quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Tsunami" no Atlântico

Pesquisadores contam como escaparam de ondas gigantes que cobriram ilhotas brasileiras no Atlântico e destruíram estação científica
texto: Martha San Juan


O arquipélago São Pedro e São Paulo é um conjunto de ilhotas isoladas a mil quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte


O resgate da equipe de quatro cientistas no arquipélago São Pedro e São Paulo parece um daqueles pesadelos que os participantes querem esquecer. Ou contar para os amigos como se fosse uma aventura distante. Não dá para acreditar que, há poucos meses, quatro pessoas tiveram de escapar do arquipélago, um conjunto de ilhotas brasileiras no meio do Oceano Atlântico, da única maneira possível: se atirando de um penhasco, no intervalo de ondas gigantescas, e nadando até um barco de pesca avisado por meio de um transmissor portátil salvo entre os escombros da estação mantida pela Marinha naquele lugar afastado da costa brasileira.

“A pior parte foi quando tivemos de nos refugiar no farol”, recorda o médico Fábio Tozzi, 45 anos, um dos membros da equipe. Tozzi conta que, no dia 3 de junho, um sábado, ele e a mulher, a bióloga da Universidade de São Paulo Adriana Kohlrausch, de 29 anos, uma veterana de expedições à estação, chegaram no arquipélago para uma estadia de 15 dias. Junto, estavam os biólogos João Paulo Machado Torres, 40 anos, e a estudante de pós-graduação Larissa Cunha, 37 anos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os biólogos pretendiam dar prosseguimento ao trabalho com a fauna local e Tozzi acompanhou-os como instrutor e médico.

Na segunda-feira, dia 5, eles receberam a informação de que um dos pescadores de um barco nas proximidades havia se ferido com o anzol no olho direito. Foi examinado por Tozzi que telefonou para a Base Naval de Natal para que providenciasse a sua remoção para tratamento cirúrgico. O barco de apoio, levando o pescador, dirigiu-se então ao arquipélago de Fernando de Noronha, situado a 650 quilômetros de São Pedro e São Paulo. Na ocasião, os pesquisadores ficaram sabendo que poderiam enfrentar mar turbulento nos dias seguintes.

No final da tarde de terça, ondas enormes vindas do lado sul da ilha aumentavam de intensidade e freqüência, encharcando a casa dos pesquisadores e invadindo o recinto do gerador. Como a estação estava muito exposta, os quatro decidiram passar a noite no velho farol, ponto mais alto do arquipélago, construído em 1930 pela Marinha brasileira e reformado nos anos 90.



Cenas da destruição causada pelas ondas: o ancoradouro e a casa de madeira
“Foi uma noite infernal; nós quatro confinados em um espaço de 1 metro de largura e 10 de altura, sem nada além de algumas laranjas, sacos de batata frita, azeitonas e um pão que pegamos rapidamente”, conta Tozzi. “No começo, ficamos dois de pé e dois sentados, mas depois de algumas horas ficou impossível. Então improvisamos uma espécie de poleiro para que os quatro pudessem se sentar.”

Em seu relatório para a Marinha, o biólogo Machado Torres dá uma versão semelhante: “Improvisamos uma moradia no interior do farol, com o que sobrou de madeira da passarela. Foi uma experiência indescritível, algo que os astronautas russos devem ter ensinado ao nosso astronauta Marcos Pontes – como passar mais de 12 horas dentro de um cilindro abraçando os joelhos...”

Apesar do desconforto, a precaução salvou a vida dos pesquisadores. Na madrugada de quarta, a estação, que também servia de residência, foi atingida pelas ondas. A contenção de madeira que protegia a edificação foi ultrapassada pela violência da água. Parte do prédio, feito de madeira, desabou. “As ondas entravam com força total na casa sem o obstáculo das paredes, atingindo até as estantes altas nas paredes opostas e varrendo tudo que encontrava pelo caminho”, diz Machado Torres.

Durante a tempestade, a casa das baterias e o depósito de galões de água haviam tombado e foram destruídos. A casa do gerador, a parede do banheiro e os rádios da estação foram levados pelas ondas, junto com todo o equipamento de comunicação. A parede da casa, que dava face para o muro de contenção, também estava em escombros, as janelas arrancadas. A força das ondas foi tanta que os bancos em que estavam guardados o material de limpeza e equipamentos médicos haviam sido lançados para a varanda, por onde tudo ia sendo arrastado.

“A notícia do que havia acontecido chegara ao continente e esperávamos ser resgatados em breve”, conta Fábio Tozzi. Mas havia também a informação vinda de Fernando de Noronha, de que ondas maiores estavam se formando. “Pedimos na quinta-feira para o pesqueiro Ave-Maria, que estava nas proximidades, vir nos buscar. Não dava para esperar mais.”

Por causa das ondas, o bote de resgate não conseguiria atracar no que restava do dique de pedras. Foi preciso descer até um ponto atrás do farol, onde a profundidade era maior, reduzindo o tamanho da ressaca. Enquanto um dos pesquisadores ficava observando a entrada das ondas, os outros desceram alternadamente próximo da linha d’água, de onde pulavam e nadavam até alcançar a bóia lançada pelos tripulantes do pesqueiro. A seguir, eram trazidos para a embarcação.

No dia seguinte, quando o navio-patrulha Guaíba, da Marinha, chegou para socorrer a equipe, Tozzi voltou à ilha para recuperar o que ainda restava dos computadores portáteis, câmeras fotográficas e parte da pesquisa sobre aves, peixes e caranguejos. A estação precisa agora ser reconstruída. Segundo a Marinha, é o que deve ocorrer nos próximos meses e em um local mais seguro. Quando isso acontecer, os pesquisadores esperam voltar ao arquipélago. “É um lugar maravilhoso”, afirma Tozzi, esperando, no entanto, dias mais calmos.

O Brasil no meio do Atlântico


Poucos animais sobrevivem nas ilhas. Apenas atobás, que fazem seus ninhos sobre as pedras, viuvinhas e caranguejos. Em compensação, em volta, há uma infinidade de peixes
O arquipélago São Pedro e São Paulo já teve visitantes ilustres: Charles Darwin lá esteve em 1832, no início da viagem pela América do Sul que resultaria na Teoria da Evolução. Mas, além dele, poucos exploradores se interessaram por essas quatro ilhotas inóspitas e vários pontos de rochedos pontiagudos situados acima da linha do Equador, a cerca de mil quilômetros do Rio Grande do Norte. É fácil entender o motivo. Na pequena superfície das ilhas (área total de 10 mil metros quadrados) não há água potável nem vegetação. O mar, freqüentemente agitado, nem sempre ajuda a aproximação de barcos. E os rochedos pontiagudos mal permitem um passeio a pé. Para piorar, trata-se da única região do território nacional que sofre regularmente com terremotos. O arquipélago é a parte emersa de uma cadeia montanhosa no meio do Atlântico e sua origem é vulcânica. As quatro ilhotas formam uma enseada em forma de ferradura em cujas margens fica a estação científica construída pela Marinha há dez anos para abrigar os pesquisadores que visitam o local em esquema de revezamento. Para esses pesquisadores, o grande atrativo do arquipélago está na vida que abriga – caranguejos, aves oceânicas (atobás, que deixam seus ovos sobre as pedras; e viuvinhas, que usam as algas soltas na arrebentação para construir ninhos), insetos, aranhas e parasitas associados. No mar profundo, em volta da parte submersa dos penhascos, está um fantástico mundo de corais, algas e animais marinhos, entre os quais peixes endêmicos, que só existem naquele lugar – além de tubarões, é claro.

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