domingo, 7 de setembro de 2008

NORDESTE ESCONDE SUA ÁGUA



Nas cidades e no sertão, a água é vendida a 4
centavos a lata. Mas sob o Nordeste correm dois
grandes rios, entre 50 e 350 metros de profundidade

As novas esperanças do Nordeste estão sepultadas, algumas há milhões de anos, outras há séculos, outras desde a última chuva. São as águas subterrâneas, que, trazidas à superfície, vão transformar a sêca numa lembrança. Para descobrir onde está essa água, a Sudene chamou técnicos israelenses, Joel Gat, Emanuel Mazor e Abraham Mercado, que andaram pelo Nordeste durante três semanas. Para saber se pode usar essa água escondida sob a terra sêca, a Sudene mandou amostras colhidas pelos israelenses a laboratórios em Israel, França e Áustria. Dos 15 bilhões de metros cúbicos anuais de chuva no Nordeste, 90 por cento se evaporam sob o sol forte do verão, 9 por cento enchem no inverno os leitos dos rios e riachos e se escoam no mar. Um por cento se infiltra na terra — estas águas são as novas esperanças do Nordeste.

Não era petróleo — A água subterrânea sempre foi usada no Nordeste, sem método, através de um ou outro poço raso, de capacidade pequena. Seu uso intensivo começou no ano passado, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, quando uma sonda da Petrobrás achou um lençol de água. Os 100 mil habitantes da "cidade mais sêca do Brasil" hoje a chamam "a cidade com água mais quente do mundo": a do lençol chega ás torneiras a 53 graus. E basta para a cidade durante dez anos. Mas, das 16 mil casas de Mossoró, apenas 2 mil a recebem por enquanto; as outras ainda não têm encanamentos da Companhia de Águas e Esgotos do Nordeste, subsidiária da Sudene. A maior parte da população, assim, ainda depende, como há meio século, da água barrenta do rio Mossoró ou da pouca água de chuva guardada em cisternas. Nas casas onde há encanamento a água é cara, mas pura. Quem bebe água do rio Mossoró entra numa lista em tinta vermelha do Departamento Nacional de Endemias Rurais como portador de ameba, uma das causas da mortalidade infantil no Nordeste. Nessa lista estão 80 por cento das crianças de Mossoró.

Ouro do Império — "Enquanto houver ouro no Império, nenhum nordestino morrerá de sêde", disse Dom Pedro II, durante a construção do primeiro grande açude do Ceará, no Cedro, na sêca de 1877. Noventa anos depois, em 245 açudes pequenos, médios e grandes, o Nordeste guarda 11 bilhões de metros cúbicos de água, que poderiam irrigar 150.000 hectares de terras, ou 1.500 quilômetros quadrados. Mas o Departamento Nacional de Obras contra as Sêcas, antes da fundação da Sudene em 1959, preocupava-se mais com obras grandiosas, que dessem empregos e salários aos milhares de trabalhadores desempregados durante as sêcas. Assim, o planejamento foi deixado de lado e, até hoje, os canais de irrigação só beneficiam 11.000 hectares. Mais de um décimo da água dos açudes não é usado; os cablocos chamam os açudes de "piscinas do sertão", de onde só se aproveita o peixe. O IV Plano Diretor da Sudene prevê a aplicação, até 1973, de 421 milhões de cruzeiros novos em dez projetos de irrigação em Pernambuco, Bahia, Ceará, Sergipe e Alagoas, mais um projeto do DNOCS em Jacurici, na Bahia. Com tudo isso, daqui a cinco anos o Nordeste estará irrigando apenas 115.000 dos 150.000 hectares que poderia cultivar já hoje, com a água que tem, sem mêdo da sêca.

Céu e mar — "Mesmo que tôda essa água pudesse ser aproveitada agora", afirma um técnico da Sudene, "o Nordeste continuaria com baixa renda per capita no campo, com preços instáveis e níveis submínimos de alimentação". Por isso o Nordeste continua procurando mais água. Alguns a procuram no céu, como o catedrático de Bioquímica e diretor do Instituto de Meteorologia da Universidade do Ceará, o médico João Ramos da Costa. Outros a procuram no mar, como o professor de Geografia Nélson de Oliveira, do Colégio da Bahia. Diz o Professor Costa: "Nuvens negras, que no Sul indicariam chuva certa dentro de poucos minutos, no Nordeste só passam. Nelas há instabilidade entre os cristais sólidos, as gotículas líquidas e o vapor gasoso". Ao bombardear êsses "sistemas instáveis" com gêlo sêco ou sal de cozinha, o Professor Costa tem conseguido fazer chover. Para o Professor Oliveira, a solução é abrir largos e longos canais que tragam a água do mar para dentro da terra. "Há plantas que se dão bem junto à água salgada, como a banana", conclui o Professor Oliveira.

Terra e água — Mas a Sudene não acredita no céu e no mar e sim na terra. No sertão do Nordeste a terra é dura: são rochas cristalinas, em que a água não penetra. Mas nos leitos dos rios há rachas por onde a água, há milhões de anos, foi descendo até encontrar grandes espaços ocos no meio das rochas e acumular-se em bolsões, a partir de 900 metros de profundidade. Sob as terras mais próximas do litoral e na Bacia potiguar, por onde correm os rios do Rio Grande do Norte, há dois grandes rios subterrâneos, entre 50 e 350 metros de profundidade, num total de 200 bilhões de metros cúbicos de água. Nessa região a terra é sedimentar, mais mole, e a água de chuva se infiltra com facilidade: os dois rios subterrâneos recebem 165 milhões de metros cúbicos por ano, tanto quanto perdem ao escoar no mar. No sertão há menos água subterrânea e mais água salgada, mesmo na superfície, do que no litoral. No Curu, no Ceará, os canais de irrigação feitos na década de 30 sem análise da água tornaram a terra imprestável. "Até hoje, por causa da água salgada, não cresce um pé de couve", afirma o Secretário da Viação do Ceará, Fernando Mota. Mas a água subterrânea do sertão que fôr julgada aproveitável será bem-vinda numa região em que até hoje a água é vendida em latas de querosene.

O preço da lata — Entre Mossoró, na área sedimentar, e Patos da Paraíba, na região cristalina, há 300 quilômetros de caatinga, rios secos, gado magro, alguns açudes, um habitante por quilômetro quadrado, algumas galinhas e alguns cachorros em tôrno das casas de adôbe, crianças pálidas e barrigudas, muito sol, calor forte e pouca água. O Prefeito José Cavalcanti calcula que Patos tenha 60 mil habitantes; é a terceira cidade da Paraíba, depois de Campina Grande e João Pessoa. Dois caminhões-tanques da Prefeitura, fazem o dia inteiro o trajeto caixas d’água — vilas, onde não há encanamento. Particulares compram água nos poços, enchem caminhões e revendem nos bairros. Cada caminhão serve de cada vez quinhentas pessoas, que têm direito a três latas de querosene cheias de água, a 4 centavos a lata. Quem não paga no fim da semana, não recebe mais água. A grande piscina do Hotel JK, construído em 1962, nunca tem água. Para enchê-la, tôda uma vila da cidade, 5 ou 6 mil pessoas, ficaria sem água uma semana. Sob a região de Patos, como em todo o Nordeste, há mais água, como descobriram com radiosótopos os técnicos de Israel, que daqui a alguns meses entregarão à Sudene um relatório sôbre sua localização e sôbre os melhores métodos de arrancá-la do fundo da terra.

Água no Sul — Em Mossoró, Josias Ribeiro, com duas lojas de calçados e seis netas na sua casa com água encanada, cobra 10 centavos por lata de água que sobra de sua cota mensal. "Sempre ajuda para inteirar a taxa de 9 contos", explica. Na serra de Borborema, entre Patos e Campina Grande, Maria da Conceição, 45 anos e 40 quilos, anda todo dia 2 quilômetros com lata de água na cabeça, comprada na vila de Santa Luzia. Com seu marido, Raimundo, planta algodão nas encostas, a trôco de metade da colheita. Seu filho também Raimundo, atira de carabina nas aves que tentam beber água. Maria da Conceição, na casa de chão de terra batida, com uma máquina de costura velha e enferrujada, tem uma esperança: "O filho um dia cria coragem e, se Deus quiser, vai para o Sul, beber água boa".

O nôvo Nordeste — José Júlio Rosental, 35 anos, coordenador do Projeto de Aplicação de Radioisótopos na Indústria, da Comissão Nacional de Energia Nuclear, no Rio de Janeiro, foi um dos dez técnicos brasileiros que acompanharam os israelenses em 2.000 quilômetros de caatinga. E conta: "Homens vegetam, comendo farinha e cacto. São doentes corajosos e conformados. Mas a ciência trará mais água, mais irrigação, mais empregos". Com êle viajaram Enéias Salati, trinta anos, e Admar Cervellini, professôres de Física da Escola Superior de Agricultura Luís de Queirós, em Piracicaba, São Paulo. Êles corcordam: "Com esfôrço, dentro de cinco anos estaremos no mesmo pé de Israel, colhendo em terra sêca há séculos". Outro acompanhante dos israelenses, o Professôr Carlo Maestrini, do Instituto de Pesquisas Radiativas de Belo Horizonte; conclui: "O Brasil produz, em São Paulo e Minas, os radioisótopos de que o Nordeste precisa para achar sua água subterrânea. Os laboratórios em breve nos dirão como essa água precisa ser tratada para ficar boa".

Como descobrir água com radioisótopo
Para descobrir por onde correm as águas subterrâneas do Nordeste, os técnicos israelenses usaram radioisótopos, sem precisar cavar buracos nem abrir poços. Cada um dos 102 elementos químicos da natureza, como o oxigênio, o carbono, o ferro, são constituídos de átomos exatamente iguais uns aos outros: a característica do átomo é que determina o elemento. Nesses rebanhos de átomos iguais, porém, há algumas ovelhas negras: os isótopos, átomos iguais aos outros em tudo, apenas ligeiramente mais pesados, por terem mais nêutrons em seu interior. Alguns dêsses isótomos são radioisótopos, isto é, tornam-se radiativos ao receber uma carga de radiação suficientemente pequena para não causar nenhum mal ao homem e suficientemente grande para serem detectados por contadores Geiger, medidores de radiação. Injetando radioisótopo, seja no sangue dos doentes, nos lençóis de água ou nos minerais que alimentam plantas, é possível descobrir onde vão parar o sangue (numa obstrução circulatória), a água (acompanhada por técnicos que andam pela superfície com os contadores Geiger) e o míneral na planta (se nas fôlhas, no caule, etc.). O Brasil produz radioisótopos de fósforo e carbono; precisa de reatores nucleares para produzir radioisótopos de outros elementos.

Idade e sal — Os técnicos insraelenses recomendaram, para determinar a idade das águas subterrâneas, além da técnica do carbono-14, que alcança até 30 mil anos, com margem de êrro de cêrca de um século, a técnica do trítio, que pode dar idade exata da água de trinta anos para cá. A técnica do carbono-14 baseia-se em que tôda matéria vai perdendo energia, atráves da radiação, desde que foi formada; assim, calculando-se a perda de energia, é possivel determinar a época da formação da matéria. O trítio, elemento muito raro na natureza, tem sido liberado pelas explosões atômicas; se a água contiver trítio, é que provém de chuva posterior à bomba atômica. A água mais nova deve ter menos sal do que a mais velha e é mais fácil usá-la na agricultura. Outra técnica nuclear ajudará: a análise dos isótopos de hidrôgenio e oxigênio que a compõem. Conforme a proporção entre isótopos e átomos em cada um dos dois elementos é possível esperar mais ou menos sal na água.
http://veja.abril.com.br/especiais/index.shtml

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