em questão é palco de celeuma antiga, relacionada ao episódio nacionalmente conhecido como "escândalo da mandioca". Há cerca de 30 anos, instalou-se em Areia Grande a Agroindustrial Camaragibe, empreendimento que obteve incentivos públicos para produzir álcool a partir do plantio de mandioca. Mais tarde, denúncias o apontariam como parte de um esquema para apropriação de empréstimos estatais e seguros agrícolas, com base na alegação de que a seca destruía as plantações.

Já naquela época, questionava-se a autenticidade dos títulos de propriedade da empresa – sobrepostos, segundo as famílias, a áreas de pastoreio. Com o abandono do empreendimento, em meados da década de 1980, as terras foram ocupadas no sistema de fundo de pasto. Os conflitos ressurgiram quando, em 2006, os citados empresários adquiriram, do Banco do Brasil, os direitos sobre a dívida deixada pela Agroindustrial Camaragibe – posteriormente, em acordo estabelecido com os representantes da companhia, obtiveram os títulos das terras como pagamento.

Após idas e vindas, o despejo dos moradores foi suspenso no final de 2008. Na ocasião, um laudo da CDA sobre os registros fundiários em Areia Grande concluiu serem tais títulos fruto de grilagem. Pouco tempo depois, em fevereiro de 2009, José Campos Braga, uma das principais lideranças locais, foi encontrado morto a tiros em sua casa, crime ainda sob investigação policial. Segundo a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, há fortes suspeitas de ação de pistolagem. "Existem muitas queixas de ameaças anteriores ao assassinato, e elas continuam após o ocorrido", atesta Emília Teixeira, advogada da entidade.

Procurado pela reportagem, o ex-diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Juazeiro (BA), Alberto Martins Pires Matos – um dos empresários postulantes à área –, qualificou como "infeliz" a tese de que aquelas são, na verdade, terras públicas. "É um título com mais de 50 anos. Inclusive, quando vistoriamos a fazenda, à época da aquisição, não existia ninguém morando na região. Houve uma invasão", argumenta.

Novas ameaças

Marina Braga, agente da Comissão Pastoral da Terra na Bahia (CPT-BA), relata a existência de diversas outras ameaças aos territórios de fundo de pasto. Projetos de mineração, de produção de agrocombustíveis, de construção de barragens e até mesmo de parques eólicos são, segundo ela, iniciativas em andamento sobre as quais pairam muitas dúvidas. "Existem muitos empreendimentos pensados para áreas dessas comunidades, a respeito dos quais há poucas informações", diz.

Atualmente, um dos casos mais polêmicos é a criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça, encampada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Perfazendo 862 mil hectares, a proposta, ainda em estudo, atinge parte considerável de cinco municípios – incluindo áreas de fundo de pasto – e prevê a desapropriação dos imóveis dentro de seu perímetro. "Sempre que possível, evitou-se a inclusão de áreas com potencial agrícola, assim como aquelas ocupadas por comunidades rurais", justifica o órgão. "Entretanto, alguns povoamentos situados no centro da área não puderam ser excluídos."

No passado, as próprias pessoas de Areia Grande já foram afetadas por um grande projeto – a Usina Hidrelétrica de Sobradinho, cuja barragem inundou parte das áreas ocupadas e obrigou diversos moradores a se mudar para agrovilas construídas em Serra do Ramalho (BA). Ironicamente, passados mais de 30 anos, as comunidades locais permanecem sem acesso à eletricidade, a poucos quilômetros do reservatório da usina. Sobre suas casas passam os cabos que levam a energia de Sobradinho ao Piauí.

No relato de membros das comunidades de fundo de pasto, a falta de eletricidade não é a única lacuna de infraestrutura e atuação do poder público. Burocracia para acessar recursos e programas governamentais e a ausência de políticas de crédito condizentes com o modelo de produção desses grupos são outros entraves citados. E mesmo quando o Estado chega, há reclamações – relacionadas, por exemplo, à introdução de raças para o melhoramento genético do rebanho não adaptadas ao pastoreio solto na caatinga.

Além da criação de animais e das roças de subsistência, a produção de mel e o extrativismo de frutas típicas são outros dois exemplos de atividades eventualmente realizadas nos fundos de pasto. Contudo, segundo José Edmilson dos Santos, membro da Articulação Estadual de Fundos de Pasto, quando o assunto são as ações governamentais de fortalecimento produtivo, falta capacitação às famílias para a continuidade dos projetos. "Existem hoje muitas casas de farinha, fábricas de costura e padarias quebradas ou fechadas nas comunidades", ressalta. Em geral, diz ele, sempre é preciso recorrer ao poder público para, por exemplo, consertos e reposição de peças. "As coisas são feitas de forma que a comunidade fique eternamente dependente."

Cenário semelhante remete à delicada questão do acesso à água. Apesar de avanços nas últimas décadas, há ainda, segundo Santos, um déficit de políticas consistentes em benefício do sertanejo. Como exemplo, ele cita casos que envolvem a construção de cisternas de baixa durabilidade. "Muitas vezes não são programas que visam acabar com o problema, mas sim propagandear estatísticas."

No semiárido nordestino, armazenar água é estratégia crucial para a sobrevivência das famílias e de seus rebanhos. Historicamente, poços perfurados em locais de água muito salgada ou mesmo açudes públicos construídos com grande perímetro e pouca profundidade – facilitando, assim, a evaporação – são exemplos de obras inadequadas. Além disso, há também uso político das condições climáticas, que inclui o voto de cabresto sustentado em ações emergenciais para os flagelados. "É comum as pessoas se sentirem em dívida com aquele político que lhes mandou um carro-pipa na hora do aperto", conta Moisés das Neves, técnico em agropecuária do Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (Sasop) – ONG que executa ações voltadas a agricultores familiares do semiárido.

O histórico de coronelismo é, ainda hoje, um entrave ao desenvolvimento dos fundos de pasto, na opinião de Egnaldo Xavier, gerente da Cooperativa de Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc) – entidade que reúne 16 grupos do gênero na produção de geleias, doces, sucos e outros alimentos feitos com frutos da caatinga. "Tivemos aqui a Guerra de Canudos, uma experiência de organização coletiva que foi destruída", lembra. Tudo isso, de acordo com ele, dificulta a percepção do associativismo como uma ideia boa.

"Nós, nordestinos, somos muito solidários. Se você precisa de mim eu o ajudo, se adoece eu levo um chazinho e tudo mais. Agora, na hora de desenvolver ações produtivas, é assim: você cuida do seu e eu cuido do meu", ilustra. A Coopercuc conta atualmente com 141 cooperados e vende seus produtos nos mercados interno e externo. "Acreditamos que o trabalho representa hoje um acréscimo de 20% a 30% na renda das famílias participantes", estima Xavier.

Estigma do atraso

Apesar da luta para valorizar os fundos de pasto, é certo que, em muitos corações e mentes, adjetivos como "arcaico" e "obsoleto" permanecem associados a essas populações. No entanto, pesquisa apresentada em 2006 por Fabiano Toni, da Universidade de Brasília, atesta que o uso coletivo das terras pode ser considerado uma estratégia vantajosa ante as peculiaridades do sertão.

Toni entrevistou 549 agricultores em 12 municípios do semiárido baiano, divididos entre pequenos proprietários e criadores de animais em fundos de pasto. Apesar de os primeiros tenderem a um uso ligeiramente maior de tecnologias intensivas, isso não lhes proporcionou uma renda melhor. Segundo o estudo, os membros das comunidades tradicionais desfrutavam de maior segurança alimentar, consumindo mais carne que os pequenos proprietários e seus dependentes.

De acordo com Toni, a explicação é simples: como os agricultores que utilizam terras coletivas investem mais em pequenos animais, eles possuem rebanhos maiores, o que permite abater um ou outro bicho com mais frequência. "Uma cabra ou um carneiro podem ser comidos em alguns dias por uma família, partilhados com os vizinhos ou salgados", explica. "As vacas, por outro lado, precisam ser vendidas no mercado, pois uma família não pode estocar ou consumir toda a carne, mesmo quando possui geladeira."

Apesar dessa vantagem comparativa, no entanto, há uma ameaça cada vez mais urgente na rota da sustentabilidade dos fundos de pasto: a degradação da caatinga. "Os rebanhos aumentaram e muitas terras já foram cercadas. Isso provoca pastoreio excessivo", diz Santos. A despeito das preocupações – visto que a mata nativa é a base da alimentação dos rebanhos –, são ainda embrionárias ações de recomposição florestal que envolvam essas comunidades.

Em 2007, nos municípios baianos de Uauá e Andorinha, a divisão de caprinos e ovinos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) implementou, em fundos de pasto, dois projetos pioneiros de sistema agrossilvipastoril – método que inclui árvores, plantio e pastagens numa mesma área, manejados de forma integrada e racional. Para a pesquisadora Mônica Campanha, da instituição, trata-se de um modelo que pode ser incorporado às políticas de apoio destinadas a essas famílias. "Ele apresenta um elevado custo de implantação, mas é enorme o ganho ambiental", afirma ela.

Revista Problemas Brasileiros

Mar desprotegido

Falta de empenho oficial ameaça paraísos marinhos

CEZAR MARTINS

Pomacanthus arcuatus: habitante dos corais
Foto: Divulgação

Durante a maré alta, duas ilhas pequenas chamadas Farol e Cemitério, sobre as quais há apenas uma grama rala, fragmentos de conchas e ossos de pássaros, são o único pedaço de terra que se pode ver da Reserva Biológica Marinha do Atol das Rocas. A primeira do tipo no Brasil, ela foi criada em 5 de junho de 1979, fica a um dia de viagem de barco da costa e tem aproximadamente 5,5 quilômetros quadrados de área interna. Além de servir de berçário para tartarugas e diversas espécies de aves e peixes, sua importância está no fato de ter sido o ponto de partida para a implantação das imprescindíveis unidades de conservação e proteção da fauna brasileira existente nos mares. O problema é que a legalização de outros parques similares pelo governo foi morosa demais, a ponto de, 30 anos depois da assinatura do decreto que instituiu Rocas, apenas 0,8% da costa nacional estar protegida por lei, somando as unidades federais e estaduais. Não é por menos que, no começo do ano, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou sem medo de errar: "Nossa área marinha protegida é ridícula".

Os oceanos cobrem aproximadamente dois terços da superfície terrestre e são vitais para o equilíbrio dinâmico da temperatura do planeta, a formação de chuvas, o fornecimento de peixes para alimentação e a extração de diversos insumos e matérias-primas, como sal e petróleo. A média mundial de conservação dos ecossistemas marinhos é de 1%, considerada insuficiente para garantir a recuperação dos estoques pesqueiros, há muito ameaçados. Minc pretende fazer com que, em dez anos, a área marinha protegida do Brasil chegue a 10% dos 8 mil quilômetros de costa. "Tenho de incorporar essa imensidão azul, esse mar todo, que está muito menos protegido e vigiado que a Amazônia", admitiu o ministro em entrevista ao jornal Correio Braziliense. Contudo, assim como no caso da floresta equatorial, os obstáculos e desafios para que o discurso e as propostas de proteção dos mares se tornem realidade são muitos. De início, seria preciso investir R$ 5 milhões e montar uma equipe de no mínimo 15 especialistas em diversas áreas para conseguir realizar os estudos necessários para a implantação de novas unidades de conservação marinha, recursos de que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não dispõe atualmente. A situação já era crítica, mas ficou ainda pior quando o governo anunciou um corte de R$ 35 milhões no orçamento do MMA por causa da crise mundial.

Ainda assim, se o problema fosse apenas a falta de dinheiro, a solução até poderia ser mais facilmente encontrada, por meio do fomento de parcerias e da tomada de empréstimos no exterior. Quando entram em jogo, porém, interesses das indústrias da pesca e do petróleo, dois dos setores com maior representatividade e força de pressão no governo, a discussão fica mais acirrada e o consenso se torna difícil. O fato é que o fechamento de áreas marinhas para preservação, embora seja indiscutivelmente importante, significa a impossibilidade de realizar prospecção e extração de petróleo em muitos pontos da costa onde já se sabe existirem reservas passíveis de exploração, assim como a proibição da atuação de barcos pesqueiros. Motivo suficiente de desentendimentos – e até brigas – entre o pessoal do MMA, da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca e do Ministério de Minas e Energia (MME). Enquanto isso, o adiamento da criação de novas unidades de conservação coloca em xeque a capacidade de reprodução das variedades de peixes, moluscos e outros animais que são capturados indiscriminadamente pelas redes dos pescadores ou mortos por causa de vazamentos de óleo. Estudos recentes mostram que quase 90% das espécies marinhas estão ameaçadas de extinção devido à exploração excessiva e ao desrespeito às épocas de defeso para reprodução. "Esse é o maior risco que a inexistência de proteção nos mares pode causar. Houve no passado uma pressão muito grande para a preservação de áreas terrestres, mas não se entendia essa urgência em relação às áreas marinhas", explica João de Deus Medeiros, diretor de áreas protegidas do MMA.

Aquecimento global

Descoberto pelo navegador Américo Vespúcio em 1503, o arquipélago de Abrolhos, um conjunto de cinco ilhotas de origem vulcânica a 70 quilômetros da costa no sul da Bahia, tornou-se um parque nacional marinho em 1983. Ponto de concentração de baleias jubarte no inverno, é uma região com muitos recifes de corais capazes de fazer naufragar caravelas desavisadas, perigo que teria feito o descobridor italiano escrever em sua carta náutica: "Quando te aproximares da terra, abre os olhos". Os mesmos recifes concentram alimento para espécies de tartarugas e peixes pequenos, por sua vez comidos pelos maiores, como barracudas, moreias e tubarões, formando o ecossistema marinho mais diverso do Atlântico Sul, protegido numa área de 90 mil hectares. Contudo, na visão de ambientalistas, a área deveria ser muito maior para garantir que as espécies tenham condições de se reproduzir e aumentar em número, tendo em vista que o complexo de Abrolhos se estende por 2 milhões de hectares. Os apelos são para que o governo federal crie, por meio de decreto, uma zona de amortecimento (ZA) em torno do parque para evitar que atividades ambientalmente impactantes sejam realizadas em locais nos quais possam comprometer sua biodiversidade.

Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace, uma das organizações não governamentais que pressionam o governo, explica que em 1983 não se tinha ideia da dimensão do complexo de Abrolhos e, por isso, o parque nacional foi aprovado com tamanho inferior à sua real necessidade. Em 2006, uma ZA foi criada por uma portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para proteger, entre outros pontos, os manguezais utilizados por muitas espécies durante a fase de reprodução e desova. No ano seguinte, a portaria foi invalidada por ordem judicial, por causa de uma lei que dá apenas ao presidente o poder de regulamentar áreas de restrição desse tipo. "Sem essa zona especial, o parque fica vulnerável às fazendas de cultivo de camarão, que causam impactos. Só não se encontram carcinicultores hoje instalados na região devido a uma praga que ataca a criação e inviabilizou esse tipo de empreendimento, mas ainda há um risco potencial, pois uma solução para o problema pode ser descoberta." Outra ameaça à preservação de Abrolhos é a exploração de gás e petróleo, atividade que seria proibida pela portaria que criou a ZA. Já em 2003, houve uma tentativa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de efetuar o leilão de 243 blocos para exploração no entorno do parque, impedida pelo governo e pela Justiça Federal. "Em plena crise climática, Abrolhos continua vulnerável e ameaçada, por causa dos elementos que causam o aquecimento global e o consequente impacto sobre os recifes", afirma a ambientalista.

Não são apenas os recifes de Abrolhos que têm sofrido com o problema do efeito estufa. Para crescer, os corais absorvem dióxido de carbono da atmosfera e o transformam em calcário. Contudo, por conta do excesso de CO2 absorvido da atmosfera, os oceanos estão ficando mais ácidos, o que causa a morte de algas e impede que os corais realizem o depósito de carbonato de cálcio, necessário para a expansão dos recifes. Esse fenômeno é conhecido como branqueamento de corais e já foi identificado em Abrolhos pelo menos duas vezes, nos anos de 1994 e 1997. "O argumento climático na discussão de questões relativas à preservação marinha é recente, não existia até há bem pouco tempo. Parece conversa de ‘ecochato’, mas não é bem assim. As unidades de conservação, as áreas fechadas, são importantes para a recuperação da vida marinha, sem a qual as atividades humanas acabarão sofrendo impactos", destaca Leandra. Ocorre que os oceanos funcionam como amortecedores climáticos, absorvendo e armazenando calor da Terra e carbono da atmosfera por mais tempo que as zonas terrestres. Mesmo que o excesso de absorção dos gases cessasse por completo, levaria um tempo razoavelmente grande para que os danos já causados desaparecessem.


Tartarugas e golfinhos

Desde que começou a se preocupar com a proteção de suas áreas marinhas, há três décadas, o Brasil evoluiu vagarosamente no que diz respeito à criação, implantação e modernização de unidades de conservação. Em contrapartida, há casos que devem ser reconhecidos como exemplos de que é possível aliar preservação, educação e desenvolvimento nas comunidades que habitam essas regiões. Talvez o mais emblemático deles todos seja o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, distrito do estado de Pernambuco em que há uma ilha, habitada por 3,5 mil pessoas, e outras 20 secundárias, onde não mora ninguém. Descoberta no começo do século 16, a ilha que hoje abriga um dos programas de preservação de tartarugas e golfinhos mais bem-sucedidos do país já foi ocupada ao longo de sua história por holandeses, franceses, ingleses, americanos, militares brasileiros, presos políticos e muitos cientistas. Sobre suas rochas de origem vulcânica surgiu um ecossistema bastante singular, com uma rica fauna terrestre e marinha, mas ao mesmo tempo com um equilíbrio bastante frágil e constantemente ameaçado pela ação do homem. A criação do parque marinho ocorreu apenas em 1988, quando o arquipélago foi reintegrado à administração pernambucana.

A principal atividade econômica em Fernando de Noronha atualmente é o ecoturismo. Os visitantes que desembarcam no acanhado aeroporto vêm de diferentes cantos do mundo, falando línguas distintas e quase sempre sem saber ao certo o que encontrarão pelas trilhas que levam às praias de águas quentes e transparentes. Todos eles são obrigados a pagar uma taxa de preservação, antes mesmo de sair do terminal de desembarque. O valor varia conforme o tempo de permanência, e o dinheiro arrecadado serve para custear a manutenção das instalações e infraestrutura disponíveis – como o calçamento da estrada principal e a colocação de turbinas eólicas para geração de energia. Depois disso, basta escolher uma entre as cem pousadas existentes, boa parte delas casas de antigos pescadores modificadas para receber os turistas, e aproveitar o contato íntimo com a natureza em passeios a pé ou em carros alugados, além dos mergulhos livres ou com cilindros.

Um dos principais destaques do parque, contudo, são as diversas atividades de educação ambiental, como as promovidas com o apoio de monitores do Projeto Tamar, responsável pela preservação das tartarugas marinhas no arquipélago. "Há um risco natural que afeta as tartarugas, que é a elevação do nível dos oceanos. Por outro lado, existe pressão para a criação de empreendimentos imobiliários e urbanização da faixa litorânea. Esses dois fatores estão diminuindo a área de desova das tartarugas", comenta o biólogo Armando Barsante, coordenador técnico do programa. Uma das atividades de que os visitantes podem participar foi batizada de Turtle by Night, uma espécie de "caça" às tartarugas junto com funcionários do Tamar para acompanhar a desova e o nascimento dos filhotes nas praias – é preciso fazer reserva, porque o número de pessoas é limitado, e pagar R$ 50. Durante o dia, os biólogos também fazem mergulhos para pegar os animais e marcá-los a fim de acompanhar seu crescimento. Não é raro, portanto, chegar à praia e deparar-se com uma tartaruga gigante sendo examinada na areia antes de ser devolvida ao mar. Além disso, todas as noites são realizadas palestras educativas gratuitas, nas quais são abordados temas que vão desde a história do arquipélago e suas características geológicas até a importância dos tubarões para os ecossistemas. Somando-se ao trabalho com as tartarugas, outro programa ambiental bastante desenvolvido e que atrai turistas para Noronha é a pesquisa com golfinhos rotadores, espécie de grande ocorrência naquela área.

Graças à preocupação com algumas espécies – baleias, tartarugas e golfinhos –, muitas outras foram favorecidas, como aves, tubarões, raias, peixes menores e até mesmo invertebrados que acabavam sendo pescados. No caso de Fernando de Noronha, a criação do parque e o aumento da fiscalização, aos poucos, foram fazendo com que crescesse o número de indivíduos, embora a situação ainda seja crítica. "O que vemos é que, por causa das tartarugas, outras espécies são beneficiadas. Elas tiveram uma importância gigantesca na criação da reserva do Atol das Rocas, que era uma área muito utilizada por pescadores. Isso terminou, e hoje vemos que os animais são maiores e não estranham a presença humana", diz Barsante, que trabalhou também com pesquisas na primeira reserva marinha brasileira. Não é muito difícil encontrar uma explicação para a afirmação do biólogo. Em um país desacostumado ao debate, em que a população não possui o nível de educação e conhecimento adequado para entender as relações da biodiversidade marinha, o desejo de preservar uma espécie com mais apelo emocional acabou por tornar-se um vetor importante para a criação das unidades de conservação. Em locais onde não há esse facilitador, a tarefa ficou mais complicada nos últimos anos.

Evolução perceptível

Mais de 19 milhões de toneladas de carga passaram pelo porto da cidade de Santos, o maior da América Latina, apenas nos primeiros quatro meses do ano. O vaivém de navios é intenso, mas nos dias de sol, quando as ondas são menores, lanchas rápidas e ágeis passam por entre os gigantescos cargueiros, levando grupos de mergulhadores que submergirão nas águas do Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, a primeira unidade de conservação marinha do estado, criada em 1993. Com 550 metros de comprimento e 180 metros de largura, a laje é uma formação rochosa da qual apenas uma parte pode ser avistada acima da linha-d’água. Ali, o único tipo de vegetação são gramíneas ralas e há aves marinhas que usam a área para reprodução, como o trinta-réis-real e o atobá-marrom. Embaixo da água, porém, a diversidade da fauna é muito maior, com peixes migratórios que utilizam o lugar para se alimentar. Um de seus grandes atrativos turísticos é a presença das gigantescas raias-manta, espécie que aparece no local durante o inverno. "Áreas assim funcionam como repositório de peixes recifais. Em Santos, a evolução tem sido perceptível de cinco anos para cá", destaca o advogado Guilherme Kodja, membro do Instituto Laje Viva, organização fundada para ajudar a administração do parque a combater a pesca, proibida desde que o parque marinho foi criado. "A mudança foi muito grande, e o comparativo com a ilha da Queimada Grande nos permite ver o sucesso do fechamento. Hoje existe uma fiscalização maior e barcos de turistas quase sempre presentes."

A ilha da Queimada Grande é outro ponto do litoral de São Paulo de grande interesse científico, principalmente por causa das cobras jararaca-ilhoa, espécie que não existe em outro lugar. Essas serpentes são extremamente venenosas e mortes costumavam ser comuns na época em que a Marinha tentou implantar um farol na ilha para evitar acidentes com barcos. Para tentar diminuir a população de cobras, os militares promoveram incêndios de grandes proporções na mata, o que originou o nome atual da ilha, já que as queimadas podiam ser avistadas de longe. Próximo à cidade de Itanhaém, o local não está abrigado por nenhum tipo de unidade de conservação e, por isso, é bastante procurado por pescadores, o que tem feito o tamanho dos peixes diminuir nos últimos anos, segundo Kodja: "O caso de Queimada Grande é exemplar. A pesca ali tem baixo impacto, mas, por ter sido praticada com constância durante muitos anos, resultou praticamente na extinção da vida local". Desde 1985, a ilha é classificada pelo governo federal como área de relevante interesse ecológico (Arie), mas na prática essa denominação não tem impedido a ocorrência de atividades predatórias. Muitos dos que são contrários ao fechamento das áreas alegam que o turismo de pescadores em Queimada Grande é fonte de renda para barqueiros que fazem a navegação até o local.

A solução para esse conflito de interesses pode passar por uma iniciativa inovadora no país tomada pela Secretaria de Meio Ambiente (SMA) do governo estadual. Em 2008, foram criadas três áreas de proteção ambiental (APAs) – Litoral Norte, Litoral Centro e Litoral Sul –, que cobrem toda a costa de São Paulo, exceto os canais de entrada e saída dos portos de Santos e de São Sebastião. A intenção é que agora sejam implantadas dentro dessas APAs unidades com diferentes níveis de restrição ao uso, algumas totalmente restritivas, outras com possibilidade de manejo ordenado e sustentável. "O melhor plano é criar mosaicos, em grandes espaços. Fecham-se totalmente algumas áreas, outras são abertas para turismo e atividades de baixo impacto e, ainda, estuda-se uma forma de manejo para as demais. Ao longo do tempo, elas vão sendo analisadas, e seu uso poderá passar a ser restringido ou não, conforme o caso. É quase como o princípio da rotação de culturas no solo", comenta Kodja, que participa da discussão junto com o governo e representantes de outras entidades. A secretaria também anunciou a contratação de 90 policiais ambientais especializados em patrulha marítima e a compra de lanchas novas para a fiscalização das áreas.

Os especialistas são quase unânimes em apontar a incapacidade do Estado de garantir a efetiva implantação de uma unidade de conservação como o segundo maior problema, atrás apenas do déficit de áreas minimamente regulamentadas. A ausência de controle, a falta de verbas, o sucateamento dos equipamentos e a carência de funcionários comprometem quase que integralmente a aplicação das leis dentro das unidades de conservação marinha – ironicamente chamadas de "parques de papel". O próprio Atol das Rocas foi um deles por muito tempo, pois passaram-se quase dez anos entre a assinatura do decreto e a chegada dos investimentos públicos para que o local pudesse ser fiscalizado. "As unidades de conservação marinha existentes estão praticamente abandonadas pelo governo federal, exceto os raros exemplos em que os coordenadores conseguem fazer uma gestão com boa vontade, mas sem recursos", critica o pesquisador Alberto Alves Campos, diretor-presidente da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos.

O MMA admite os problemas, mas alega que sem a verba necessária não conseguirá garantir a efetiva implantação das unidades. Uma parte considerável do trabalho, no entanto, já está feita. O governo realizou um estudo no qual conseguiu identificar as características físicas e geológicas de quase todos os pontos da costa nacional e coletar informações sobre a fauna existente nessas áreas. Foram esses dados que permitiram aos biólogos reconhecer a ameaça de extinção de muitas espécies que habitam o litoral brasileiro. O segundo passo, não menos difícil, é conciliar todos os interesses para que as unidades de conservação possam ser criadas com o tamanho adequado, como querem os ambientalistas, e as atividades econômicas de grande impacto ambiental continuem a ser executadas com a capacidade de gerar lucro, mas de maneira sustentável. Esse é um problema muito mais político que técnico, para o qual é praticamente impossível prever quando haverá uma solução. Ainda assim, a partir das informações coletadas e da nítida percepção de que os recursos disponíveis no oceano Atlântico estão em declínio, fica claro que um acordo precisa ser firmado e que medidas devem ser tomadas com a máxima urgência para evitar um colapso irremediável nos mares nacionais.

Revista Problemas Brasileiros

domingo, 27 de setembro de 2009

A chuva que vem do Saara

Poeira do deserto africano semeia nuvens responsáveis por parte a precipitação na Amazônia

Reinaldo José Lopes
Edição Impressa 161 - Julho 2009
Pesquisa FAPESP - © Eumetsat

Sobre o Atlântico: ventos carregam poeira do Saara para a América do Sul

Num paradoxo intrigante do sistema climático da Terra, uma das regiões mais áridas do planeta parece exercer um papel importante na formação da chuva que rega uma das áreas mais úmidas. Experimentos feitos durante a época mais chuvosa do ano em um trecho de floresta preservada na Amazônia Central, próximo a Manaus, indicam que a poeira do deserto do Saara, transportada por milhares de quilômetros pelos ventos sobre o oceano Atlântico tropical até a América do Sul, ajuda a formar as nuvens responsáveis por 80% da chuva nessa região amazônica. Sobre a floresta, os grãos de poeira do Saara funcionam como núcleos de gelo, plataformas microscópicas em torno das quais a água no estado sólido se agrega e origina as nuvens altas, muito carregadas de chuva.

Os resultados desse trabalho, publicados na edição de maio da revista Nature Geoscience, são surpreendentes e ainda precisam ser aprimorados, ressalta o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo. “Precisamos descobrir, por exemplo, se essa influência da poeira do Saara ocorre também em outras regiões da Amazônia. Também precisamos de medidas de longo prazo, registradas ao longo de anos, para compreender como esse efeito varia com as estações do ano”, diz o pesquisador. De qualquer maneira, os dados obtidos perto do pico da estação chuvosa na Reserva Biológica do Cuieiras, a 60 quilômetros ao norte de Manaus, sugerem uma contribuição um bocado relevante da poeira do Saara para a concentração de núcleos de gelo na Amazônia Central.

Artaxo e pesquisadores dos Estados Unidos e da Alemanha coletaram amostras de ar nessa região da floresta de 9 de fevereiro a 9 de março de 2008 e encontraram essas partículas de poeira em até 80% dos núcleos de gelo. A poeira parece alternar sua função de principal semeadora de nuvens de gelo com as chamadas partículas biológicas primárias (bactérias, grãos de pólen, esporos e fragmentos de folhas e de insetos), emitidas pela própria floresta. Ora uma, ora outra era a responsável majoritária pela formação dos núcleos de gelo. Somadas, as duas fontes geraram 99% das sementes de nuvens – nenhuma delas contribuiu com menos de 15% dos núcleos.

A analogia com sementes é útil. Na Amazônia, as nuvens que se formam a grandes altitudes têm entre 15 e 18 quilômetros de espessura e são constituídas por cristais de gelo. São elas que geram as chuvas mais intensas e abundantes, essenciais para o ciclo hidrológico da região. Nuvens mais rasas, com 3 a 5 quilômetros de espessura, surgem mais próximo ao solo a partir de gotas líquidas e contribuem menos para as chuvas da Amazônia.

Nesse estudo, os pesquisadores coletaram as partículas em suspensão – também chamadas de aerossóis – no ar da floresta ao nível do solo e as injetam em uma câmara que permite simular a formação das nuvens profundas convectivas. “Usamos uma câmara que reproduz as condições da atmosfera a até 18 quilômetros acima do solo e até 70 graus Celsius negativos”, diz o físico. É em um ambiente semelhante a esse, com baixa pressão e baixa temperatura, que se formam as nuvens profundas convectivas, justamente as que brotam a partir de núcleos de gelo e respondem pelo grosso da precipitação amazônica. “Estamos planejando experimentos com aviões para o período 2010-2011, para fazer medições em regiões da atmosfera em que as nuvens de gelo se formam. Medir essas partículas em altas altitudes não é trivial”, comenta Artaxo.

A contribuição da poeira do Saara para a chuva amazônica nunca tinha sido flagrada, embora a jornada dos grãos pelo Atlântico fosse relativamente bem conhecida. Dados da agência espacial norte-americana (Nasa) sugerem que 4% da poeira de cada tempestade do deserto atravesse o oceano até as Américas – uma proporção maior, quase 20%, se perde no caminho, depositando partículas de ferro que fertilizam a água do oceano e aumentam a capacidade das algas de absorver carbono da atmosfera. Não são as ventanias no Saara que, isoladamente, trazem o pó até aqui. Parece haver um reservatório constante de partículas flutuando sobre o norte da África, que só é empurrado rumo às Américas quando as condições do vento são apropriadas.

Um grau de mistério significativo ainda envolve os processos físicos da atuação dos aerossóis – sejam os de poeira, sejam os de origem biológica – como núcleos de gelo. “Esses processos ainda não são bem compreendidos”, reconhece Artaxo. A presença de certos metais – ferro no caso da poeira do Saa­ra e zinco no das partículas produzidas pela floresta – parece ser importante para a formação dos núcleos de gelo. Aliás, a presença e a proporção de elementos químicos como alumínio, silício, manganês e ferro permitem confirmar a origem saariana da poeira analisada por Artaxo e colaboradores.

“A proporção desses elementos nas partículas de Manaus é a mesma encontrada na poeira do Saara. E há a correlação entre a presença desses aerossóis e o movimento das massas de ar, o que mostra que não se trata de poeira levantada por um caminhão em uma estrada próxima ao local da coleta, mas de transporte atmosférico de longa distância”, explica Artaxo.

Para o físico, ainda que a contribuição do Saara para a chuva se revele um fenômeno geral para a Amazônia, é difícil dizer o que isso significará num contexto de mudanças climáticas. Num planeta mais quente, chegará mais ou menos poeira até aqui? “Por enquanto precisamos obter mais dados experimentais para tentar responder isso com previsões quantitativas”, afirma.

Em outra publicação recente, desta vez na Science, Artaxo deixou de lado o contexto específico da Amazônia para, com pesquisadores de outros países, se debruçar sobre os efeitos do fogo sobre o clima e a biosfera do planeta ao longo do tempo. Incêndios grandes e pequenos ajudaram, por exemplo, a forjar as várias áreas da savana do mundo ao longo de milhões de anos. E parecem estar se intensificando, diz Artaxo. “É possível ver um aumento da incidência de queimadas no mundo todo nos últimos anos”, afirma.

A equipe calculou que os efeitos dos gases estufa produzidos pelas queimadas correspondem a 19% da contribuição humana para o aquecimento global desde a época pré-industrial. “As queimadas no Brasil geram cerca de 30% dos gases emitidos por queimadas no planeta”, ressalta o físico.

Números à parte, é bem prático: em termos de custo e benefício, reduzir ou eliminar as queimadas é provavelmente um dos melhores investimentos imediatos contra o aquecimento global causado pelo homem, superando planos como a ampliação da rede de usinas nucleares ou a troca da atual frota de automóveis movidos a combustíveis derivados de petróleo por veículos a biocombustíveis ou a hidrogênio. “Com o controle das queimadas, teríamos um retorno rápido em termos de redução de emissões de gases estufa com um investimento muito baixo. Também haveria outros benefícios, como a preservação da biodiversidade amazônica”, ressalta o físico. “A construção acelerada de usinas nucleares ou a renovação global da frota de carros demorariam décadas para reduzir significativamente as emissões de gases estufa.”

Segundo Artaxo, há uma relação indireta entre o crescente descontrole do fogo no planeta e a hipótese da savanização da Amazônia. Essa possibilidade, que aparece com certa frequência em modelos climáticos que tentam prever o futuro da floresta, é consequência da transformação de vastas áreas de mata fechada em formas de vegetação mais abertas e ecologicamente empobrecidas, que lembram superficialmente o Cerrado do Brasil Central. “Com o avanço do desmatamento e a possível redução na taxa de precipitação, talvez surja uma vegetação mais suscetível ao fogo e aumente a incidência de queimadas”, diz Artaxo. “Isso geraria uma realimentação positiva que impulsionaria o processo de savanização da Amazônia.”

O ouro de tolo

Exploração intensa de recursos naturais da Amazônia gera prosperidade passageira

O modelo de desenvolvimento econômico predominante hoje na Amazônia – que começa com desmatamento e exploração madeireira e culmina com o uso de vastas áreas para pecuária extensiva e agricultura – está mais para um gerador de pobreza do que para um motor de riqueza, ao menos no longo prazo. A conclusão resulta de uma análise conduzida por pesquisadores do Brasil, do Reino Unido, da Nova Zelândia e de Portugal, publicada na edição de 12 de junho da Science. Os municípios amazônicos onde não há desmatamento têm inicialmente um baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), indicador que leva em consideração a renda, a escolaridade e a expectativa de vida da população. Com a chegada da fronteira agrícola, esses municípios passam por uma onda de prosperidade e, quando seus recursos naturais se esvaem pela exploração intensa, voltam à situação inicial de IDH baixo.

A análise não avaliou a trajetória dos municípios ao longo dos anos, por não haver uma série temporal disponível, explica a bióloga portuguesa Ana Rodrigues, do Centro de Ecologia Funcional e Evolutiva em Montpellier, França, uma das autoras do estudo do qual participaram os brasileiros Carlos Sousa Júnior e Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ante essa impossibilidade, a equipe comparou locais ainda não engolidos pela fronteira agrícola com outros nos quais a fronteira está muito ativa, além de áreas onde o desmatamento e a ocupação estão quase concluídos. “Nessa classificação, usamos duas variáveis: a porcentagem de área desmatada até 2000, que dá uma ideia da extensão do desflorestamento; e a proporção de floresta derrubada entre 1997 e 2000, que indica se o município estava na fronteira ativa ou não”, diz Ana. O ano 2000 foi usado como referência para coincidir com o do Censo brasileiro, que permitiu calcular o IDH dos municípios.

Os registros mostram que os municípios que desmataram até 60% de sua área – e 0,5% da área total entre 1997 e 2000 – alcançaram um IDH equivalente ao índice médio brasileiro. Já o IDH dos locais em que a proporção de floresta derrubada foi ainda maior e a devastação quase completa foi semelhante ao de regiões da Amazônia em que a floresta está preservada – nessas duas situações, o IDH é inferior ao índice de desenvolvimento humano médio do Brasil. “É provável que haja modelos em que a decadência econômica possa ser evitada apesar do desmatamento, embora eu suspeite de que eles dependeriam de injeções frequentes de investimento vindo de fora da Amazônia”, diz Ana. O desafio é criar um modelo de desenvolvimento com o mínimo de desmatamento. “Todos ganhariam: seria bom para as pessoas, para os ecossistemas e para reduzir as emissões de carbono responsáveis pela mudança climática global”, comenta. “A situação atual é ruim nessas três frentes.”

Revista FAPESP

Dilemas nipônicos

Pesquisa FAPESP - © Laura Beatriz


O Japão teme perder status na ciência mundial, sufocado pelo envelhecimento de sua comunidade científica e também por entraves culturais para atrair talentos de outros países e mandar os seus pesquisadores para o exterior. Segundo a revista Nature, um relatório divulgado no mês passado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia nipônico informa que iniciativas para preservar o fôlego científico não estão surtindo efeito. Nos últimos anos, 28 universidades e institutos de pesquisa criaram esquemas para garantir financiamento e ampliar a independência dos jovens pesquisadores. Isso não foi suficiente para rejuvenescer as instituições: o contingente de pesquisadores com menos de 37 anos caiu de 36.773 em 1998 para 35.788 em 2007, embora, no mesmo período, a comunidade científica tenha crescido 15%. Barreiras culturais tornam as perspectivas mais complicadas. Após décadas de estímulo à internacionalização, apenas 10% dos doutores formados em universidades japonesas são estrangeiros, ante 42% dos Estados Unidos e 41% do Reino Unido. E cada vez menos japoneses se interessam por ter experiência internacional. Embora dois dos quatro nipônicos que venceram o Nobel de 2008 estejam radicados nos Estados Unidos, o número de pesquisadores que passaram mais de três meses em laboratórios do exterior caiu de 7.118 em 1997 para 4.163 em 2006. Segundo o relatório, apenas 2% dos cientistas japoneses planejam trabalhar no exterior.

Revista FAPESP

Geoeconomia do Brasil e China em contraste


Escrito por Corival Alves do Carmo
01-Set-2009

Ao fim da Guerra Fria prosperou a tese do fim da história de Francis Fukuyama que muitos entenderam como de modo excessivamente literal. Com o fim da Guerra e a posição inquestionável dos EUA como potência mundial, parecia não ser demasiado ousado acreditar numa inédita paralisação da história. Aparentemente a história seria caracterizada pela monotonia com o fim dos conflitos político-ideológicos.

Samuel Huntington e Sadam Hussein responderam com o choque de civilizações, especialmente o confronto entre o Ocidente e o Islã. De fato, o confronto entre diferentes formas de expressão do Islã e o Ocidente tem pontuado as últimas décadas. Mas seria excessivo dizer que as relações internacionais são pautadas por isso.

Ainda que os EUA tenham permanecido de forma inequívoca a potência militar dominante, as relações internacionais não perderam seu dinamismo porque a dinâmica econômica do capitalismo continuou impondo uma hierarquização entre os Estados, fazendo com que a concorrência entre os Estados se mantivesse pela posse e atração de riquezas. E deste jogo, ainda que tenha vantagens evidentes, os EUA não conseguem se impor de forma inequívoca. O controle da produção e dos fluxos de comércio e de capitais está em disputa permanente. Há uma clara realocação do capital seja por processos espontâneos, permitida pela liberalização, que tornam a produção mais lucrativa, a flexibilização da produção, produzindo partes e componentes em diferentes locais do globo, e também uma realocação dirigida pelas políticas estatais que buscam atrair os IED e definir o seu papel no interior das economias nacionais.

Evidentemente que em relação à realocação dirigida pelas políticas estatais a China despontou na frente no que se refere a atrair os IED. Entretanto, a China possui uma vulnerabilidade, a escassez de recursos de energéticos internamente. E apesar de muitos de seus vizinhos terem fontes de energia através das quais a China poderia se abastecer estes países são politicamente muito instáveis e a Ásia ainda padece com uma série de rivalidades políticas regionais que tornam inseguro para a China confiar o seu crescimento nas fontes de abastecimento vizinhas. O resultado é que a China iniciou uma nova corrida pela África pelo controle dos recursos naturais da região. Entretanto, muitos países africanos não são mais estáveis do que os asiáticos e ainda sofrem com a ausência de governos democráticos. Então se estes países resolvem um problema econômico para a China, e colocam um problema político para o governo chinês, faz com que a China esteja periodicamente defendendo governos questionados pela comunidade internacional, consequentemente se aumenta o poder econômico da China, a sua liderança política, ao mesmo tempo que a sua capacidade de propor uma agenda política no sistema internacional é bastante reduzida.

Comparativamente, o Brasil possui condições geoeconômicas muito mais favoráveis para disputar o controle de uma fatia da economia mundial e para liderar uma agenda política. A oferta de recursos naturais para o país é abundante, não apenas internamente, mas também nos seus vizinhos. As diferenças nas dimensões geográficas e econômicas entre o Brasil e seus vizinhos fazem com que estes não concorram por recursos com o Brasil. A capacidade de crescimento do Brasil não é limitada por razões naturais, ao contrário, comparativamente aos países em estágio similar de desenvolvimento o Brasil possui uma situação muito confortável.

Na concorrência por IED, apesar de todos os países da região serem carentes de investimentos e procurarem atrair o capital internacional, o Brasil evidentemente tem as melhores condições para receber este capital seja pela infra-estrutura seja pela perspectiva de rentabilidade. Entretanto do ponto de vista do Estado, o Brasil não tem uma política coerente em relação ao IED. O país ainda não foi capaz de definir uma política coerente sobre como utilizar o grande afluxo de recursos externos para a promoção de um desenvolvimento acelerado e para a consolidação de sua posição como potência econômica. Isto ocorre, porque o governo brasileiro não foi capaz, ou melhor sequer tentou, definir quais os setores em que o Brasil é mais competitivo e que demandam maior volume de investimentos para que o país possa assumir a liderança e o controle destes setores econômicos. O governo Lula se perdeu neste aspecto numa política externa voltada para liberalização dos mercados mundiais de produtos agrícolas, que pode dar um certo fôlego ao país temporariamente. Mas para competir com China, Índia, México, ou mesmo Rússia, o Brasil precisa controlar setores de ponta intensivos em tecnologia. O controle e o acesso às riquezas naturais no jogo mundial da disputa do controle do capital são apenas um pré-requisito e não o alvo a ser alcançado. O crescimento das exportações brasileiras nos últimos anos ocorreu fundamentalmente em setores não-intensivos em tecnologia como em vários momentos apontou o IEDI.

Esta ausência de uma política de desenvolvimento se reflete na política cambial adotada. Não se pede que o Brasil tenha uma política de desvalorização como a China. Mas a aceitação relativamente passiva da valorização do real é um equívoco. Em termos de propaganda pode soar bem afirmar que há uma elevação da demanda por reais. Entretanto, esta maior demanda por reais se restringe ao mercado interno, não torna o Real uma moeda conversível internacionalmente. Ou seja, ficamos com o ônus da desvalorização do dólar em escala mundial sem obter qualquer bônus neste processo.

Agora se o Real está valorizado, e o governo opta por manter esta política. Deveria favorecer como saída para as empresas brasileiras ampliarem seus investimentos, o investimento nos países vizinhos. A internacionalização das empresas brasileiras na América do Sul deve ser acelerada e diversificada. Este processo favoreceria a consolidação da economia brasileira e a afirmação do Brasil como líder regional. O estímulo ao aumento das inversões das empresas brasileiras nos países sul-americanos não diminuiria o dinamismo da economia brasileira. Ao contrário, provavelmente as exportações iriam aumentar paralelamente.

Por fim, ainda um fator que não permite o Brasil aproveitar das vantagens em relação à China nesta disputa geoeconômica - a infra-estrutura de transportes. Tanto a exploração das vantagens internas quanto as regionais dependem de uma sólida infra-estrutura de transporte. De fato, um pacote de investimentos no setor de transportes representaria tanto um estímulo para o crescimento econômico de curto prazo quanto a viabilização de condições estruturais para o crescimento de longo prazo. O Brasil não tem condições de fazer pacotes de investimento como a China seja pelas características do sistema político seja pelas do sistema econômico. Mas com planejamento possui condições de realizar uma aceleração da modernização da infra-estrutura de transportes

Revista Autor

Três projectos em competição no sudeste da Europa



Escrito por Pedro Caldeira Rodrigues
01-Set-2009
Apesar dos projectos que contornam a Rússia, este país vai permanecer um fornecedor decisivo de gás natural para o mercado europeu. E a profunda interdependência entre todos os actores envolvidos neste campo poderá forçar ao reforço da cooperação bilateral, apesar das rivalidades que subsistem.

O Sudeste da Europa está a tornar-se num "corredor" para a passagem do gás e uma região decisiva para a segurança energética da Europa. A necessidade em assegurar quantidades suficientes de gás para as crescentes necessidades europeias, ou a redução da dependência energética da Rússia, implicou uma série de projectos destinados a abastecer a Europa com gás natural de "países alternativos". Foi neste contexto que se desenvolveram os projectos de gasodutos TGI e Nabucco, que pretendem trazer gás do Azerbaijão, Turquemenistão, Irão, Cazaquistão, Egipto, e mesmo do Iraque, para a Europa. O South Stream (Corrente do Sul), um projecto regional da Rússia, foi considerada uma decisão estratégica para manter a sua posição dominante no mercado europeu. Diversificar o fornecimento de gás natural, e melhorar as relações com a Rússia são dois objectivos pretendidos pela União Europeia (UE), e que podem afinal revelar-se compatíveis.

A UE é um dos maiores consumidores e importadores de combustíveis fósseis do mundo. Necessita de um fornecimento ininterrupto e diversificado de energia, e calcula-se que as necessidades do mercado europeu em gás natural vão aumentar 2,3 por cento por ano, atingindo os 630 mil milhões de metros cúbicos em 2030. E a crise entre a Rússia e a Ucrânia em torno da disputa dos preços do gás natural, que implicou a interrupção do fornecimento de gás natural da Rússia para a Ucrânia e a Europa central, agravou o problema.

A Rússia fornece cerca de 25 por cento do gás consumido na Europa, e a necessidade de assegurar novos fornecimentos de gás fez do Sudeste da Europa uma região decisiva para a segurança energética europeia.

Actualmente, existem três projectos de gasodutos nesta região, e dois deles destinam-se a canalizar gás que não é proveniente da Rússia, e proveniente do Cáucaso, Ásia Central e Médio Oriente. O terceiro projecto envolve o transporte de gás russo por um novo gasoduto que atravessará o Mar Negro.

O TGI

O Interconector Turquia-Grécia-Itália (TGI) foi o primeiro projecto de gasoduto no Sudeste da Europa destinado a transportar gás natural que não é proveniente da Rússia. Envolve a companhia grega DEPA, a turca BOTAS e a italiana Edison. O projecto tem duas fases: a primeira destina-se a ligar as redes de gás natural da Turquia e Grécia, e a segunda fase prevê um gasoduto subterrâneo nas águas do estreito de Otranto com 212 km de extensão e um custo de 500 milhões de euros, para a ligação das redes grega e italiana, e que deverá estar concluído em 2012. Prevê-se que esta rede possua uma capacidade de 12 mil milhões de metros cúbicos em 2012. A possível extensão desta rede para a região dos Balcãs Ocidentais também está em discussão.

O Nabucco

O gasoduto Nabucco, com 3280 km de extensão também está destinado a evitar o transporte de gás russo, e prevê-se que na fase final garanta 30 mil milhões de metros cúbicos por ano. Inicia-se em Erzurum, Leste da Turquia, e foi projectado para atravessar a Bulgária, Roménia e Hungria, até ao complexo de gás natural de Baumgarten, na Áustria. Em Fevereiro de 2008, a RWE alemã tornou-se no sexto parceiro do projecto.

De início, a matéria-prima vital será transportada pelo gasoduto Nabucco desde o Azerbaijão, fonte original, transitando pelo território da instável Geórgia até à Turquia, e de onde seguirá para o "coração" da Europa.

O gasoduto do Cáucaso do Sul, que fornece a Turquia com gás natural do Azerbaijão, será ligado a Erzurum. Também se previa a conexão Tabriz-Erzurum, o gasoduto que canaliza gás iraniano para o mercado turco. No entanto, as más relações entre Teerão e o Ocidente estão a comprometer esta possibilidade. Também se prevê que este novo projecto possa exportar gás natural do Turquemenistão, Cazaquistão, Iraque e Egipto para o mercado europeu.

Este projecto, anunciado em 2004, também obteve um forte apoio dos Estados Unidos, que o encaram como um passo para a emancipação económica e política das ex-repúblicas soviéticas do Cáucaso e Ásia Central. O Nabucco enfrenta contudo diversas dificuldades, pelo facto de o gás azeri ser insuficiente para tornar o projecto rentável. Para amais, o Turquemenistão apenas está autorizado a fornecer quantidades limitadas de gás natural para Nabucco, e através de território iraniano.

Em paralelo, a Rússia intensificou os esforços para assegurar a maior quota possível de gás turcomeno, através da melhoria das infra-estruturas e de preços mais competitivos. O mesmo fez Moscovo com o Azerbaijão, numa óbvia antecipação ao acordo em torno do Nabucco, e numa tentativa de tentar controlar as potenciais fontes de energia destinadas à Europa. Assim, em finais de Junho passado, a gigante Gazprom assinou um acordo com Baku para a importação inicial de 500 milhões de metros cúbicos de gás natural azeri a partir de 2010, e que depois será reexportado para a Europa. O responsável da Gazprom, Alexei Miller, também anunciou que a companhia terá prioridade em adquirir gás natural do enorme campo azeri de Shakh Deniz, no Mar Cáspio, em fase de expansão. Será talvez por este motivo que nos círculos russo se comenta que Nabucco é um projecto que arrisca a ter as condutas… vazias.

O South Stream

O terceiro projecto destinado a atravessar o Sudeste europeu designa-se South Stream e é de origem russa. E exclusão da Rússia do projecto Nabucco, por pressões dos Estados Unidos e UE, justificou o projecto do gasoduto South Stream, e em Junho de 2007 a Gazprom e a companhia de energia italiana ENI assinam o primeiro protocolo. Com uma capacidade total de 30 mil milhões de metros cúbicos por ano, as condutas partem do terminal de Beregovaya, na costa russa do Mar Negro, e atravessam o fundo do mar durante 900 km até atingirem as costas búlgaras, perto de Varna. Depois, divide-se em duas secções: para Norte atravessará a Sérvia e Hungria até à Áustria; para Sul, a Grécia, o Mar Jónio, até alcançar a Itália. Um projecto que também conhece limitações, devido à necessidade em aumentar a produção da matéria-prima e descobrir novas jazidas. E a recusa da Rússia em assinar o Tratado da Carta de Energia de 1991, constitui outro potencial problema nas relações com a UE.

Apesar dos projectos que contornam a Rússia, este país vai permanecer um fornecedor decisivo de gás natural para o mercado europeu. E a profunda interdependência entre todos os actores envolvidos neste campo poderá forçar ao reforço da cooperação bilateral, apesar das rivalidades que subsistem

Revista Autor

Mudanças climáticas e energia


Escrito por Edimir Kuazaqui

A Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio dos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), revelou em 02 de Fevereiro de 2009 uma verdade bastante inconveniente: o chamado homo sapiens, the "king of the world" (numa alusão ao filme Titanic) é o principal responsável pelos efeitos irreversíveis do aquecimento global e consequentemente pelos inúmeros efeitos colaterais que temos sentido nos últimos anos - fato esse devidamente referenciado nas telas do cinema, em Matrix, de Andy e Larry Wachowski, nos anos 1980, ou seja, os humanos vistos como o verdadeiro câncer no planeta.

Esse relatório foi considerado o mais sombrio de toda a existência da ONU, embora, posteriormente, se tenha tentado diminuir seu impacto, simplificando e omitindo-se dados e informações, democratizando, de forma hipócrita e irreal, a responsabilidade do problema, com a transferência da solução para todos os habitantes do planeta. Até um ursinho abandonado foi utilizado como mártir e símbolo de campanha. Pelo menos algumas pessoas ainda se recordam do ursinho...
Atualmente, os efeitos do fenômeno estufa podem ser sentidos em diversas regiões do planeta. A escassez de água deverá afetar cerca de um bilhão de pessoas nos próximos anos; e a falta de alimentos atingirá cerca de 600 milhões em razão de secas, degradação nos ambientes e salinização do solo; devem surgir novas doenças (e possivelmente grandes ganhos financeiros a partir de novas tecnologias e remédios); tsunamis e calor excessivo, além do derretimento das calotas polares, que virou o assunto da moda. De forma triste e irônica, serão as populações mais pobres e menos informadas que sentirão os efeitos de maneira mais contundente. As nações mais ricas, e consequentemente mais preparadas e organizadas, terão como alternativas mecanismos de resposta, controle e superveniência que podem conter as influências em comércio exterior e internacional, por exemplo. Um dos maiores patrimônios mundiais, a Amazônia, corre o risco de, brevemente, ter o seu leste savanizado, o que transformará todo o ecossistema e eliminará grande parte da fauna e flora, verdadeira riqueza (hoje, inclusive, objeto da biopirataria). E alguns países ainda se vangloriam da tecnologia para a fabricação do etanol como parte da matriz energética mundial, numa alusão clara e direta às chamadas oportunidades de negócio.

Após o chamado período pós-guerra, as economias dos países mais desenvolvidos criaram mecanismos de ajuste internacional, no sentido de equilibrarem as transações comerciais internacionais. Modismos como empreendedorismo e novas formas de otimização de resultados meramente empresariais surgiram com o objetivo de conduzirem o ser humano ao centro do universo e de trazerem as soluções para todos os males que ele mesmo criou. Questões importantes como o fim dos empregos formais e a consolidação do desemprego estrutural foram discutidas, mas relegadas a assuntos secundários - aliás, como ocorreu também com a questão da fome nos países menos desenvolvidos.

Bem depois, o 11 de Setembro traçou um panorama sombrio e criou um cenário bastante conturbador, principalmente na sociedade ocidental, elevando ao máximo nossos medos e temores internos. O grande problema é que as populações, de certa forma, assimilaram os problemas e se adaptaram sem uma resposta ou solução conclusiva ou mesmo de nível integrado e social.

Agora, a "bola da vez" (e realmente utilizo este termo para demonstrar a banalização com que a sociedade foca o tema) é o aquecimento global, com a possibilidade de não termos um futuro nada saudável. Resta-nos esperar se ocorrerão novos modismos para ganhar dinheiro e desviar a atenção dos incautos e menos esclarecidos sobre os reais problemas que assolam a humanidade. Curiosamente, os impactos da Antártida e do Ártico têm reflexo na redução da salinização dos mares, enfraquecimento das correntes marítimas e elevação no nível dos oceanos. O fato de a água ser categorizada como recurso não renovável deveria ser um dos grandes sinalizadores para que todos esses avisos da natureza fossem escutados. E as lideranças, onde ficam neste cenário e contexto?

À bem verdade, o mundo vive uma verdadeira crise de valores morais, éticos, de responsabilidade social mascarados pela crise financeira e ambiental. Para o economista alemão e diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, um dos caminhos a serem seguidos é o investimento em tecnologias limpas que diminuam a emissão de poluentes no meio ambiente. Entretanto, os impactos ambientais vêm de uma forma acelerada e os danos irreversíveis, como a extinção de espécies, fome e pobreza. Programas de tecnologia limpa exigem um alto investimento em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, e exigem um período de tempo extenso para ser aplicado em economia de massa. No Brasil, o programa de etanol evoluiu para a exportação em razão do aprofundamento das discussões das mudanças climáticas, pois originalmente foi idealizado para o mercado interno brasileiro no sentido de ampliar a estrutura energética brasileira. A China pretende investir US$. 60 bilhões de dólares e Barack Obama também deseja aplicar US$.80 bilhões de dólares no chamado investimento verde. Embora relevantes, os investimentos ainda são pequenos em relação às necessidades do planeta. Pretende-se a cura homeopática de um câncer já instalado. Enquanto isso, a Amazônia é depredada numa velocidade nunca vista, enfraquecendo ainda mais o pulmão do planeta. Que futuro teremos a oferecer para nossos sucessores?



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Mudanças climáticas e energia
01-Set-2009 © 2009 - Revista Autor


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Fonte: http://www.revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=495&Itemid=1

O significado de "pobreza" ao neoliberalismo


O significado de "pobreza" ao neoliberalismo
François Houtart

Alguns anos atrás, quando eu visitei o Banco Mundial em Washington, um grande sinal adornada uma parede dentro da entrada: tenho um sonho, um mundo livre da pobreza. Esta declaração me surpreendeu de forma que eu queria escrever abaixo: e agradecer o Banco Mundial continua a ser um sonho. Na verdade, o objetivo da minha apresentação é mostrar a contradição entre as intenções anunciadas e as políticas implementadas, e, especialmente, a estudar a ligação entre a luta contra a pobreza e as perspectivas neoliberais.

Desde 1972 era o Banco Mundial analisou a questão da pobreza, que corresponde a um pouco depois do início da adoção de uma política global neoliberal económica, a qual, mais tarde chamado Consenso de Washington. Mas foi só em 1990 que o Banco Mundial, traduzida esta perspectiva política mais explícita, logo após a queda do Muro de Berlim eo triunfo do neoliberalismo.

Alguns anos mais tarde, o PNUD publicou seu primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, a introdução de novos índices que agregam valor a determinados aspectos qualitativos referentes a situações económicas e sociais no mundo. Em 1995, em Copenhague uma sessão extraordinária das Nações Unidas sobre a questão da pobreza, e em 1997 foi declarada a primeira década das Nações Unidas para a erradicação da pobreza.

O FMI, entretanto, transformado no início do século, seus planos de ajustamento estrutural em programas de redução da pobreza e crescimento (Redução da Pobreza e Crescimento para churrasco - PRGF) Que obrigam os países a elaborar uma igualmente Poverty Reduction Strategy Paper - PRSP, Que em finais de 2004 tinha alcançado 43 países.

Quanto ao Banco Mundial, esta fala de hoje Pacotes de Redução da Pobreza (PRSP). Em 2000, em Genebra uma nova reunião especial da Organização das Nações Unidas para avaliar os resultados de que tinham cinco anos antes. Era chamado de Copenhague +5 (apesar de algumas chamadas Copenhague -5) e alguns meses mais tarde, houve uma outra reunião na sede das Nações Unidas em Nova York, que reuniu mais de cem chefes de Estado, que emitiu a Declaração de Millennium, com 10 pontos, sendo a primeira a erradicação da pobreza extrema e da fome pela metade até 2015.

Ao longo do tempo e, dependendo das intenções, vemos uma evolução do vocabulário. Nós "eliminar" pobreza "redução da pobreza" e nos últimos anos, é o conceito de pobreza extrema associada com a fome. O último, de acordo com declarações devem ser gradualmente erradicadas, enquanto a pobreza tem de ser atenuado. Os alvos são fixados em 25 ou 15, conforme o caso, mas não resolve definitivamente o problema, mas para reduzir para um terço ou metade do número de pobres no mundo. Já em 1990 as Nações Unidas propuseram reduzir para metade a pobreza extrema até 2015. Esta meta foi aprovada em 2000 pela Declaração do Milénio. Parece que esta meta não será alcançada. No entanto, vivemos em uma época em que mais riqueza do que nunca. Em 50 anos de renda do mundo foi multiplicada por sete, mas, no entanto, actualmente, cerca de 1 300 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia.

Ainda mais importante do que a pobreza é a crescente desigualdade no Norte e Sul. Começamos a falar de pobreza relativa e muito mais restrito. O Banco Mundial prepara um relatório sobre a desigualdade. Será que vai haver entendido que o problema não é a pobreza, mas também a riqueza ea concentração?

Os números sobre a pobreza diferem de acordo com os cálculos, os valores de referência e os métodos utilizados. Embora o Banco Mundial estimou em 1980 que havia 800 milhões de pobres em 1990, afirmou que 633 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Em 2002 ele publicou o seguinte quadro que exclui a China:

A pobreza no mundo, segundo o Banco Mundial



Receita
1981
1990
2001

Menos de $ 1
1 481,8
1 218,5
1 099

Menos de $ 2
2 450,0
2 653,8
2 735

Menos de $ 1
31,7%
26,1%
22,5%

Menos de $ 2
58,8%
56,6%
54,9%

Fonte: S. Chen e M. Ravallon, Como têm mais pobres do mundo, saiu-se desde início dos anos 1980, World Bank Policy Research Working Paper 3341, Junho de 2004, citado por Francine Mestrum, 2005.

Alguns estimam que o cálculo do Banco Mundial é muito restrito e, portanto, é demasiado optimista. UNTAC, por meio de pesquisas domiciliares, chegou a calcular os valores mais elevados de pobreza. CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) chegou a conclusões semelhantes [S. Chen e M. Ravallon, 2004, 334]. A tabela do Banco Mundial, prevê, com efeito, uma interpretação relativamente otimista: diminui a extrema pobreza em situação de pobreza relativa e absoluta e declina ao menos em termos relativos. Mas isso também significa que no espaço de 20 anos é de quase 300 milhões de pessoas pobres no mundo. Às vezes esquecemos que os pobres não são estatísticas, mas as pessoas dentro e fora da pobreza é o mais básico dos direitos humanos.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD, em 2003, 54 países eram pobres em 2000 do que em 1990 e 34 tinham visto a sua expectativa de vida. Entre 1980 e 1998, 55 países experimentaram declínio econômico em suas taxas e durante a década, 34 países, caiu na gama de indicadores de desenvolvimento. Em seguida, é possível fazer um balanço global favorável, especialmente se considerarmos que até mesmo o crescimento econômico, espera-se que constituem a fonte de redução da pobreza foi menor para o Sul dos anos 80, ou seja, diminuiu durante o período neoliberal do que no período anterior conhecido pelos seus regulamentos (keynesianismo ou o desenvolvimento nacional).

Tudo isso nos leva a questionar a definição de pobreza. Dados expressos mostram que é difícil medir e misturar uma forte dose de arbitrariedade. Os números abaixo de um dólar ou dois, adicione uma dólares E.U. flutua, mas pelo menos tem a vantagem de oferecer uma visibilidade concreta. Deve também adicionar uma série de considerações qualitativas, que não são menos interessantes, mas que também são muito ambíguos, como observado por relevância Francine Mestrum [2002].

Na verdade, não há como negar que a pobreza tem aspectos qualitativos: baixa qualidade de vida, dificuldades no acesso à educação e cultura, falta de higiene, porém, o problema é saber o que é atribuído a esses fatores. Parte da literatura tenta culpar os pobres e isso não é novidade na história. São todas essas deficiências, como causas da pobreza, ou ela é o resultado dessas fraquezas? Hoje, falamos facilmente da explosão demográfica, os maus governos, a corrupção, os fatos que neste tipo de discurso aparecem como a causa dos problemas dos países em desenvolvimento.

Além disso, temos o mesmo problema para analisar formas de reduzir a pobreza. Você pode ler o relatório sobre a pobreza no Vietnã, que "o Vietnã de realizações em termos de redução da pobreza, são os maiores conhecidos sucesso no desenvolvimento econômico" [Vietnã Reunião do Grupo Consultivo, 2003, xi]. O grupo atribui este resultado, principalmente para a crescente integração da agricultura na economia de mercado vietnamita. Pouca atenção é dada no presente documento, o fato de que a economia socialista tinha conseguido tirar o país de uma situação desesperadora, dado o exercício de guerra. [F. Houtart, 2004]. É verdade que, se seguirmos os critérios do Banco Mundial, a maioria da população vivia em situação de pobreza (menos de dois dólares por dia), mas era uma pobreza partilhada com dignidade, porque as necessidades básicas eram usualmente garantidos. Foi uma austeridade real, livre da miséria e as desigualdades crescentes. O fato de que, nesta base, a introdução de alguns mecanismos de mercado acelerou o crescimento global, não é nada surpreendente. Como você explica que na América Latina, por exemplo, onde o mercado é de longa data da lei, os resultados não são semelhantes? Qual será o futuro da sociedade vietnamita, o dia em que todos os mecanismos de regulação são abolidas, pelas normas do Banco Mundial?

Francine Mestrum conclui que a pobreza deve ser definida "como a falta de meios de existência" e acrescenta que "numa economia de mercado, isto significa uma falta de recursos financeiros" [Francine Mestrum, 2005]. Para compreender a pobreza, então não é saber o tipo de relações sociais e os mecanismos de reprodução, porque a pobreza é socialmente construída. Ela é natural [Alternatives Sud, Vol. VI (1999), No. 4]

Os documentos do Banco Mundial e do FMI, para não mencionar as da OMC, com grande convicção rastrear o caminho para a redução da pobreza. Elas são baseadas em evidências: temos de aumentar o crescimento, porque você não pode compartilhar um bolo sem ter sido feita. O caminho para aumentar o crescimento, de acordo com esta perspectiva, é permitir que o mercado funcione e, portanto, liberalizar a economia, eliminar todos os obstáculos para o intercâmbio de bens, serviços e capitais, privatizar mais empresas estatais ea desregulamentação dos serviços públicos e proteção social que impedem este processo. Em última análise, isso beneficia os pobres que, na pior das hipóteses, poderia apreciar o efeito coador (trickle down) Algo que poderia traduzir como pegar as sobras.

Para atingir esta política de crescimento deverá reduzir a pobreza, medidas específicas foram tomadas ao nível macro, em particular, têm sido implementadas políticas monetaristas do FMI. Nesta perspectiva, podemos criar as condições que fizeram reivindicações dos estados, ou seja, reduzir os gastos, a privatização dos serviços públicos, educação superior, de saúde, reembolso de débito para garantir a credibilidade dos investimentos e empréstimos, abertura de mercados, incentivos para o capital estrangeiro, a desregulamentação do trabalho e uma série de outros elementos. A luta contra a pobreza está prevista, neste contexto, a fim de sanar as conseqüências não intencionais, e sem dúvida resultado inevitável da dinâmica do mercado.

Mas temos de saber sobre os resultados reais social dessas políticas. Os exemplos abundam. Em Bangladesh, a indústria têxtil, em grande parte terceirizada para um país "mais competitivo", levou dois milhões de trabalhadores, principalmente em meninas jovens (85%). Segundo uma testemunha, "trabalham 12 horas por dia, muitas vezes, 7 dias por semana, para os salários de 13 a 30 euros por mês. Locked up, gravado no início, esses salários não têm o direito de falar uns aos outros. A liberdade de associação é meramente teórica, os subversivos são demitidos e cerca de 300 trabalhadores morreram em incêndios desde 1990 "[Le Monde Diplomatique, agosto de 2005].

No Sri Lanka, o Banco Mundial decidiu em 1996 que iria eliminar o cultivo de arroz, porque o custo mais barato se comprado no Vietnã ou na Tailândia. Como os pequenos agricultores dispostos a deixar a produção, o Banco Mundial impôs, primeiro, o governo de desmantelar as agências estatais destinadas a regular o mercado e apoiar os pequenos agricultores e também impôs um imposto (privatizada) sobre a água para irrigação. Mais tarde, ele exigiu do governo a distribuir títulos de terra (a terra para o cultivo de arroz foram coletivo) para promover a venda de terrenos a preços baixos para empresas nacionais ou estrangeiras que estavam dispostos a promover culturas de exportação .

Para responder ao que o Banco Mundial prevê um crescimento para os pobres (crescimento pró-pobre) O Governo do Sri Lanka publicados Poverty Reduction Strategy Paper com o título de Recuperando Sri Lanka. O relatório afirma, inter alia, que o plano significaria uma oportunidade real para o país porque os milhões de pequenos agricultores que produzem arroz, o trabalho que viria a ser baratos, que atraem capital estrangeiro. Mas, como essa política é realizada por quarenta anos, o movimento sindical tem feito lobby para melhorar as condições de vida e trabalho. Resultado: a força de trabalho tornou-se muito caro, e capital de ter ido para a China ou o Vietname, onde é mais vantajosa. Logicamente, o Governo do Sri Lanka, concluiu que é preciso reduzir os salários, reduzir a segurança social e pensões amputada de modo a tornar-obra mais competitiva, o que nas palavras de Sarath Fernando , chefe do MONLAR movimento camponês "é espantoso que a promoção do crescimento para os pobres, tem primeiro de criar os pobres".

O Banco Mundial exige agora que, por estas políticas, têm em conta as tradições culturais, a organização social e valores. Pede também a participação da sociedade civil. Mas, na realidade, as organizações são consultados de forma seletiva. Os mais radicais não são tidos em conta. Os documentos são raramente traduzida do Inglês (no Camboja, eles não existem em a língua nacional no Sri Lanka, o documento do governo americano é escrito em Inglês). Nos raros casos onde houve uma verdadeira consulta, os planos foram rejeitadas ou substituída por propostas alternativas (como no Sri Lanka).

Podemos pensar que estas são as estratégias para combater a pobreza no longo prazo, que exigem sacrifícios, infelizmente. Na verdade, a lógica vai mais longe. Segundo documentos do Banco Mundial, identificar o processo de redução da pobreza significa libertar os pobres de uma unidade de alienar sistema de protecção social e, conseqüentemente, torná-los protagonistas do seu próprio destino. Essa idéia liberal é aparentemente generosa, mas é seriamente contestado pelas relações sociais de um mercado onde o mais forte, as privatizações, que tornam cada vez mais difícil o acesso à educação, saúde, água, electricidade, e, claro, torna menos acessíveis aos pobres, ea transformação das políticas sociais, que circulam de um sistema de proteção (e muito aleatório no Sul), considerado um direito, para a prestação de serviços privatizados sob as formas de contratos.

Devemos acrescentar que, de acordo com o estudo de Dante Salazar, programas de combate à pobreza não quase nunca chegar aos mais pobres. É apenas uma camada do meio da pobreza que os benefícios, porque os complexos mecanismos de políticas de combate à pobreza, associada com a estrutura das relações sociais, deixar de fora os mais pobres [Dante Salazar, 1999, 47-62 ].

No entanto, mesmo dentro dos parâmetros existentes, só teria que dedicar uma parte modesta da riqueza criada para satisfazer as necessidades básicas de toda a humanidade, nomeadamente a erradicação da pobreza. Em 1997, o PNUD estima-se que estes seriam de cerca de 80 mil dólares por ano. Jeffrey Sacks, por seu lado, director do Secretário-Geral das Nações Unidas, avalia o custo da Agenda do Milênio, em 133 mil dólares em 2006, passando para 195 mil em 2015. Basta ver as mais de US $ 400 mil em dívidas de países do Terceiro Mundo, em 2004, ou 900 mil dólares de armas de despesas (417 mil E.U.), 3 ou 4 trilhões de dólares depositados em paraísos fiscais, para perceber que a solução é possível. Além disso, mesmo sob condições adversas consideráveis, algumas empresas conseguiram, em poucos anos para eliminar o analfabetismo, a pobreza e as doenças endémicas, sem ter quantidades comparáveis ou Plano Marshall. Este tem sido o caso, entre outros, China, Vietnã, Cuba e Venezuela, que está fazendo neste momento. Portanto, é evidente que a luta contra a pobreza, tal como concebido pelo Banco Mundial, é parte de um quadro político abrangente, que contradiz a sua realização. A razão reside na filosofia que anima e cujos fundamentos estão no cerne do projeto econômico neoliberal.

Não é de todos, no nosso caso a um processo de intenção, mas sim para compreender as estratégias que fundamentam as aplicações específicas da luta contra a pobreza. Devemos concluir que estes são parte de uma lógica econômica global não é inocente, porque favorece uns e outros inconvenientes, criando, assim, sobre as bases são constantemente renovados, como resultado de novas tecnologias, da desigualdade e do antagonismo de classes. O liberalismo econômico vê o mercado como natural, portanto, indiscutível, e não como uma construção social que depende das circunstâncias específicas do seu funcionamento. Na lógica do capitalismo, as relações de mercado só pode ser desigual, porque eles são a própria condição para a acumulação privada de capital.

Dito isso, voltamos à lógica da luta contra a pobreza. Certamente este é contrário ao pensamento liberal do ultra ou neoliberalismo, que eles consideram uma parte da humanidade não conseguiu ingressar no mercado, porque os consumidores são inúteis massa produzindo valor acrescentado e não são (veja a crítica que ele fez a esta posição Suzan George, 2002). Pelo contrário, temos de ajudar os pobres a ingressar no mercado, seja tornando-as capazes de vender seu trabalho, seja por transformá-los em pequenos empresários (capitalistas descalços) o que explica, entre outras coisas, a importância dada integrada do sistema bancário de micro-crédito.

Então nada muda no que diz respeito às diretrizes do Consenso de Washington. Pelo contrário, a luta contra a pobreza é adicionado como um décimo primeiro princípio aos dez já alcançados, uma vez que permite a extensão da lógica de mercado em áreas que foram deixadas de fora da acumulação capitalista, como a agricultura e os serviços públicos. Ela inseridos os pobres em estratégias individuais que contribuem para enfraquecer as lutas sociais coletivas. Ela pode conjurar um perigo potencial para os ricos, como Kofi Annan, disse no Fórum Econômico Mundial (Davos), reunidos em Nova York em 2004. Ela ajuda a retardar as desigualdades são essenciais para o crescimento em limites razoáveis, evitando explosões sociais. Em suma, diz Francine Mestrum, ele cria uma "pobreza dócil, respeitosa, que se consola com um pouco de dinheiro" [F. Mestrum, 2005].

Lembre-se que a definição de pobres e atitude para isto tem sido um dos problemas de geração de sistemas econômicos de desigualdades. Houve um período em que o estatuto dos pobres estava ligado a uma leitura religiosa da sociedade: pobres foi o que ele ou seus ancestrais, pecaram, e rica era a pessoa que foi abençoada por Deus, o homem pobre que não tinha acumulado méritos suficientes em suas encarnações, o pobre foi o que permitiu que os ricos para ganhar o céu, graças à sua generosidade. Além disso, culpando os pobres, em seguida, levaram à criminalização da pobreza e para identificar o agressor indigentes. A burguesia industrial do século XIX na Europa foi amplamente utilizado visões dos séculos precedentes, mas adaptando-os aos novos dados a partir de uma cultura secular e as suas relações sociais do capitalismo industrial. Os trabalhadores plenamente exploradas, devem participar no progresso económico sacrificar a qualidade de suas vidas. Os pobres não estão integrados no sistema e não conseguem vender o seu trabalho, eram considerados como marginais, muitas vezes irrecuperáveis. Foi o cuidado de caridade ou que devem responder às necessidades dos pobres, atendendo assim as aspirações humanistas de alguns ricos, mas sem uma transformação das condições de trabalho ou de relações de poder no campo econômico.

Hoje, enfrentamos a mesma lógica. Michel Camdessus, o FMI como um diretor, falou sobre as três mãos: o sistema de mercado de base invisível (), o Estado regulador (o que cria condições favoráveis para o mercado) e da caridade, para os excluídos. Na verdade, podemos lembrar o que diz George Simmel, sociólogo alemão, escrito em 1905, cem anos atrás: "a luta contra a pobreza sempre responde às necessidades dos não-pobres" [citado por F. Mestrum, 2005].

A pobreza é um problema social historicamente construída. Numa economia de mercado capitalista deve ser analisado sob a luz das relações sociais existentes, tanto no interior de cada sociedade, como em um nível global, nomeadamente em termos de Norte-relações sul. Certamente, os contextos climáticos, geográficos, demográficos, têm um papel importante, mas sempre dentro da forma como ela é economicamente e das sociedades politicamente construída.

No mundo de hoje, além do caso de catástrofes naturais, que os efeitos mais ou menos destrutiva, também estão ligados com a organização social, ou atos de guerra, também produzido por fatores políticos e econômicos, a miséria ea pobreza são controláveis. Não há desculpas para a reprodução e é inaceitável para colocar esses longos períodos de erradicação. A riqueza produzida possa satisfazer todas as necessidades. Mas, infelizmente, o problema não é apenas desigualdade, mas o fato de que a produção de riqueza, tal como previsto na lógica capitalista, é baseado sobre a pobreza: trabalhadores pobres no Anglo-versão saxão, os desempregados na Europa continental, os baixos salários nas economias emergentes, as massas inúteis no sul. Pior ainda, o crescimento é condicionado pela redução da protecção social, a privatização dos serviços e aumento das desigualdades.

É neste contexto que se insere uma luta contra a pobreza, o desenvolvimento de um discurso altruísta e políticos, se os cuidados, quer a tempo de crédito válido (pequeno, formação técnica), mas estruturalmente deslocadas do contexto global. Cavar poços ou melhorar as estradas, sem dúvida, contribui para melhorar a situação das populações. Mas tais iniciativas são apenas um acaso eficiência, enquanto ao mesmo tempo, as políticas macroeconômicas têm o efeito de aumentar a insegurança dos trabalhadores, concentrando a riqueza, quebra de proteção social, eliminar o património colectivo de privatização prematura, os recursos públicos destinados a despesas rentável para o capital, mas não produtivo ou mesmo prejudicial para as populações (sobrearmamentismo, por exemplo) e destruir o meio ambiente, especialmente os mais vulneráveis.

Há então a saltar para o barco na luta contra a pobreza, em termos de intervenção imediata, mas cujo preço a pagar é a submissão a uma ordem social e económica que contradiz a médio prazo e os transforma em um barril de Yoke, isto é, sem substância, ou um trabalho de Sísifo, que sempre tem que começar de novo. Os pobres sofrem e morrem de hoje e não amanhã e, portanto, temos de agir. Mas, ao mesmo tempo, a máquina que faz com que está em curso e é alimentada pelo Banco Mundial, FMI, bancos regionais, a OMC e todo o aparato institucional do neoliberalismo.

Em seguida, é necessário continuar o trabalho, com seus momentos sublimes e seus erros dramática transformação do sistema econômico capitalista e suas expressões políticas e culturais. É uma luta de longo prazo, sem o qual a luta contra a pobreza não tem sentido. Ao mesmo tempo, mas sem perder de vista a dimensão política é essencial para trabalhar todos os dias no campo, não numa perspectiva de bem-estar, não individualizada soluções, mas para fortalecer a ação coletiva, reconstruindo os mecanismos públicos de consolidação social e reduzir desigualdades. No entanto, deve estar ciente de que o conteúdo do discurso e os actuais objectivos dos programas de combate à pobreza não vai nessa direção. Quaisquer que sejam as intenções ou os efeitos positivos imediatos de alguns destes programas, a luta chamado contra a pobreza é interrompido das políticas neoliberais e do desenvolvimento capitalista.

Alternativas existem. Primeiro de tudo devemos lembrar que o combate à pobreza é sobretudo da luta dos pobres, em vez dos pobres. São eles que conseguem sobreviver e lutam para melhorar suas condições de vida. Outra filosofia é possível remover os obstáculos à liberdade de pobreza, considerando a economia ea atividade humana que causa a base material do desenvolvimento físico, cultural e espiritual de todos os seres humanos no mundo.

Outras políticas podem acompanhar o caminho para a emancipação dos pobres e conhecê-los. As pessoas hoje têm os intelectuais e meios materiais a aplicar em todos os níveis, desde a utopia do "bom" até que as alternativas a médio e curto prazo. Esse é o nosso compromisso moral. Esperemos que as principais correntes de pensamento e profética emancipatório, José Martí, onde desempenhou um grande papel, inspirando-nos nesta tarefa.


REFERÊNCIAS

1. Alternatives Sud, Comment se construit la pauvreté?, Vol. VI (1999), n° 4.

2. CHEN J. e RAVALLON M., Competir Conceitos de desigualdade na globalização Debates, World Bank Policy Research Working Paper 3243, March 2004.

3. Houtart F., Hai Van, a dupla transição vietnamiennes d'une CommuneParis, Les Indes Savantes, 2004.

4. Mestrumà F., La lutte contre la pauvreté, utilité d'un discours politique dans le Nouvel Ordre Mondial, In S. AMIN e Houtart F., Mondialisation des Résistances - L'état des luttes 2002Paris: L'Harmattan, 2002.

5. Mestrumà F., Mondialisation et pauvreté, Paris, L'Harmattan, 2002.

6. Mestrumà F., De Rattenvanger van Hameln, Antuérpia, Epo, 2005.

7. SALAZAR Trazon D., Comentário résultant remédier à la pauvreté de la coopération internationale? Alternatives Sud, Vol. VI (1999), n° 4.

8. Vietnã Reunião do Grupo Consultivo, Vietnam Development Report 2004, Hanói, 2-3 Dezembro de 2003.


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