quinta-feira, 4 de junho de 2009

Israel e Palestina: Níveis de Análise


por Victor de Oliveira Leite
O mais recente conflito entre israelenses a palestinos marcou com tensões a passagem do ano-novo. Um ano-novo no calendário cristão, já as datas não se coicidem com as dos calendários judaico ou islâmico. É um mesmo olhar de fora que procura analisar os atores envolvidos nos processos conflitivos ocorridos na região de Gaza.

Qualquer significado que pudesse ter sido atribuído à data dos ataques estaria fora de contexto e desambientado. Os conflitos mancharam o dia da Confraternização Mundial ? Parece bastante insólida qualquer tentativa de afirmação positiva a esse questionamento. Nesse sentido, o que dizer de várias outras afirmações construídas e aplicadas num movimento de fora para dentro ?

A concepção de Estado como ator central das Relações Internacionais parece pouco explicativa para a compreensão das dinâmicas dessa região – e talvez represente mais outro olhar ocidental. O objetivo desta análise de conjuntura não é, portanto, o de caracterizar definitivamente os atores envolvidos em tais litígios, mas sim o de mostrar a dificuldade em se formular uma caracterização final para esses mesmos atores e de identificar o nível de análise que deve ser proposto para tratar a questão.

O Estado de Israel foi criado em 1948. O fato de ter sido construído a partir de fora, mesmo que por meio da base em argumentos históricos de ocupação territorial, mostrou a dificuldade em se atingir consenso a respeito da legitimidade da autoridade e da jurisdição soberana sobre o território. A razão para a situação inicial de contraposição dialética está no desacordo entre israelenses e paletinos. Essa circunstância antitética acabou por suscitar o surgimento de embates militares entre ambos os grupos. A demarcação arbitrária de um território já ocupado por diferentes componentes sociais arrefeceu ainda mais essa contraposição e marcou toda uma história com episódios de guerra e frustadas tentativas de paz.

A configuração de antagonismo está verificada na existência de dois polos reivindicadores de autoridade e autonomia dentro da região: o Estado de Israel e a Palestina, representada pela OLP (Organização para Libertação da Palestina). A assinatura dos acordos de Olso em 1993 parece indicar um novo rumo à situação entre israelenses e palestinos, uma vez que essa data marca o reconhecimento mútuo entre autoridades representantes dos dois contrapesos. Contudo, pouco avanço foi efetivo no sentido de se demarcarem as esferas de jurisdição de cada uma das autoridades. As iniciativas de diálogo sempre minaram em virtude da impossibilidade de se chegar a um acordo reconhecido como justo para ambas as partes.

Toda aparente dificuldade de diálogo é ainda superficial se não se analisam as dinâmicas internas de cada um dos lados envolvidos. Caracterizar as posições israelenses ou palestinas como unitárias é ferramenta de análise que empobrece o entendimento sobre o real perfil das partes. Não é consenso dentro de cada uma delas o modo pelo qual se deve prosseguir em relação à parte litigante. As posições dentro dos partidos israelenses com respeito à possibilidade de criação de um Estado Palestino são bem distintas. Afora a questão de maior controvérsia – a criação do Estado Palestino – podem-se buscar posições com nuances bastante diversas em relação à disposição ao diálogo e em relação às perspectivas militares que devem ser colocadas em prática contra a Palestina. O próprio conflito dos meses de dezembro e janeiro pede reflexão mais aprofundada. O conflito foi deflagrado não contra a Palestina, ou parte dela, como unidade territorial (pela dificuldade de se dizer “Estado”). Tampouco o foi contra o governo, uma vez que há uma duplicidade na administração: a Faixa de Gaza encontra-se sob domínio do grupo Hamas e a Cisjordânia, do Fatah.

À luz da fragmentação da autoridade palestina, e das distintas percepções dos atores, fica clara a dificuldade de se abordar o assunto sob a égide de uma perspectiva teórica acerca de níveis de análise. Haveria como caracterizar o binômio Hamas-Fatah como partes de um mesmo nível unitário em litígio e em busca de supremacia, ou como dois níveis unitários concorrentes entre si ? Se inscrevêssemos a relação com Israel (vista a questão palestina como elemento externo) e a diferença de reconhecimento dado por esse Estado às partes, isso serviria para diluir ainda mais as noções de unidade e sub-unidade?

A democracia e uma de suas principais instituições, a possibilidade de rotação entre grupos que ocupam o poder, aliadas ao fato de que há partidos com plataformas tão distintas com relação a essa questão pecam contra uma previsibilidade mais acurada da política na região. Com essa assertiva a análise não se coloca contra a democracia, apenas indica uma fragilidade a respeito de se instituir uma política linear sobre a questão palestina em Israel. As eleições parlamentares são sempre monitoradas por analistas de política exterior, dada a importância de se entender os processos domésticos e a luta pelo poder no intuito de se formular previsões sobre o provável procedimento com relação à política regional.

Essas posições, no entanto, não são de fácil percepção, uma vez que os debates internos nas últimas eleições não abordaram de forma estruturada e clara a posição dos partidos acerca de políticas regionais para a Palestina. Dizer “regional”, porém, está ligado a visões não compartilhadas por todos os elementos dentro do Estado israelense. Poder-se-ia defender, contudo, um caráter doméstico dos conflitos? Levada por uma perspectiva ultraconservadora de que a Palestina não é, tampouco deva ser, reconhecida, os conflitos podem ser encarados como parte de uma esfera doméstica. Essa análise, porém, não é tão aceita pela comunidade internacional. Este trabalho não pretende analisar a correto ou o corriqueiro, porém indicar que há falhas, ou ao menos, impossibilidade de consenso a respeito da caracterização das esferas de análise.

No outro extremo, há configuração ainda mais difusa. Uma vez que há clara bipartição entre forças que clamam pela legitimidade sobre o povo palestino, é ainda mais complicado falar em posição palestina. Fatah e Hamas são os dois expoentes desse outro extremo. Enquanto o segundo consegue a maioria nos assentos nas eleições em Gaza acontecidas em 2006, é ao primeiro que Israel reconhece o status de autoridade sobre o povo palestino. Identificado como grupo terrorista por Israel, o Hamas não consegue a legitimação externa de que necessita para se firmar como autoridade nacional. Mesmo que tenha sido escolhido em eleições que foram consideradas idôneas e legítimas, a disposição de Israel em se pôr em diálogo apenas com o Fatah mostra como a soberania popular palestina não parece ter sido determinante para que Israel reconhecesse o governo palestino.

Toda tentativa de classificação pecará pela generalização ou pela fragilidade de poder analítico. Perceber os contrapesos, Israel e Palestina, como atores unitários é problemático, dado o fato de que há uma multiplicidade de subunidades. Por outro lado, tentar emancipar as subunidades com o intuito de promover uma análise teórica, criará outro problema: o da existência de canais diversos com mesma capacidade para exercer autoridade.

Poder-se-ia defender que escolher um ou outro nível de análise para a questão, ao invés de facilitar o entendimento, minaria o entendimento de toda a complexa relação que há entre os diversos atores envolvidos nesse espaço. Nesse sentido, toda percepção sobre níveis de análise para a região não parecem garantir uma definitiva compreensão da realidade. Waltz percebe com mais propriedade que se deve buscar uma inter-relação entre os diferentes níveis. Contudo, como critica Buzan, a maneira com a qual se poderá agir na intenção de relacionar as fontes de explicação, e como se poderá sintetizá-las em único entendimento, carece de fundamentação clara.

Victor de Oliveira Leite é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais – LARI (victoroleite@gmail.com).

Meridiano 47

Um comentário:

Unknown disse...

Sempre foi muito difícil para mim entender, esse confronto Israel X
Palestina;

Apesar do Estado de Israel ser bem jovem, rápidamente construíram um grande armamento bélico. A medicina é de primeira e o mundo esparava mais desse país.

Não sabia que eram democratas.

Bela e interessante postagem!

Parabéns, Eduardo!

Abraços

Mirse

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