quarta-feira, 17 de junho de 2009

Desmatar não é a solução

Índice de desenvolvimento humano é menor nas regiões em que a floresta amazônica foi degradada

Dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, só em 2008, mais de 11,9 mil quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia brasileira. Apesar da elevação momentânea no IDH dos municípios afetados, a degradação do meio ambiente prejudica o desenvolvimento da população (fotos: Alexander Lees).


Se alguém ainda tinha dúvidas, um estudo publicado esta semana pela Science confirma que o desmatamento está na contramão do desenvolvimento da sociedade. Pesquisadores brasileiros e europeus avaliaram dados de centenas de municípios na Amazônia e constataram que o índice de desenvolvimento humano (IDH) é menor naqueles que têm a maior área de floresta derrubada.

O trabalho foi coordenado pela portuguesa Ana Rodrigues, pesquisadora da Universidade de Cambridge (Reino Unido), em parceria com estudiosos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), sediado em Belém, e de outras duas universidades britânicas.

"Este estudo demonstra que a estratégia de desenvolvimento que historicamente tem sido seguida na Amazônia não é adequada, já que nem garante a conservação do extraordinário património natural da região, nem proporciona uma melhoria da qualidade de vida das populações", avalia Ana Rodrigues em entrevista à CH On-line. "Esperamos que estes resultados estimulem o debate político sobre futuras estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. E que, a longo prazo, contribuam para a adoção de políticas e incentivos econômicos que permitam uma trajetória de desenvolvimento baseado na valorização da floresta e dos benefícios que ela providencia."

O grupo reuniu dados colhidos no censo do ano 2000 relativos a 286 municípios da Amazônia brasileira que apresentavam diferentes estágios de preservação da floresta. Os municípios foram divididos em sete grupos, desde aqueles cujo desmatamento é considerado inativo (com mais de 90% de mata nativa), passando pelos que estavam em processo de desmatamento, até os que já foram quase totalmente desmatados (com quase 90% da área degradada). Em seguida, foram avaliados indicadores de desenvolvimento desses municípios, como expectativa de vida, taxa de alfabetização e renda per capita.

O cruzamento dos dados permitiu aos pesquisadores identificar um padrão que relaciona os níveis de desmatamento de cada município com seu IDH. Esse índice geralmente é baixo nas regiões de mata nativa e cresce rapidamente com o início da derrubada da mata. Os municípios em que o desmatamento ainda estava em curso tinham IDH acima da média nacional. No entanto, aqueles em que a floresta já havia sido quase totalmente devastada apresentavam índices menores que a média do país.

Expansão e retração
De acordo com os autores do estudo, o aumento do IDH nos estágios iniciais de desmatamento dá a falsa impressão de que as atividades econômicas ali desenvolvidas elevam o padrão de vida da população. Na verdade, o que ocorre é um fenômeno que os pesquisadores identificaram como uma expansão seguida pela retração do desenvolvimento na fronteira do desmatamento.

A pecuária é, junto com a extração de madeira, a principal atividade econômica responsável pelo desmatamento da Amazônia brasileira.

Segundo o engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon e coautor do trabalho, a alta do IDH no início da derrubada da mata vem do aumento da renda das populações com o uso dos recursos naturais, como a extração da madeira, que é seguida pelo uso da terra para a criação de gado.

No entanto, a bonança é passageira. “Esse ciclo dura no máximo 20 anos”, conta Veríssimo. “Depois que a madeira vai embora e o pasto fica ruim, essa população precisa desmatar outra área, ou então sofre com a falta de recursos”. Segundo o engenheiro agrônomo, a fase de retração “comprova que o desmatamento gera renda de maneira efêmera, pois o desenvolvimento obtido não se mantém.”

Para os autores, a solução para a melhoria do IDH dos municípios da Amazônia estaria na adoção de políticas de incentivo ao desenvolvimento sustentável das populações ribeirinhas, acompanhada de um melhor acesso à saúde e educação. O estudo cita programas de incentivo à preservação da mata, como o “Bolsa Floresta”, do governo do Amazonas, que apoia famílias que cultivam suas terras de maneira consciente.

Zerar o desmatamento
Veríssimo afirma que as ações como essa são insuficientes. Segundo ele, é preciso também mais vontade política para resolver o problema. “A forma mais barata de diminuir as emissões nacionais de carbono é barrar o desmatamento, mas para isso o Brasil precisa investir.”

O pesquisador estima que, para subsidiar uma economia sustentável no local, seriam necessários 17 bilhões de reais por ano – o equivalente a 0,5% do produto interno bruto (PIB) brasileiro – pelas próximas duas décadas. “Zerar o desmatamento deve ser uma prioridade de todos”, defende Veríssimo. “Quem paga pela destruição da floresta somos nós, cidadãos brasileiros, e o resto do planeta.”


Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
11/06/2009

Revista Ciência Hoje

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