quarta-feira, 3 de junho de 2009

Previsão: tragédia

Com o aquecimento do planeta, aumentam as inundações nas regiões úmidas e ficam ainda mais secas aquelas em que falta água.
Por Elizabeth Kolbert
Foto de China Daily/Reuters/Corbis

Em julho de 2007, 230 milímetros de chuva em 24 horas inundaram a cidade de Chongqin. Na mesma época, no norte do país, mais de 1 milhão de pessoas sofriam com a seca.

O primeiro império de que se tem notícia, a Acádia, surgiu há 4,3 mil anos entre os rios Tigre e Eufrates. O império era governado a partir de uma cidade também conhecida como Acádia - que ficava logo ao sul da atual Bagdá -, e sua influência estendia-se ao norte até a Síria, a oeste até a Anatólia e a leste até o Irã. Bem organizados e armados, os acádios acumularam muita riqueza: textos da época mencionam desde madeiras nobres até metais preciosos, que chegavam à capital vindos de regiões remotas.

No entanto, após um século de existência, o império acádio chegou ao fim. Durante um período de três anos, quatro indivíduos reivindicaram o trono do imperador. "Quem era o soberano? Quem não era?", indaga um texto que ficou conhecido como Lista dos Reis Sumérios.

Por muito tempo os historiadores atribuíram às disputas políticas a culpa pela queda do império. Mas, há uma década, climatologistas que examinaram os registros de leitos dos lagos e do golfo de Omã descobriram que, bem na época em que ruiu o Império Acádio, houve uma drástica redução nas chuvas. Acredita-se que o colapso da Acádia tenha sido, na verdade, ocasionado por uma seca devastadora. Outras civilizações cujo fim foi associado a alterações na precipitação pluvial incluem o Antigo Império no Egito, cuja derrocada ocorreu na mesma época da decadência dos acádios; a civilização de Tiwanacu, que prosperou nas imediações do lago Titicaca, nos Andes, por mais de um milênio até seus campos serem abandonados, por volta do ano 1100; e o período clássico da civilização maia, que, no apogeu de seu desenvolvimento, também sofreu um colapso no ano 800.

As alterações no regime das chuvas que aniquilaram essas civilizações são, claro, muito anteriores à industrialização. Elas foram ocasionadas por alterações naturais no clima cujas causas permanecem desconhecidas. Por outro lado, as mudanças provocadas pelo aumento da concentração de gases associados ao efeito estufa são de nossa inteira responsabilidade. Também elas vão afetar o regime das chuvas, e de uma maneira que poderá se revelar também catastrófica.

O ar quente contém mais vapor d'água - em si mesmo um dos gases do efeito estufa - do que o ar frio, e por isso, num mundo mais quente, a atmosfera contém mais umidade. A cada grau Celsius que a temperatura sobe, aumenta em 7% o vapor d'água no ar junto da superfície. Isso não significa que vai haver mais chuva, mas é provável que provoque mudanças na distribuição dela. E vai intensificar a dinâmica básica que governa as precipitações: em algumas regiões, o ar úmido tende a subir, ao passo que em outras a umidade costuma retornar como chuva e neve.

"O raciocínio básico seria que as transferências de água vão aumentar", explica o cientista Isaac Held. Nos próximos 100 anos, as regiões polares e subpolares vão receber mais precipitações, ao contrário das regiões subtropicais - entre as zonas tropicais e temperadas -, que terão menos chuvas. Já em escala regional, os modelos divergem sobre algumas tendências. No entanto, há consenso em que a bacia do Mediterrâneo, por exemplo, vai se tornar mais árida. O mesmo vai ocorrer com o México, o sudoeste dos Estados Unidos, a África do Sul e o sul da Austrália. O Canadá e a Europa setentrional, por outro lado, vão ficar mais úmidos.

Uma boa regra prática geral, segundo Held, é que "as áreas úmidas vão ficar mais úmidas e as áreas secas vão ficar mais secas". Como temperaturas mais elevadas provocam o aumento da evaporação, até mesmo locais que continuam receber a mesma quantidade total de precipitação vão ficar mais propensos a períodos de seca. Isso constitui um risco especial para regiões que dependem da chuva para o cultivo agrícola. "Na África, só 6% das plantações são irrigadas", diz Sandra Postel, da organização Global Water Policy Project. "É uma área muito vulnerável."

Por outro lado, quando há chuva, esta virá em tempestades intensas, aumentando a probabilidade de inundações - mesmo em áreas assoladas pela seca. De acordo com recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, "estima-se que ocorrências de precipitações fortes se tornem mais corriqueiras" e que um aumento de tais ocorrências já provoca situações desastrosas. Na década entre 1996 e 2005 registrou-se um número duas vezes maior de enchentes catastróficas do que nas três décadas entre 1950 e 1980.

São verdadeiros dilúvios em áreas onde é comum haver muita chuva, caso da Mata Atlântica brasileira. As enchentes do ano passado em Santa Catarina resultaram na morte de 135 pessoas. Desde que começaram as medições oficiais, nunca choveu tanto no vale do rio Itajaí como no final de 2008. Na cidade litorânea de Itapoá, em novembro, desabaram 891,6 milímetros de água dos céus, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Num único dia, foram 237,6 milímetros. Enquanto isso, na cidade de São Paulo, o mês de julho teve zero milímetro de chuva - o mais seco da história. "Essa precipitação em Santa Catarina é de intensidade inédita", diz Francisco de Assis Diniz, do Inmet.

A quantificação dos efeitos do aquecimento global no regime das precipitações constitui uma tarefa desafiadora. A chuva é o que os cientistas consideram um típico fenômeno "ruidoso", no sentido de que há muitas variações naturais de um ano para o outro. Segundo os especialistas, é bem possível que só em meados deste século algumas mudanças de longo prazo nas chuvas se destaquem dos ruídos de fundo das flutuações anuais. Todavia, outras alterações já são perceptíveis. Entre 1925 e 1999, a área entre 40 e 70 graus de latitude norte tornou-se mais chuvosa, ao passo que a área entre 0 e 30 graus de latitude norte ficou mais seca. Confirmando essa tendência, a Europa setentrional parece ficar mais chuvosa, ao passo que vem crescendo a aridez na região meridional do continente. No verão de 2008, a ilha de Chipre sofreu tanto com a falta de chuva que as autoridades se viram obrigadas a trazer água em navios desde a Grécia. "O IPCC avalia em 20% ou 30% a diminuição de precipitações nesta área, ou seja, é um problema que veio para ficar. E, quando se juntam a isso as temperaturas mais elevadas, creio que a vida vai ficar muito difícil em todo o Mediterrâneo", diz Charalambos Theopemptou, o responsável pelo meio ambiente em Chipre.

Outros problemas poderiam resultar não tanto da quantidade de chuva, mas do tipo de precipitação. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas - um sexto da população mundial - viva em regiões cujo fornecimento de água depende, ao menos em parte, do derretimento de geleiras ou de neve sazonal. À medida que o mundo se torna mais quente, aumenta a precipitação sob a forma de chuva e diminui a de neve, o que irá provocar um colapso nessas fontes de abastecimento. A cidade peruana de Cusco, por exemplo, depende do derretimento das geleiras do pico nevado de Quelccaya para o suprimento de água no verão. Nos últimos anos, com o recuo das geleiras devido ao aumento da temperatura, Cusco teve de recorrer ao racionamento de água.

Diversos estudos recentes, entre os quais uma avaliação de inteligência para uso das autoridades americanas de 2008, preveem que, nas próximas décadas, as mudanças climáticas vão se tornar fonte importante de instabilidade política. A escassez de água será um fator significativo na criação ou na exacerbação de conflitos internacionais. "Em áreas do Oriente Médio, já existem tensões por causa da água", lê-se em documento preparado por um grupo de oficiais militares da reserva americanos. E o aumento das temperaturas também pode estar inchando as fileiras de refugiados internacionais - "As alterações no clima são agora um dos principais motores do deslocamento forçado de populações", afirma António Guterres, alto comissário das Nações Unidas para a questão dos refugiados - e contribuindo para a eclosão de conflitos armados. Segundo alguns especialistas, há conexão entre os combates em Darfur, que se estima tenham cobrado a vida de 300 mil pessoas, e alterações no regime de chuvas da região, colocando os pastores nômades em conflito com os agricultores.

O descompasso nas precipitações atuais poderá afetar as sociedades tão gravemente como algumas das mudanças climáticas no passado? A região sudoeste dos Estados Unidos apresentou, no decorrer da história, uma propensão a sofrer secas fortes o bastante para aniquilar - ou pelo menos dispersar - populações locais. Hoje as técnicas de manejo da água são muito mais apuradas do que eram no passado, e a região sudoeste conta com um sistema de "canalização de dimensões continentais", na expressão de Richard Seager, especialista na história do clima. Mas quão vulnerável é a região diante da provável aridez resultante do aquecimento global?

"Não temos a menor ideia, pois jamais chegamos a esse ponto", comenta Seager. "Mas, com a humanidade influindo no clima, não vai demorar muito para descobrirmos isso."

National Geographic Brasil

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