sexta-feira, 26 de junho de 2009

Perspectivas quanto a negociações entre israelenses e palestinos


Perspectivas quanto a negociações entre israelenses e palestinos, por Heitor Figueiredo Sobral Torres
Até que ponto o discurso Begin-Sadat, proferido em 14 de junho pelo primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu, representa um novo estágio das negociações entre israelenses e palestinos? O pronunciamento marcou a primeira menção do líder israelense à possibilidade de criação de um Estado palestino nas fronteiras da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Com esse fim, encontros com representações palestinas foram propostos abertamente. Enfatizou-se que o diálogo inclui um processo de pacificação que se estende às demais nações árabes. Afirmou-se que essas desempenham um importante papel de mediação: não só apoiando a causa palestina, mas também anuindo ao Estado de Israel.

Algumas nuanças no pronunciamento, no entanto, impediram uma recepção otimista da sua mensagem por líderes árabes e palestinos. O presidente egípcio Hosni Mubarak, um dos principais interlocutores dos israelenses, condenou uma das condições oferecidas por Netanyahu para a criação de um Estado palestino, a de que Israel seja reconhecido como Estado judeu. Isso porque essa consideração impossibilita avanços em um dos pontos mais sensíveis da agenda das negociações, isto é, a reintegração de refugiados palestinos, cujos descendentes estão excluídos do Estado de Israel desde 1948 e que permaneceriam assim caso esse Estado seja associado a uma identidade judaica.

Lideranças palestinas demonstraram insatisfação com o posicionamento de Netanyahu em relação aos assentamentos judeus na Faixa de Gaza. Julgando que as atuais ocupações são legítimas, o primeiro-ministro estaria contradizendo a jurisdição que o futuro Estado palestino teria sobre seu próprio território. Além disso, a proposta de que a soberania do novo Estado também estaria condicionada à sua total desmilitarização é considerada como inaceitável pelos palestinos.

Dessa forma, uma interpretação possível do discurso e do contexto atual das interlocuções entre israelenses e palestinos é a de que, mais uma vez, há um impasse nas condições para o diálogo e, com isso, as propostas de cada lado tenderão a ser continuamente rejeitadas até que, por uma crise ou escalada nos conflitos, as conversações simplesmente cessem. Esse esquema geral pode ser aplicado, em menores ou maiores intervalos de tempo, aos Acordos de Oslo, na década de 1990, aos encontros em Camp David, em 2000, e à Conferência de Annapolis, em 2007. Entretanto, um fator que demanda maior atenção para elucidar os últimos desenvolvimentos é a abordagem do governo norteamericano para as negociações e para o Oriente Médio como um todo.

Analisar a influência dos EUA na dinâmica das negociações induz à premissa de que o país representa uma vertente importante para a resolução da questão. De fato, é possível supor que os momentos percebidos como de maior êxito nas negociações passadas tiveram na participação norteamericana um dos seus maiores trunfos, como os três encontros citados anteriormente atestam. Mais relevante que essa suposição, porém, é pensar de maneira inversa e afirmar que a ausência de participação efetiva norteamericana nos diálogos tem constituído um sério empecilho ao seu êxito. Isso porque outras condições podem ter favorecido diálogos prévios, mas ainda não se verificaram avanços significativos nos casos em que os EUA não tomaram parte importante nos processos.

A própria iniciativa do primeiro-ministro Netanyahu de afirmar publicamente o seu compromisso com um Estado palestino pode ser elucidada pela influência norteamericana. Em encontro com o presidente Barack Obama, ocorrido em maio em Washington, o líder israelense ainda demonstrava resistência à proposta norteamericana de uma solução em dois Estados para a questão palestina. Mais preocupado com a ameaça iraniana, demandou do governo dos EUA uma postura mais incisiva com relação ao regime islâmico, dando a entender que o avanço dos diálogos com os palestinos dependia dessa garantia à segurança israelense. Obama parece ter aquiescido parcialmente à demanda. Porém, em discurso no Cairo no início de junho, o presidente inverteu a lógica e deu precedência à “situação intolerável” dos palestinos como fator para a paz no Oriente Médio, implicitamente indicando que a criação do Estado palestino favoreceria até mesmo a estabilização das relações – americanas e israelenses – com o Irã.

Dentro da estratégia tradicional à política externa dos EUA de procurar flexibilizar a posição israelense no trato com os palestinos, o atual governo ainda tem conseguido que ambas as partes balizem o diálogo por dois documentos provenientes de acordos prévios. O primeiro é a Iniciativa para a Paz emitida pela Liga Árabe em 2002, um marco do consentimento dessas nações ao Estado israelense. E o segundo é o “roadmap” elaborado pelo quarteto mediador composto por Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Nações Unidas. Delimitadas as discussões com essas duas propostas de certo modo complementares, todo o processo de negociação parece ganhar em legitimidade e visibilidade – dois traços fundamentais ao seu êxito.

Algumas peculiaridades do governo Obama podem favorecer que a influência dos EUA nas negociações seja verificada e até mesmo encorajada pelas partes. A proximidade com os interesses israelenses é ilustrada pela figura da Secretária de Estado Hillary Clinton, dotada de grande afinidade com grupos de influência judaicos no Congresso americano. O Chefe de Gabinete Rahm Emanuel é um dos remanescentes dos Acordos de Oslo e, por sua origem judaica, parece contar com a confiança das lideranças israelenses.

O que tende a diferenciar Obama de praticamente todos os seus antecessores na presidência é o seu maior grau de popularidade entre populações muçulmanas. O seu discurso no Cairo não só demonstra isso como também pode ser entendido como uma ação tática para converter essa atmosfera favorável em políticas concretas no Oriente Médio – contenção do extremismo islâmico e da proliferação nuclear, democratização e a própria questão Israel-Palestina. Uma pesquisa recente do Brookings Institution entre populações árabes do Oriente Médio corrobora a hipótese da popularidade e indica que pontos sensíveis de antiamericanismo são a ocupação do Iraque e o suposto descaso com a situação dos palestinos. Isso reforça a tese de que os EUA podem tirar proveito desse momento de maior aceitação no mundo muçulmano para defender exigências palestinas, procurando dissipar a imagem – prejudicial ao progresso das negociações – de aliado incondicional de Israel.

Portanto, a resposta ao questionamento proposto por essa análise permanece sujeita à passagem do tempo e à sucessão dos acontecimentos. Aos pontos básicos de discordância entre israelenses e palestinos – refugiados, assentamentos, ocupação de Jerusalém, a posição do Hamas – não se vislumbram soluções simples ou breves. Sugere-se que a retomada das negociações diretas, condição essencial para o tratamento dessas discordâncias, pode ser observada no contexto da política externa norteamericana para Oriente Médio, pois essa pode ser capaz de trazer elementos novos e influentes ao processo de paz na região.



Heitor Figueiredo Sobral Torres é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais – LARI (heitorfstorres@yahoo.com.br).

Meridiano 47

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