quarta-feira, 17 de junho de 2009

Pacto Verde Global


O new deal verde global não é uma utopia. Ele é possível, mas deve ser construído em cada país
por Sérgio Abranches
Mais de 2 mil cientistas se reuniram este ano em Copenhague para o congresso internacional sobre mudança climática. Quem achou que o encontro fosse gerar uma visão cataclísmica sobre o aquecimento global, errou o alvo. O congresso acendeu um alerta vermelho sobre o risco crescente de que a mudança climática acelere e provoque eventos abruptos e muito danosos. Mas não parou nas conclusões adversas.

Deixou, ao final, uma mensagem curta, com suas conclusões fundamentais, combinando alertas duros e propostas viáveis de solução. Essa mensagem diz que as tendências observadas de aquecimento estão numa trajetória inaceitável e que há o risco de que acelerem e terminem por levar a mudanças climáticas abruptas e irreversíveis. As sociedades, especialmente as mais pobres, se mostram vulneráveis mesmo a efeitos modestos de mudanças climáticas e não teriam como suportar os resultados de temperaturas médias superiores a 2o C. É necessário criar uma rede de proteção para as nações mais pobres, contra os efeitos tremendamente desiguais da mudança climática. O potencial de disrupção social desse quadro de aquecimento global não pode ser desprezado.

Metas fracas de redução das emissões para 2020 dificultariam a realização de propostas mais ambiciosas para 2050. A mitigação efetiva das emissões precisa começar imediatamente e demandará coordenação global e regional, numa estratégia de longo prazo.Temos os instrumentos necessários para enfrentar o desafio climático e os recursos para ampliar sua escala. A descarbonização das economias nacionais trará muitos benefícios. Vai criar empregos em atividades econômicas de baixo carbono em setores da economia e da sociedade, além de reduzir o risco de danos à saúde e perdas econômicas no futuro. Difícil discordar.

Quando os governos se reunirem em Copenhague para as negociações formais, em dezembro, ouvirão os ecos dessa mensagem. Alguns fatores novos vão pesar muito nas decisões. Um deles é contextual, como nós, politólogos, dizemos. Trata-se da recessão global, que fará o pano de fundo das decisões. Outro, o novo governo dos Estados Unidos, que deverá remover o veto a um adequado acordo sobre o clima. Muitos tentarão usar a crise como álibi para adotar metas menos ambiciosas de redução das emissões. Mas, como argumentou Nicholas Stern, do “relatório Stern”, em Copenhague, ela reduz os custos do início da transição para um novo regime. Também permite que as medidas de reversão da crise global ofereçam os incentivos certos para estimular a descarbonização, como fizeram Estados Unidos e Inglaterra. Essas políticas de investimento e geração de emprego podem estimular o crescimento da “economia verde”, das tecnologias e energias limpas, dando-lhes firme vantagem competitiva. A idéia de um new deal verde e global é apresentada em vários círculos do diálogo climático.

Para que cheguemos a esse “pacto verde global” será preciso que o presidente Obama assuma na COP 15 o compromisso de seu país com metas ousadas de redução das emissões. Tudo indica que fará isso. Ele tem adotado o desafio climático como baliza de suas principais decisões econômicas. A liderança dos Estados Unidos enfraquecerá muito o time dos “bloqueadores” da mudança. Pode conquistar agentes influentes e ativos do veto à mudança para o time dos que votam para mudar o status quo.

Mas a troca de posição, de “bloqueador” para “transformador”, é um processo determinado por forças fundamentalmente domésticas. Não se pode esperar que ocorra em grande escala apenas no plano multilateral ou global. Os exemplos dos Estados Unidos e da Austrália ilustram bem como ele se dá. Nos dois casos, teve origem nas escolhas das sociedades locais, em eleições que levaram ao poder governantes comprometidos com a mudança das políticas domésticas e global do clima. Antes, eram governos que bloqueavam os avanços e contribuíam ativamente para o impasse.

Negociações bilaterais, como a iniciada pela secretária de Estado Hillary Clinton, com a China, ajudam. Mas o que levará a China, um desses atores críticos, a adotar a mudança climática como prioridade é o desafio que ela já enfrenta internamente. Desastres associados a fenômenos climáticos têm causado, todo ano, prejuízos diretos da ordem de US$ 30 bilhões, afetado negativamente a vida de 400 milhões de pessoas e provocado mais de 4 mil mortes anuais. Esses dados foram apresentados ao Congresso chinês pela meteorologista Qingchen Chao, vice-diretora geral do departamento de desenvolvimento da ciência e tecnologia, da administração meteorológica da China. A China pode não mudar de “bloqueadora” a “transformadora” já em Copenhague. Mas já está mudando e provavelmente não terá a mesma atitude de veto, que se escorava, em grande medida, na posição dos Estados Unidos, o maior dos emissores de gases de efeito estufa.

Sérgio Abranches é mestre em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB); M.A. e Ph.D. em ciência política pela Cornell University. Diretor e colunista de O Eco (www.oeco.com.br); comentarista de ecopolítica da rádio CBN

Scientific American Brasil

Nenhum comentário:

Geografia e a Arte

Geografia e a Arte
Currais Novos